sábado, 30 de julho de 2011

DANTE MILANO: POEMAS






ESCULTURA

A forma da fêmea integrou-se no corpo do macho,
Ambos uma só pedra
Onde ressaltam, invisíveis, separando-os
As duas almas supérfluas.


CENÁRIO

Tudo é só, a montanha é só, o mar é só,
A lua ainda é mais só.
Se encontrares alguém
Ele está só também.

Que fazes a estas horas nesta rua?
Que solidão é a tua
Que te faz procurar
O cenário maior,
O de uma solidão maior que a tua?


MÁSCARA

Passa o tempo da face
E o prazer de mostrá-la.
Vem o tempo do só,
A rua do desgosto,
O trilho interminável
Numa estrada sem casas.
O final do espetáculo,
A sala abandonada,
O palco desmantelado.

Do que foi uma face
Resta apenas a máscara,
O retrato, a verônica,
O fantasma do espelho,
O espantalho barbeado,
A face deslavada,
Mais sulcada, mais suja,
De beijada, cuspida,
Amarrotada
Como um jornal velho.
Máscara desbotada
De carnavais passados.
Esta é a nossa cara
Escaveirada.

Até que a terra
Com sua garra
Nos rasgue a máscara.


MÚSICA SURDA

Como num louco mar, tudo naufraga.
A luz do mundo é como a de um farol
Na névoa. E a vida assim é coisa vaga.

O tempo se desfaz em cinza fria,
E da ampulheta milenar do sol
Escorre em poeira a luz de mais um dia.

Cego, surdo, mortal encantamento.
A luz do mundo é como a de um farol...
Oh, paisagem do imenso esquecimento.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

JORGE ELIAS NETO: POEMAS

(Arthur Fischer)





Sobre anjos e blasfêmias


Existe uma parte que se quebra.
E sem ela,
receia-se
pelo fim do todo.
(Dizem-no: extinto.)
Reluzem desejos na convexidade
da grande esfera.
Por isso videntes
não a deixam tocar.
E a iluminam com a castidade
de seus olhos puros e atentos.
Deixam cair sobre ela
o que há de imaterial
nos anjos e estrelas.
(A ausência de peso não trinca
— não lasca — não faz perecer
a perfeição do que se enseja)
Só que um toque atrevido,
o quão delicado seja,
faz desabar o enigma
(Chamam a isso: pecado)



Portal dos anjos


Anjos...
Dou-lhes de presente
minha sanidade.
Sei o que me custará
rolar a cabeça no acaso ...

Anjos de poeta não implodem,
esvaem-se da cabeceira
da cama do menino.
Retornam para a dimensão do sonho
que se teve
e se dispersou com a razão.

Anjos ...
Retribuo com o poema a vigília
e peço que devolvam a Paulo
o Patibulum e a culpa.



Da construção de cidades e sentenças


Gélidos desfiladeiros
ladeando avenidas...
Estruturas metálicas — andaimes —
espinha dorsal de enormes geleiras
que sentenciam à morte
os que ignoram a cronologia
do desespero.

domingo, 24 de julho de 2011

AUGUSTO FREDERICO SCHIMIDT: POEMAS






COMPREENSÃO

Eu te direi as grandes palavras,
As que parecem sopradas de cima.
Eu te direi as grandes palavras,
As que se conjugam com as grandes verdades,
E saem do sentimento mais fundo,
Como os animais marinhos das águas lúcidas.
Eu te direi a minha compreensão do teu ser,
E sentirei que te transfiguras a ti mesmo revelada,
E sentirei que te libertei da solidão
Porque desci ao teu ser múltiplo e sensível.
Quero descer até as tuas regiões mais desconhecidas
Porque és minha Pátria,
As tuas paisagens são as da minha saudade.
Quero descer ao teu coração como se descesse ao mar,
Quero chegar à tua verdade que está sobre as águas.
Quero olhar o teu pensamento que está sobre as águas
E é azul
Como este céu cortado pelas aves,
Como este céu limpo e mais fundo que o mar.
As tuas manhãs acordadas pelos galos.
Quero ver a tua tarde banhada de róseo como nuvens frágeis
[ tangidas pelos ventos.
Quero assistir à tua noite e ao sacrifício dos teus martírios
Oh!, estrela, oh! música,
Oh! tempo, espaço meu!



