domingo, 1 de julho de 2012

ENTREVISTA COM O POETA STEFANNI MARION





Quando li pela primeira vez os poemas de “Temporário”, do poeta Stefanni Marion, fiquei surpreso com o fato de que ele tinha de certa forma ‘engavetado’ seus poemas, e assim, a possibilidade de um livro de estreia. Uma poesia lírica, sensível e de alta qualidade, porque simplesmente tem o que dizer em sua dicção. Hoje me sinto honrado por ter sido o primeiro a publicar seus poemas e apresentar essa entrevista aos leitores do Poesia Diversa. Entrevista que deve anteceder seu primeiro livro: Temporário! Livro a sair pela Editora Patuá.



 1) – Como ocorreu seu contado inicial com a poesia?   

Foi durante a infância, porém lembro-me de ter tido contato com pouquíssimos livros nessa fase. Descobri o que era poesia mesmo na adolescência, vasculhando estantes e descobrindo Arthur Rimbaud, foi num livro dele que tive o impacto maior com a escrita poética. Eu era ingênuo demais para entender sua grandiosidade, mas ficava inexplicavelmente fascinado a cada vez que me perdia em seus versos.



2) – Quais são suas influências literárias? 

Minhas primeiras influências literárias são as mais importantes até hoje e vieram assim que cheguei a São Paulo, na biblioteca do bairro onde morei. Eu tinha uns doze anos, era mágico andar por aqueles corredores, os livros me escolhiam. Foi entre estantes que Sylvia Plath, Rainer Maria Rilke, Machado de Assis, Hilda Hilst, Luigi Pirandello, Ernest Hemingway, Tennessee Williams, Fiodor Dostoievski, entre outros acenaram para mim pela primeira vez. Para fugir dos alinhavados doloridos de minha casa, me refugiava na biblioteca praticamente o dia inteiro.


3) – Como é seu procedimento ao escrever um poema?


Não tem procedimento determinado. Não é algo sistemático feito regras biblioteconômicas. Se eu tivesse seguido um único caminho, os estados temporários dos sentidos nunca teriam se desembaraçado e gestado um livro. Criar um procedimento me aprisionaria completamente. Agrada-me tanto a balburdia quanto a profundidade sonora do silêncio. Tanto faz, em que suporte inicialmente ele seja escrito. Assim que o poema nasce, é momento de dar-lhe um banho de boas vindas feito a um recém-nascido, depois é tempo de ir enxugando carinhosamente as gotas desnecessárias. Mas existem poemas que já nascem prontos e qualquer tipo de banho tiraria e afogaria toda sua artimanha poética.


4) – Qual sua definição de poesia?



Arrebatamento. Qualquer outra definição que tentasse fazer fugiria da pergunta e seria poesia.



5) – Duas dimensões presentes em sua poesia como marca constitutiva de sua escrita: o lirismo e o memorialismo, ou seja, uma poética manifesta em versos de grande teor sentimental ao mesmo tempo que revela um tom confessional de experiências vividas. Comente esse aspecto de sua poesia.



Ambos me levam ao clímax da beleza, mas ao mesmo tempo me perturbam corrosivamente. Por eu ter uma escrita que versa para o lírico, fora da literatura acham que sou sempre assim, que saio por aí o tempo todo transformando barulho de água jorrando no bueiro, em poesia. O memorialismo me faz escavar fendas que por vezes eu poderia deixar lacradas, no entanto fico revolvendo-as continuamente para encontrar o tom exato do poema. Já fui criticado algumas vezes por essas marcas. Depois de anos convivendo com esse jeito de sentir, tenho a sensação que na poesia seria difícil perder o tom da confissão, ser confessional é inevitável durante a trajetória. Sempre senti necessidade de dizer pela escrita o que por vezes não disse coloquialmente entre os quatro lados das paredes da sobrevivência. Mas toda essa vertente confessional acaba por se universalizar, definitivamente não escrevi esse livro pra alguém especifico, e sim para todos os leitores que já tiveram seus corações partidos ou simplesmente apreciem esses delírios e rompantes literários. Sylvia Plath foi minha maior inspiração nesse aspecto da escrita, minha musa. Quando li essa moça pela primeira vez, senti-me completamente tocado por sua força poética, entorpecido feito “o beijo de um devasso”.




6) – O título de seu primeiro livro chama-se “temporário”; um indicativo semântico da transitoriedade de nossas vivências; mas sua poesia parece contrariar esse aspecto existencial que marca todo ser humano mediante a presença de lembranças decorrentes de suas significações transfiguradas para o universo poético. Comente essa questão.



Na verdade, isso foi proposital. A palavra “temporário” sempre me atraiu muito, mas em vários momentos do livro, eu fui contra o real sentido dela. Era mais ou menos como desafiar o tempo, ir contra os ponteiros e paradigmas do destino. Eu dava meia volta no que estava “encerrado” até que para mim estivesse de fato finalizado. Era minha tentativa de conseguir um pouco mais de tempo para os acontecimentos dos quais não conseguia me desligar com facilidade. Nos dois últimos poemas, deixo isso um pouco mais claro, talvez ali eu tenha versado minha satisfação com o finito. Transitei muito entre idas e vindas até encontrar o que para mim seria o tom exato para essa seleção de poemas.



