segunda-feira, 30 de agosto de 2010

EPIGRAMA II


(Magritte)



EPIGRAMA (2)

Marta, preciso é o tempo a recobrar sua lição.
Assim a complacência dos gestos e sua missiva.
Circunscrito no horizonte da palavra
o amor é mais que uma definição.

domingo, 29 de agosto de 2010

POEMA

(Vernet)
AURORA DAS CALAMIDADES

Sob o desamparo da infâmia corpos destituídos de significação. Jazigo de invioláveis estigmas, deserto de Ezequiel. Em tuas mãos o fel de traições remissíveis. Em teu pranto a exasperação das rosas calcinadas. Grande é o amor e sua renúncia. Híbrido fulgor de sonhos esvanecidos. Grande é o amor e sua desolação. Estandarte de inermes recusas. Como um olhar que cicatriza recordações. Aurora das calamidades.

sábado, 28 de agosto de 2010

POEMA

(Edward Hopper)
PROMESSAS


Aquelas promessas não serão cumpridas.
Mas farão parte de tua coleção de esperas.
Aquelas promessas nunca se realizarão.
Mas constituirão o alento necessário
para que possas continuar a viver.

Serás para sempre um resto aniquilado
de esperanças

que se ergue em amor restituído.

MANUEL BANDEIRA: POEMA


NU

Quando estás vestida,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.

(Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.

Mas a noite é nua,
E, nua a noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite.

Brilham teus joelhos,
Brilha o teu umbigo,
Brilha toda a tua
Lira abdominal.

Teus seios exíguos
– Como na rijeza
Do tronco robusto
Dois frutos pequenos –

Brilham.) Ah, teus seios!
Teus duros mamilos!
Teu dorso! Teus flancos!
Ah, tuas espáduas!

Se nua, teus olhos
Ficam nus também:
Teu olhar, mais longe,
Mais lento, mais líquido.

Então, dentro deles,
Bóio, nado, salto,
Baixo num mergulho
Perpendicular.

Baixo até o mais fundo
De teu ser, lá onde
Me sorri tu’alma
Nua, nua, nua...

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

DRUMMOND: POEMA II


A OUTRA PORTA DO PRAZER

A outra porta do prazer,
porta a que se bate suavemente,
seu convite é um prazer ferido a fogo
e, com isso, muito mais prazer.

Amor não é completo se não sabe
coisas que só o amor pode inventar.
Procura o estreito átrio do cubículo
aonde não chega a luz, e chega o ardor
de insofrida, mordente
fome de conhecimento pelo gozo.

DRUMMOND: POEMA


O MINUTO DEPOIS

Nudez, último véu da alma
que ainda assim prossegue absconsa.
A linguagem fértil do corpo
não a detecta nem decifra.
Mais além da pele, dos músculos,
dos nervos, do sangue, dos ossos,
recusa o íntimo contato,
o casamento floral, o abraço
divinizante da matéria
inebriada para sempre
pela sublime conjunção.

Ai de nós, mendigos famintos:
Pressentimos só as migalhas
desse banquete além das nuvens
contingentes de nossa carne.
E por isso a volúpia é triste
um minuto depois do êxtase.

sábado, 21 de agosto de 2010

VITOR DE SILVA: GRUPO POESIA RETRÔ



Ecos

Solfejam-me silêncios e temores,

cravados a singrar ao mesmo cais,

a escarpa, o precipício, o nunca mais,

e o túmulo de Poe vertendo flores.


Não quero cores quentes que das cores

quebrassem harmonias dos cristais,

nem frágil cantochão cheirando paz,

enquanto o coração alude humores.


E na minha cabeça ainda fria,

cismava, cada canto, ter poesia

meu peito destruído pelo vento.


O pranto foi somente quando vi no

roubar o encantamento pequenino,

com olhos de sentir encantamento.

ALESSA B.: GRUPO POESIA RETRÔ


(Enrico Bianco)


Sangra teu verso

Escreve com sangue e aprenderás que sangue é espírito. (Nietzsche)

Teu verso sangra, deixa que ele venha

Da rocha mais volátil do teu ente.

Poeta, não estanques, não detenhas,

Permite qu'ele flua levemente...