OUÇO UMA FONTE

Ouço uma fonte
É uma fonte noturna
Jorrando.
É uma fonte perdida
No frio.

É uma fonte invisível.
É um soluço incessante,
Molhado, cantando.

É uma voz lívida.
É uma voz caindo
Na noite densa
E áspera.

É uma voz que não chama.
É uma voz nua.
É uma voz fria.
É uma voz sozinha.

É a mesma voz.
É a mesma queixa.
É a mesma angústia,
Sempre inconsolável.

É uma fonte invisível,
Ferindo o silêncio,
Gelada jorrando,
Perdida na noite.
É a vida caindo
No tempo!

sábado, 23 de julho de 2011

POEMA






SOBRE OS ESTIGMAS DE JÓ


A dor é uma graça que não merecemos
Léon Bloy


Reles tua verdade, o sentimento da dor.
Olvidado teu destino, teu ser,
malogro e esperança e dissabor.
Sob dilacerações e equívocos
constituístes a flora de tuas quimeras,

– Pútrido jardim de sementes malsãs.

No clamor de tuas mãos,
a glória, sórdido pesar
ante a insubmissão.
Reles é teu pranto,
reles tuas chagas,

– Universo silente de desolação.

Caminhas, e entre teus passos edificas
o luto recalcitrante dos exilados.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

GUILHERME DE ALMEIDA: POEMAS







Nós


Mas não passou sem nuvem de tristeza
esse amor que era toda a tua vida,
em que eu tinha a existência resumida
e a viva chama de minha alma, acesa.


Nem lemos sem vislumbre de incerteza
a página do amor, lida e relida,
mas pouquíssimas vezes entendida,
sempre cheia de engano e de surpresa,


Não. Quantas vezes ocultei a minha
dor num sorriso! Quanta vez sentiste
parar, medroso, o coração de gelo!


- É que nossa alma às vezes adivinha
que perder um amor não é tão triste
como pensar que havemos de perdê-lo.




Nós


Quando as folhas caírem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nós dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos,


e que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
- "Como se amaram esses coitadinhos!
como ela vai, como ele vai contente!"


E por onde eu passar e tu passares,
hão de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos...


E por nós, na tristeza do sol posto,
hão de falar as rugas do meu rosto
hão de falar os teus cabelos brancos.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

MARQUÊS DE MARICÁ: MÁXIMAS VI






987- Os povos, como as pessoas, não padecem por inocentes.


991- A ignorância tem seus bens privativos, como a sabedoria seus males peculiares.


994- A inveja de muitos anuncia o merecimento de alguns.


1250- Tempos há em que é menos perigoso mentir que dizer verdades.


1337- Não há beleza material que não expresse uma idéia, pensamento ou sentimento moral.


1343- Nenhum senhorio é tão absoluto como o que conferem os povos aos tiranos de sua escolha.


1368- O futuro é um teatro em que a imaginação humana faz executar os dramas de sua invenção.


1486- Calamitosos são os tempos em que a insignificância alcança preponderância!


1816- O problema da vida, a morte resolve em pó.


1840- A mentira infelizmente é mais social do que a verdade: a civilidade a enobrece e recomenda.


1844- Os homens suprem com fábulas as verdades que não podem alcançar.


1875- Ousar — em inumeráveis casos é alcançar.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

UMA CONVERSA SOBRE CINEMA






ENTREVISTA COM ANTONIO NAHUD JÚNIOR EDITOR DO BLOG O FALCÃO MALTÊS



1 – Quando ocorreu seu contato com o cinema clássico?



