quarta-feira, 26 de junho de 2013

LUÍS AUGUSTO CASSAS: POEMA

(Iberê Camargo)
 
 
SUMMA DOMINICAL
 
Se eu fosse eterno
jamais buscaria o significado da vida
nem realizaria o milagre do amor
esse sol queimando os campos da alma
O prazer e a dor seriam eternos
e a vida a infinita repetição
de um tedioso existir banhado em eternidade
 
Se eu fosse eterno
jamais retornaria ao paraíso
Oh dias imperfeitos mas belos!
Qual o interesse de ver Deus face a face?
Perder-me-ia no redemoinho das  noites
fechado no círculo da inócua vaidade
Para que compreender o mistério da existência?
Não haveria razão para sonhar
 
Mas como sou humano e o coração bate
curvo-me à foice dos dias
e o belo o bem a verdade e a justiça
são eternos em mim porque findo
O meu brilho é mais-que-perfeito
porque cessa em mim a claridade
 
E nisto consiste a minha alegria:
o sofrimento de sempre concluir-me
é que torna única a minha vida
ainda que de concluso o tempo que disponho
eu realize a minha obra mais sonhada:
o sentido insubstituível desta sinfonia
concluída mas inacabada
 

LUÍS AUGUSTO CASSAS: POEMA

(Iberê Camargo)
 
 
O DIA DA IRA
 
1
O amor chegará como um ladrão
roubando o nosso mais secreto egoísmo
 
A impureza será despachada de mãos vazias
e não haverá tempo para a ceia de despedida
 
Quando disserem: ai A vida responderá: já foi
Quando perguntarem: quem foi? Flores terão nascido
 
De Áries a Peixes de Alfa a Ômega
das boates de Jerusalém às montanhas da Índia
 
O amor chegará como um ladrão
roubando o nosso mais secreto egoísmo
 
2
O amor
chegará de mãos vazias e abanando
O amor
chegará delicado como um vulcão em chamas
O amor
chegará violento como um beijo de despedida
 
Virá sem flores e sem telegrama
Virá sem carruagem e sem cortejo
Virá manso como a tempestade
Virá sem dó nem piedade
 
3
Inesperadamente
violentamente
como a flor que abortou
às 5 da tarde
o amor chegará como um ladrão
roubando o nosso mais secreto egoísmo
Ele marcará a ferro e fogo o nosso espírito
com seu sinal de beleza e destruição
e libertará o peso de nossa alma
de tudo o que estávamos despossuídos

LUÍS AUGUSTO CASSAS: POEMA

(Iberê Camargo)
 
 
A MERCADORIA EXTRAVIADA
 
Vida se eu te peço amor
por que me serves dor?
Se desposo a mão da beleza
por que me envias o rosto da loucura?
Se adormeço na cama de estrelas
por que me atiras à cruz dos caminhos?
Se imploro por que não me ouves?
Se bato por que não abres?
Se a boca gosta de peixe
por qual razão ofertas porco?
Se visto a inocência das ovelhas
por que me atiras à sanha dos lobos?
Se busco o pão do espírito
por que me dás a flor da matéria?
Meu pedido foi paixão
mas me trouxeste compaixão!

LUÍS AUGUSTO CASSAS: POEMA

(Iberê Camargo)
 
 
APOCALIPSE (2)
 
1
Nos tempos em que eu transformava pães em pedras
o sol mergulhava na matéria
e produzia ferimentos em meu coração
Vãos eram os pensamentos palavras e obras
e minha alma inconsolado deserto: covil de cactos
constelação de escorpiões
 
Época de as serpentes trocarem as peles
e a vaidade eclipsar as cores do camaleão
O amor se transformou em cólera
a paz em campos de concentração
A humildade vestiu o manto do orgulho
a aparência triunfou sobre a essência
a fé foi derrotada pela tentação
 
2
Quando aprendi a transformar pedras em pães
o sol ergueu-se da imersão na matéria
e proclamou a temporada da transfiguração
Nova fonte de luz jorrou em meu espírito
e veio ter comigo o anjo da alegria
Rosas brotaram das chagas do coração
 
Desde então tenho colhido safra de milagres
e os gafanhotos foram expulsos das plantações
A serpente foi vencida pela pomba
o egoísmo tornou-se confraternização
o prazer buscou o sentido da vida
a morte transformou-se em vida eterna
a glória da vida vencera a tentação
 
3
Bem sei
que pães alimentam
e pedras apedrejam
 
Mas sei também
que pedras podem alimentar
e pães apedrejar
(Ó granito da vida
quando te dissolverás?)
 
Humilde ao raiar do dia
quedo-me contrito ao divino alquimista
que transmuta a pedra dos meus sofrimentos
no pão de sua perfeição
 
Eu só vivo
porque Ele morre
Eu sou o forno
Ele é a quinta-essência
Ele é a luz eterna
Eu sou o trigo
Eu sou a gota de sangue
Ele é o coração