sábado, 30 de janeiro de 2010

UM POEMA DE RUY ESPINHEIRA FILHO

(Edward Hopper)
CANÇÃO DAS CINZAS DA TARDE

As cinzas da tarde descem
sobre o horizonte que arde
em agonia, e o que tecem
vem das cinzas de outra tarde.

Lembras-te, amor? Não te lembras.
És esquecimento e calma.
E entre as coisas que deslembras
está o que eu chamava alma

em mim, e que hoje também
se esquece de si, cansada
de se sonhar e ninguém
sonhar do seu sonho. Nada

foi colhido dessa hora
senão o vê-la passar.
Olho estas cinzas de agora
apagando as luzes do ar

– eu, aqui, sem quem me guarde
de ressentir sempre, assim,
quando agoniza uma tarde,
esta história que, enfim,

jaz nas cinzas de outra tarde
(de outra tarde – e de mim).

Poesia Reunida. Ed. Record

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