Desde menino. Todos os domingos ia ao cinema com meus irmãos e amigos, mas sem qualquer direcionamento cinéfilo ou emoção especial. Víamos qualquer coisa, principalmente os filmes mais populares. Certa vez, meu pai levou-me a um cinema de arte. Desde então, minha vida nunca mais foi a mesma. O filme era “Amarcord”, de Federico Fellini, e eu fiquei totalmente possuído por toda aquela beleza poética. Passei a ler sobre cinema e a procurar clássicos nas madrugadas da tevê. Visconti, Minnelli, Cukor, Antonioni, Bergman... Cada descoberta abria infinitos caminhos no meu ser. Foi um toque de mágica. Inesquecível.



2 – Em face da banalidade midiática que assola o cinema, sobretudo os filmes de entretenimento repletos de violência, sexo e efeitos especiais, quais seriam as características que tornariam um filme parte do grande cinema, ou seja, o cinema de arte?



Não sou nostálgico, mesmo amando profundamente o cinema de outros tempos. Acredito que os filmes comerciais, sem qualquer pretensão artística, sempre foram mais populares e produzidos em maior quantidade desde o início do cinema. Um filme especial para mim precisa me emocionar e levar estampada a assinatura do diretor, ou seja, estar evidente que é uma criação personalizada. No entanto, não sou radical, acho que vale a pena ver alguns filmes por certos atores, pelo seu impacto mundial ou mesmo por pura diversão.


3 – Falando sobre a banalidade sexual, a exploração da imagem feminina no cinema. Atrizes como Catherine Deneuve, Tippi Hedren, Grace Kelly, Elizabeth Taylor, apenas para citar algumas, expressavam o perfeito equilíbrio entre a beleza e o talento. Esse tipo de atriz estaria extinta no cinema atual?


Claro que não. Posso enumerar dezenas de atrizes belas do passado e sem qualquer talento. Hoje? Belas e talentosas? Kate Winslet, Jodie Foster, Marion Cotillard, Juliette Binoche, Leandra Leal, Natalie Portman, Pilar López de Ayala, Rebeca Hall, Halle Berry, Winona Ryder, Michele Williams, Jennifer Connelly, Nicole Kidman, Rachel Weisz, Keira Knightley etc.


4 – Comente sobre a importância de cineastas como Ingmar Bergman, Robert Bresson, François Truffaut, Luis Buñuel e Alfred Hitchcock.


São grandes realizadores. Eles pareciam não se preocupar com tendência generalizada e partiam para um cinema autoral, revelando seus questionamentos mais profundos. Com sensibilidade e muito talento marcaram a história do cinema. Bergman, para mim, é o maior de todos. Os seus filmes são únicos, densos e profundos. Bresson talvez seja o mais difícil, não é para todo mundo. O seu cinema é aparente simples, mas guarda uma intensa magia. O genial Hitchcock é o rei do suspense. Gosto do humor ácido de Buñuel e sua peleja com a religião católica. Truffaut é um poeta. “Jules e Jim” é um dos filmes mais tocantes que vi.


5 – Qual sua opinião sobre os cineastas Lars Von Trier e Michael Haneke?


Respeito-os, acho que são talentosos, mas confesso que me incomodam e alguns dos seus filmes até me irritam. Haneke glorifica a violência, embora seja capaz de obras-primas como “A Professora de Piano” e “A Fita Branca”. Trier erra mais que acerta, parece que faz questão da polêmica, de chamar a atenção, como se fosse um menino carente. Gosto dos primeiros filmes dele, “Ondas da Paixão” e “Europa”.


6 – Qual sua opinião sobre o cinema brasileiro?