Teu verso sangra e tira toda senha,

Qu'escorra pela pena tão somente.

Que a Musa ele obedeça e obtenhas

Os versos mais bonitos que tu sentes.


Poeta, tens os versos mais sonoros,

Que poucas liras podem se atrever,

Poesia sei que tens em cada poro,


Um sonho de volúpia e de prazer.

Vai, tece esses versos qu'eu adoro,

Oh, tu és Vate e bem sabes como ser!

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

DENISE SEVERGNINI: GRUPO POESIA RETRÔ




Ósculo Ausente

Nas cortinas do tempo, bordei minhas quimeras

Templário de sonhos, foste tu, que arquitetei

Observei-te ao longe, já de outras e outras eras

Sorvendo as essências daquele beijo que não dei


Na medievalidade da existência, enclausurei-me

Nos antros de fantasmais e impenetráveis castelos

Oh, Deus!Como não afoitei do cavaleiro achegar-me?

Hodierno estado, são as acabrunhas dos meus anelos!


Símplice plantinha, na estrada, observei tua passagem

E preservei no âmago do meu ser, tua figura heróica

Beijei-te, em filigranas de sonhos, mas sem coragem

Nunca proferi sequer eu te amo, na paisagem bucólica...


Bailaram as sazões, os meses, os anos... Novas estações

Maquiei-me de rugas, encaneceram as minhas melenas

Anego ainda em meu ser ósculo ausente... Tantas ilusões

Rascunhei uma biografia em sonhos!Esperei como Helenas!

EDIR PINA DE BARROS: GRUPO POESIA RETRÔ




SOMBRA ERRANTE

Há uma sombra que na noite vaga
Por entre os véus de estrelas, suas redes,
Distante deste mundo, como vedes,
Cumprindo sempre a sua triste saga!

Por entre os astros erra noite e dia,
Sem ter consigo a paz que tanto busca,
O parco brilho seu, a lua ofusca...
Não traz consigo lume, nem alegria!!

E sombra é de quem um dia eu fui,
Não tem, d’outrora, suas mil pujanças...
Andeja triste pelo espaço, só!

Na escura noite sempre se dilui,
Não sobra dela nem sequer nuanças,
Na noite escura se resume a pó!

GABRIEL RÜBINGER: GRUPO POESIA RETRÔ



O Acender da Pira

Desfraldam-se as nuvens altaneiras
no glacial brancor da antiga Roma,
e um vate colhe a ode, e do ar toma
as brumas soniais das oliveiras...

O escravo faz coroas derradeiras,
e as põe no altar de fora, onde o aroma
que invade curioso o bosque, assoma
os mármores, as folhas, as roseiras.

O Sol atrás morrendo. A tarde expira,
no esmaecer de sombras, de falenas
dançando flébeis, no calor da pira.

A terra cobre o corpo, e as serenas
estrelas lacrimejam. Resta a lira,
tangendo até o chorar das açucenas...

NILZA AZZI: GRUPO POESIA RETRÔ


ENTRE DOIS AMORES

Então eu me vi numa encruzilhada,
e foi mesmo ali que eu perdi a noção,
pois se eu perguntasse, nem sim e nem não,
por meu coração a resposta era dada.

Eu nunca senti estar tão vacilante,
fugi do dever de escolher, ponderar:
escolhendo um lado, eu sentia pesar;
escolhendo o outro, uma dor lancinante.

Mas era preciso, afinal resolver
com qual eu queria ficar, era um fato,
pois toda uma vida, eu iria viver

a me lamentar, desprezando o meu ato...
Então desisti:- "Não vou mais escolher,
vou levar os dois: essa bolsa e o sapato."