7) – A poesia – como nos versos de ‘plúmbeo’ – deve ser uma afirmação da vida mesmo diante de sua fugacidade?



Quando se fala de morte, afirma-se a vida. Quando se fala de vida, afirma-se a morte. A morte encontra deleites e significados ao transitar pela vida. A fugacidade anda em paralelo com tudo isso, como as pequenas transitoriedades do cotidiano, uns emaranhados dos quais, por vezes, nasce a poesia. Uma parte representativa dos poemas, da primeira parte do livro, foram escritos em minha adolescência, são meus acinzentados céus de cimento. A transição entre os poemas de “plúmbeo” para os outros é uma espécie de corte do cordão umbilical, um afirmar a vida diante de suas fugazes labaredas e revezes dos sonhos juvenis.



8) – Alguns dos poemas de “Temporário” exploram de forma dramática experiências familiares. Comente essa dimensão de sua poesia.



Eu comecei a escrever poesia para “falar” ao meu pai coisas que eu não conseguia dizer verbalmente. Durante anos, ele foi o meu grande tema. Creio que dos 16 aos 20, eu sempre voltava a escrever sobre ele, mesmo que estivesse tentando colocar outras vozes ao poema. Sentia muita falta da tal relação entre pai e filho, permeando essas ausências, que esses poemas nasceram. A eloquência do meu pai sempre me manteve um tanto revolto e à margem de nossa relação, quase que completamente. Esses poemas ficaram guardados por serem pessoais demais, mas depois percebi que outras pessoas se identificavam com eles, ou seja, as poucas que tiveram acesso aos pedaços de papéis rabiscados e guardados em meus bolsos. Como se meus dramas familiares saíssem pelo portão e se estendessem à vizinhança. Foi então que no livro, eles vieram à tona, são parte dos sentidos temporários e não poderia tirá-los de forma alguma. Percebi que tinham muito mais que apenas estrofes escritas por um garoto aprisionado, tentando libertar-se de seus medos. Eram muitos poemas sobre ele, fiz uma seleção e destruí vários outros. Os poucos que falam do meu pai estão apenas na primeira parte (plúmbeo), na segunda parte (fascínio), ele deixou de ser tema e abriu espaço para meus primeiros amores temporários. Dia desses defini essa história toda, de escrever sobre experiências, quando na estação de trem, ouvi pelo alto-falante um funcionário enfatizar uma frase do tipo “evitem tumultos nas estações de trem”, daí eu pensei, “talvez seja isso, ao escrever, eu evite tumultos dentro de mim”. Hoje, eu tenho tranquilidade para falar sobre esses tumultos, mas escrever esse livro não foi fácil, foi um contínuo rasgar-se para reconstruir-se.




9) – O poema “.chet, você e a chuva.”, trata da complexa e muitas vezes dramática questão do preconceito e da violência quanto ao homossexualismo. A poesia pode ser uma forma de combate a homofobia e ao mesmo tempo veículo de reflexão sobre essa temática?



Sem dúvidas, a poesia tem a mesma potência de protesto que qualquer outro meio de expressão artística. Eu diria que a poesia é argumento, e dos fortes, mesmo que ela não seja direta e se apresente muitas vezes versada em metáforas recortadas. Esse poema trata sobre o dia em que fui agredido dentro do ônibus, um assunto sobre o qual demorei muito tempo para conseguir escrever. Até que numa madrugada, as palavras vieram... Escrever o que eu tinha a dizer ao meu agressor foi estar outra vez lado a lado com a morte. Após terminá-lo fiz duas cópias, coloquei os fones de ouvido, apertei o play para voltar a ouvir Chet Baker e saí de casa. Peguei a mesma linha de ônibus onde tudo aconteceu, deixei ali, no banco estofado, uma das cópias do poema. Depois fui até a delegacia, onde meses antes havia feito o boletim de ocorrência denunciando um agressor que nunca foi encontrado. Prendi meu poema com fita adesiva na porta central e fui embora. Me senti menos indignado com tudo isso? Não. Decidi naquela madrugada que esse poema deveria sim estar no “Temporário”. Sexualidade não é meu tema, mas é um dos fortes de minha geração e não sou eu que deixarei de ter culhões para assumir meus espaços e posicionamentos como cidadão.



10) – Como o poeta Stefanni Marion vê a internet na divulgação  da poesia e da arte?



                       
A internet permitiu democratizar a poesia, sopra-la virtualmente em inúmeros caracteres, assim como seria na vida real se soprássemos com força farelos de pães em cima da mesa forrada por uma toalha quadriculada. Cada farelo soprado chegaria a um quadriculado diferente. A mesma informação, através de um clique, chega a um receptor que, a partir dali, pode replicá-la. Certamente, o ambiente virtual é um importante meio de divulgação da literatura, música, fotografia, cinema e outras vertentes artísticas. É feito a extensão da voz, por onde disseminamos nossos trabalhos sem precisarmos mais ficar carregando eles nos braços feito filhos mimados que teimam em não andar.  É só saber fazer bom uso dela, educar-se virtualmente. Mas lembro-me que na infância tudo era tão mais sinestésico e aventureiro. Quando estou em frente ao computador, sinto um cheiro que não sei nomear. Às vezes quando escrevo, sinto falta do cheiro do papel amassado e da vela queimando, é quando me desconecto e apago a luz...






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