Ainda não encontramos um rumo. Vez ou outra surgem filmes bacanas como “Lavoura Arcaica”, “Desmundo”, “Carandiru”, “Cidade Baixa”, “Baile Perfumado”, “Amarelo Manga” ou “Central do Brasil”, mas não é o habitual, o freqüente. O nosso cinema conta com ótimos atores, diretores e técnicos, mas – talvez pela necessidade de sobrevivência – quase sempre aposta no simplório, no repeteco da estética televisiva, nas historinhas ridículas tipo “Bruna Surfistinha” ou “Cilada.com”.


www.ofalcaomaltes.blogspot.com

quinta-feira, 14 de julho de 2011

LEITURAS II


















LEITURAS (Barnett Newman)



Em Barnett Newman, o foco da visibilidade anula-se pela fissura de traços verticais que desvelam ao expectador uma estética da ruptura em seu processo de criação. Subjacente a totalidade cromática do quadro, os traços verticais irrompem como significação de uma obra vindoura, aurora permanente do pintor. A contemplação da obra expressa um interstício entre a sensibilidade manifesta e uma dimensão factível.


HILTON VALERIANO

LEITURAS























LEITURAS (Mark Rothko)





Oriunda da luz, a visibilidade reverbera o possível surgimento de novas fontes de sensibilidade. Na geometria estática onde se encerra a dimensão criativa do pintor, a moldura, a significação emerge sobre uma estrutura cromática símile ao contraponto; dinâmica de cores a proporcionar a confluência dos órgãos sensoriais. Em Mark Rothko, a contemplação da obra pelo expectador pode-se traduzir-se em uma estética da integração.



HILTON VALERIANO

quarta-feira, 13 de julho de 2011

ENTREVISTA COM O POETA MOACIR EDUÃO










1 – Como ocorreu seu contato inicial com a literatura?





A literatura foi sempre um campo fértil na minha família. De início, não exatamente a literatura acadêmica. Os grandes poetas dos bares, através da música de Orlando Silva, Vicente Celestino, Nelson Gonçalves, entre outros, tocaram o poeta em pai, fazendo-o aprender a tocar violão. Canhoto, apenas virava o instrumento, sem mudar a ordem das cordas. Ainda hoje, do alto de seus 80 anos, relembra-se de A Normalista, O Ébrio e outros tantos sucessos do rádio. Agricultor, sempre acorda cedo. E como os provérbios estão presentes em seu vocabulário, já diz, ao acordar: “deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer”. E completa, sobre o café: “Café e mulher, só presta quente!”. Semi-analfabeto, teve um bom preceptor - figura que faz muita falta hoje em dia, nem de longe comparado ao professor de banca. O preceptor era responsável pela formação completa, do primeiro ao quarto livro. Essa formação foi responsável por, mais tarde, permitir que ele fosse professor do antigo Mobral.



Dali, da cabecinha hoje toda branca, de meu velho, foi que tive contato inicial com a literatura. Tenho lembranças de sua vinda, sob o efeito da branquinha – quando ainda bebia, recitando o descobrimento do Brasil, em versos. Não foi culpa dele acreditar que “O descobrimento do Brasil foi um efeito do acaso...”. Em outra, voltava cantando: “Felicidade foi embora e a saudade no meu peito...”. Todas essas canções substituíram as canções de ninar que eu nunca tive. Mas a poesia ali, de textos pouquíssimos rebuscados, fazia eu gostar das rimas, das rimas que fui deixando, quanto mais encontrava as palavras. Certa feita, um colega de trabalho de meu pai o presenteara com o livro responsável pelo encontro. Era uma antologia de Castro Alves, Poesias Completas, das Edições Ediouro. Lembro-me da dedicatória: um livro não é um presente, é um amigo. Foi o necessário para que eu roubasse aquele conjunto de genialidade do bardo baiano, minha inspiração de sempre, lugar em que moro, literalmente. Ahasverus e o Gênio, Adormecida, O Navio Negreiro, Laço de Fita, e tantas poesias arrebatadoras me balançaram o cérebro juvenil como em “doudas espirais” das correntes entre os braços nos porões daqueles barcos de escravos. Hoje, moro na rua Castro Alves, no bairro Boa Vista. É como se estivesse marcado pela poesia.



Meu irmão, também poeta, me presenteava com instrumentos musicais. Apresentava-me Xangai, Elomar, e a leitura. Uma vez, conheci Richard Bach com a linda Águia de sua obra “Longe É um Lugar Que não Existe”. “007 Contra o Foguete da Morte” não me saiu da lembrança, mas só o título. Talvez se eu o lesse, iria imaginar que longe é lugar que existe.



E foi assim, sem muito me esforçar, que a literatura me encontrou, para que depois eu mesmo a buscasse, em Gibran Khalil Gibran; em Lao Tse; em Nietzsche. Depois, na Universidade Estadual de Feira de Santana, conheci métodos, novos autores, poetas magníficos vivos, arte, cultura, crítica literária, literatura comparada. Muitas coisas que foram aprendidas na Universidade precisam ser esquecidas. Quando me ingressei no curso de Letras da UEFS, já estava com dois livros prontos. Dois de meus padrinhos, na escrita, foram os professores Pedro Correia de Souza e Jorge Portugal.



Lancei o primeiro livro em 1998, Poesia e Tempestade. Em 2000, Bahia Poesia. Em 2003, Ao Tempo (in memoriam). E, por último, em 2005, desespaços. Foi na UEFS que tive contato com o Grupo de Recital Os Bocas Do Inferno, do qual fazia parte Silvério Duque, Nívia Maria, Lucifrance Castro, Tito Marcos, Eva e Ione. Encontrar essa equipe foi um momento mágico para o poeta romântico que eu era. Ouvir um recital de Navio Negreiro tão belamente apresentado só fez com que eu me apaixonasse, pela arte, pela musa, pela essência e alma ali expostas.



Outros tantos encontros importantes, como Gabriel Ferreira, magnífico artista plástico, então aluno de Economia. Cleberton Santos e os professores Aleílton Fonseca, Ana Rita Sulz, Roberval Pereyr, Antonio Brasileiro, entre tantos encontros foram marcantes nesta caminhada. O professor Nigel Hunter foi um norte na literatura Anglo-Americana. E para cometer o pecado de não citar outros tantos, devo parar com a lista, que é enorme. Participei de várias edições de antologias, concursos, entre outras coletâneas nacionais.





2 – O que é poesia para Moacir Eduão?





O que é.



Poesia é mais do que se pode escrever. Lembrando Seamus Heaney, Prêmio Nobel da literatura, poesia para mim é cavar, como quem cava covas de batatas. Poesia precisa sujar os dedos, a mão toda, a alma. Poesia é um teclado quebrado, do qual uso as teclas pregadas num caderno, apenas pelo efeito visual de digitar sobre o papel. Isto são coisas do poeta Adherrio-Lais, meu conterrâneo. Poesia é juntar unhas em quatro estrofes, com o título: Zé do Caixão Soneto. Poesia é uma rima. Um verso branco. Outra rima. Outro verso branco. É métrica, é fita métrica. Poesia é o que se causa com ela. É um pedaço do muro de Berlim. A muralha da China. Renoir. Ninguém. Poesia é uma conta: humano x humano. Poesia é o que se faz prosa, sem que se perca o poético. É a poesia, um conto sem que se conte nada. Ela não serve para nada e serve para tudo. Não serve para pagar a feira. Não serve para o sexo. Não serve para a calma. Mas serve para a flor, para o perfume e para a alma. Poesia é o que é. Nada além do que é. Não é o que parece. Poesia não se parece com nada. Pelo menos até eu terminar esta linha. Poesia é líquida e se lapida. Berço e lápide.



3 – Como você vê a cena poética em sua região, o grande Nordeste?





O Nordeste, como você afirma, é enorme. Essa dimensão, hoje em dia, é multiplicada, também, pelas novidades tecnológicas que quebram divisas, que renovam a ideia de publicação impressa, a forma e o meio de divulgação de textos. Tenho acompanhado a internet e percebendo o quanto os contatos vão acontecendo. O Nordeste não é rural, não é regional, não é bairrista, na literatura. O romantismo acabou. Nosso artista mais representativo, o cordelista, está cada vez mais antenado às novas tecnologias, temáticas, formas de propagação. Faz sua “xilogravura” on line. Fala de e-mail, de literatura universal, marginal, etc. Há poetas multifacetários, indo e vindo na dança das formas que aprenderam a apreciar. Lembrei do Gustavo Felicíssimo, grande poeta e estudioso, residente em Ilhéus. Do cordel ao haikai, ele faz seu caminho de poeta e crítico, só para citar um exemplo. Hoje, vejo a cena poética, no Nordeste, como em qualquer lugar do Brasil. Não há mais distinção, setorização, marca regional. Há, sim, uma marca: a marca musical que o poeta nordestino traz consigo. Os poemas vêm marcados intensamente com o sotaque singular dessa alma forte, consignado seu sangue à vida. O poeta Nordestino não é um poeta nordestino. É um poeta. E poeta não tem endereço físico. Com certeza, os sites de relacionamento tomaram conta dos poetas do mundo. A cena poética aqui é essa: escreve-se, compartilha, envia-se por e-mail. E isso é para quem quer, inclusive, enviar mandacaru, cuscuz, maxixe, folha de palma e um chá de umburana. Ou chips, bytes, bits, wireless, iphone, ipod and tablets.




4 – Fale sobre sua experiência como coordenador do Ponto de leitura Solar da Boa Vista Castro Alves.





O Solar da Boa Vista Castro Alves, premiado pelo Ministério da Cultura, em 2008, por empréstimar livros e periódicos a comunidade de quatro bairros da periferia de Irecê, registrando, de julho/2009 a julho/2010, mais de 4000 empréstimos, principalmente ao público infanto-juvenil. A compreensão da importância de dar acesso gratuito ao livro e à leitura, na periferia de uma cidade sem teatro, cinema ou centros de cultura, fomentando as artes literárias e a pesquisa, através de empréstimos, rodas e oficinas de leitura, pintura e escrita. Outro aspecto motivador foi perceber que, nas escolas estaduais, as bibliotecas continuam fechadas, sem funcionários, e ver aqueles livros magníficos fechados me fazia frustrado frente a minha função de educador. Então, resolvi buscar parceiros para abrir o Ponto de Leitura fora da escola, completando, de certa forma, uma lacuna terrível que contribui para os críticos índices de leitura em nosso país.



Fomentar a leitura prazerosa, dando acesso ao livro e à leitura; A importância se dá pela emergência na melhora dos índices de leitura, dado o ínfimo número de 1,9 livros por ano, segundo estatísticas oficiais (PNLL); Preencher uma lacuna, em nossa comunidade, no sentido de ampliar ações que contemplem o livro como propulsor da cultura, memória e tradição oral, no bairro carente da Boa Vista e vizinhança.



Até início do ano, 350 inscrições, significando mais de 350 famílias com carteirinha. O atendimento diário chega a uma média de 15 empréstimos diários, sendo que o acesso sem registro pode ter chegado a mais de 1000 pessoas. Em relação à quantidade de empréstimos, registramos mais de 4500, no período de um ano. Dezenas de rodas e oficinas de leitura, pintura, escrita, confecções de fantoches, cursos de música, flauta doce, além de empréstimos de periódicos, filmes educativos e documentários, além de sessões de filmes infantis.



Com o apoio da Fundação Dorina Nowill, damos acesso a livros em Braile e AudioBooks a deficientes visuais, entre eles, associados da ADEVIR, Associação de Deficientes Visuais de Irecê, promovendo acessibilidade. Mantemos um pequeno Museu do Sertão, com peças ligadas ao cotidiano do sertanejo, como “fogão de lenha, panelas de ferro, ferro de brasa, máquina de forrar botão, moinho manual de milho/café, etc. Por conta de nossas atividades, em 2008, o MINC nos premiou com um computador e acervo de 650 livros, além de prateleiras e pufes (ver carta do MINC anexa). A partir da carta do MINC, parceiros diversos foram conseguidos, para avançar, como o acesso grátis à Internet, doação de aparelhos de vídeo, DVD, Máquina de xérox, prateleiras, revistas, gibis, etc, parceria de voluntários na execução das oficinas, etc.



Eventos em rede foram promovidos, junto aos Pontos de Cultura Cantando a Cidadania e Ciberparque Anísio Teixeira, Ponto de Leitura Mecenas (São Gabriel-Ba), além de instituições como as maçonarias, CDL, ACI, Sindicatos,e Academia de Letras de Irecê, Arquivo Público Municipal, Biblioteca Municipal, Fundação Bradesco, etc, através de doações de acervo e apoio na reforma do espaço emprestado para o desenvolvimento das ações do Ponto de Leitura.



Como a ação se mostra, em tão pouco tempo, tão positiva aos públicos, o professor Moacir Eduão, servidor proponente deste Prêmio Servidor Cidadão, enviou proposta ao Lions Clube de Irecê, a fim de implantar, em todos os bairros e distritos da cidade, um Ponto de Leitura semelhante ao da rua Castro Alves. A proposta foi aceita, e já está sendo executado o programa Um Ponto em Cada Ponto, que é uma parceria com o Lions Clube, e as Associações de Bairro. O próximo Ponto, já em fase de realização, é o do Bairro São Francisco, antes conhecido como “As Malvinas”, devido ao descaso público frente a seus cidadãos, homens de bem sempre discriminados. As ações são comunitárias, não tendo qualquer interesse político para mim, o que me faz sempre repetir que sou um poeta e que poeta deve ser sempre infiliável, incadidatável e inelegível.



5 – Qual a importância da leitura e do livro em um país como o Brasil, onde a educação em uma perspectiva ampla, ou seja, como processo cultural emancipador do ser humano, é sempre renegada a discursos mercadológicos de economistas?



O Brasil é um país carente. Não porque seja pobre. É carente porque se esforça para sê-lo. No campo do livro e da leitura, pode-se ver o quanto estamos há anos-luz de chegarmos a índices satisfatórios para conduzir uma política pública que seja contundente, nessa área. O exercício da literatura, diário, deve perder o termo exercício. Parece coisa da ditadura. Exercitar é um termo nada prazeroso para cuidar da arte. Para os brasileiros, ler poderia se tornar bem menos doloroso. Bem menos tenso. A dificuldade é tão grande que discussões sem lógica colocam em cheque até obras de Monteiro Lobato. A noção de livro e leitura, no Brasil, sempre traz em anexo o arquivo mercadológico, a presença de editoras, a elite de grupos responsáveis pela organização das Feiras Literárias. Ler para se libertar, se emancipar, não é uma meta ainda, dos poderes públicos. Pelo menos, na Bahia, pode-se pesquisar, escola por escola, quais delas, salvo algumas exceções, que mantêm ativas suas bibliotecas. Quando digo ativas não quero dizer apenas abertas, mas com ações de incentivo, com rodas de leitura, com oficinas de fantoches, etc. Quantas cidades recebem livros, através de editais, e também visitas técnicas, ou apenas cobrando relatórios de atividades, como prestação de contas pelo investimento da União ao projeto de transformar esse país numa nação de leitores?
Não adianta enviar livros. É preciso que haja planejamento, manutenção dos espaços de leitura, contatos com redes de bibliotecas, incentivo, inclusive monetário, para ações que comprovem avanço em índices através de projetos literários. Prateleiras cheias é um erro. Devemos confiar nos leitores. Perder um livro é menos prejudicial que perder uma pessoa.



Ler é desenhar na mente o que o autor escrevera em uma folha. É viajar para a mente do autor e tentar imaginar o quanto de cérebro foi gasto, o quanto de loucura veio à tona, o quanto de mentira forjou-se na verdade.



O mercado sabe os segredos desse mistério. E sabe que vender tudo isso é um bom negócio. Vender imagens fantásticas codificadas em letras é como vender espelhos, pagando não pelo vidro, mas pelo reflexo do que não existe nele.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

GALERIA RUAZ

(Chegada a Barcelona)






(Algarve)







(Fado)





sábado, 9 de julho de 2011

AFORISMO







"No sexo, o amor partilha apenas a desesperança de um ato incólume."

sexta-feira, 8 de julho de 2011

FRANÇOIS MAURIAC: O DESERTO DO AMOR II






Quando a presença de um ser humano nos emociona, independente de nós, nós estremecemos ante as possíveis conseqüências, e perspectivas indeterminadas nos perturbam.




A tempestade se afastava, mas ainda não se fora de todo, e o próprio silêncio a revelava. Então Maria Cross sentiu nascer em si uma inspiração, da qual, tinha a certeza , não havia motivo para desconfiar; levantou-se, sentou-se à mesa, escreveu; “Não venha domingo, definitivamente; nem domingo nem nunca. É só por você que consinto nesse sacrifício...” Deveria assinar, nesse ponto, mas um demônio soprou-lhe no ouvido para acrescentar uma página a mais: “...Seria você a alegria única de uma vida atroz e perdida. Nas nossas voltas deste inverno, eu me repousava em você, embora você não o soubesse. Mas aquele rosto que me oferecia era apenas o reflexo de uma alma cuja posse eu desejava; queria não ignorar nada de você, responder às suas inquietações, afastar os galhos que lhe impedissem os passos, tornar-me para você mais que uma mãe, mais que uma amiga... Aqui, você respiraria, mau grado seu, mau grado meu, a atmosfera corrompida onde sufoco...”




Maria se endireitara, os braços lhe pendiam; Raymond não ousava erguer os olhos, mas escutava aquele corpo tremer. Embora comovido, duvidava daquela dor e, mais tarde, em caminho repetia consigo: “Ela se emociona com a própria representação... como explora bem o cadáver... e contudo, as lágrimas...?” Sentia-se perturbado na idéia que fazia da mulher; o adolescente tinha das “mulheres perdidas” uma imagem teológica, como lhe fornecida pelos mestres, embora se imaginasse livre da influência dos padres. Maria Cross o cercava como um exército em ordem de batalha; as argolas de Judit e Dalila lhe tilintavam aos tornozelos; não havia traição ou fingimento de que ele não julgasse capaz aquela cujo olhar os santos temiam tanto quanto a morte.




(François Mauriac. O deserto do amor)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

FRANÇOIS MAURIAC: O DESERTO DO AMOR






(...) o rosto de certas mulheres continua banhado de infância até mesmo em plena maturidade; e é talvez a infância eterna delas que fixa o nosso amor e o liberta do tempo.


“Esse rosto vai me consolar dos minutos miseráveis que é mister enfrentar num transporte público; posso suprimir o mundo em redor desse rosto sombrio e angélico. Nada me pode ofender: a contemplação liberta; ele está a minha frente como um país desconhecido; suas pálpebras são as praias devastadas de um mar; dois lagos confusos dormem às margens dos cílios. A tinta que ele tem nos dedos, o colarinho e os punhos encardidos, e o botão que falta – tudo isso é apenas um pouco de terra a sujar o fruto intato, subitamente caído do ramo e que, com mão cuidadosa, tu apanhas.”


Quem de nós possui a ciência de resumir a algumas palavras todo um mundo interior? Como destacar, daquele rio a correr, esta sensação e não aquela? Nada se pode dizer, quando não se pode dizer tudo.


Não há um amor, não há amizade que atravesse o nosso destino sem colaborar com ele pela eternidade.


Mas qual raciocínio pode nos defender dessa dor insuportável, quando a criatura adorada, cuja proximidade é necessária à nossa vida, mesmo física, se resigna, com o coração indiferente (e talvez satisfeito), à nossa eterna ausência?




(François Mauriac. O deserto do amor.)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

MOACIR EDUÃO: POEMA

(foto de Cristina Carriconde)





NOVOS CANGACEIROS


escrever o mar,
água e oceano.

vindo das rachaduras do barro,
o sertão desembarca.

a estrela sai do olho.
da palma, o espinho..

o homem comendo maxixe
hoje escreve o mar