CLÁUDIA BANEGAS: GRUPO POESIA RETRÔ




AMOR OBSCURO

Minha carruagem corre no escuro
A lua alumia essa estrada turva
Plátio, meu servo, semblante puro
Atento com seu gládio em cada curva
Pulcro, tão fiel e confiável

Os cocheiros se apressam
Correr é preciso, o tempo urge inabalável
Não podemos esmorecer agora
"E tampouco depois, minha senhora"

Sua palavras lembram minha coroação
Rainha vim a ser por coação
Meu reinado por um amor
Meu amor por uma paixão

Devota sou de coração
Mas farta estou desta condição
Meus vestidos de seda, minhas jóias raras
Minhas aias, minhas anáguas caras
Meu reinado por um amor
Meu amor por uma paixão

Daria minha coroa de ouro gelado
Por uma ardente paixão
Todo o meu vasto reinado
Por um pouco de ardor
Toda essa servil multidão
Por um único amor

Mas não tenho mais opção
Não há mais escolha, nem há mais tempo
Meus sonhos são o que são
Sementes ressequidas, perdidas ao vento

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

EPIGRAMA

(Luiza Maciel Nogueira)

EPIGRAMA

Marta, para todas as horas possíveis o amor.
Assim o ciclo remissivo das estações
traz à primavera a esperança em flor.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

ENTREVISTA COM A POETA NYDIA BONETTI


1) – Como ocorreu seu contado inicial com a poesia?

Não me lembro exatamente qual o primeiro poema ou livro de poesia que li, mas foi ainda bem menina. Lia-se muito em casa e este contato com os livros veio de forma natural. A poesia, no entanto, sempre exerceu sobre mim um estado de encantamento inexplicável, muito além da prosa e então eu fui atrás dela - no início, como leitora e logo em seguida comecei a escrever meus primeiros versos. Escrevi muito na adolescência, depois optei pela área de exatas e passei um longo período sem escrever. Mas a leitora sempre permaneceu fiel.

2) – Quais são suas influências literárias?

Nesta minha busca por poesia, logo elegi meus prediletos: Neruda, Bandeira, Pessoa e Drummond, minha referência maior. Com sua melancolia, o tom amargo, olhar de desencanto diante da vida – e o sentimento absurdo do tempo, me cativou de forma definitiva. Neste mesmo período, conheci a poesia de Álvaro Alves de Faria, que me tocou profundamente. Seus textos eram publicados no Suplemento Cultural do Jornal de Domingo e eu colecionava os recortes de jornal das suas crônicas e poemas. Só mais tarde fui olhar com maior atenção para outros poetas e então vieram novos períodos de descobertas e deslumbramentos, como quando li pela primeira vez Cecília Meireles, Ana Cristina César, Sylvia Plath, Emily Dickinson, os poetas russos e de outras inúmeras vertentes, numa busca incansável por poesia que continua até hoje.

Na prosa, ainda nesta época das descobertas, Graciliano Ramos foi o autor que mais me impressionou. Li todos os seus livros e aqueles cenários de secura, desertos, angustias e carências, calaram fundo e de certa forma se refletem ainda em muitos dos meus poemas.

Com toda certeza carregamos memórias de tudo que lemos e que de alguma forma nos arrebata e extasia, mas influência especifica quanto a estilo, forma, modelo a ser seguido, eu não saberia dizer. Não vejo isso claramente. Sou autodidata, li muito pouco sobre teoria literária e sobre o fazer poético em geral e só muito recentemente tentei dar uma “enxugada” nos meus textos, mas sempre sem modelos como referência e sim como uma busca pessoal.

Hoje, quando tenho necessidade de me reabastecer “de” e “para” a poesia, busco a poesia oriental, “as” poetas russas e alguns poetas minimalistas contemporâneos e claro, leio e releio Drummond, Bandeira e Pessoa.

3) – Como é seu procedimento ao escrever um poema?

Não tenho nenhum padrão, método ou procedimento específico para escrever. Sou inclusive muito displicente e impulsiva. Publico muitas vezes o poema da maneira que ele “me procura”, em estado bruto, sem a necessária lapidação. Mas já consigo agora trabalhar e enxugar mais os textos e eles tomam realmente uma “outra feição”. Muitos dos meus leitores preferem meus textos antigos, mas já não sei mais escrever como antes: poemas longos, reticentes, mais líricos. Continuam dramáticos. Costumo dizer que é herança genética, do meu avô cantor de óperas (risos). Acho que este vai ser sempre o tom da minha poesia.

4) – O que é poesia para Nydia Bonetti?

Gosto muito desta definição de Fernando Pessoa: “Todo poema é um delírio. Um delírio controlado, mas sempre um delírio”. Para mim, a poesia tem muito a ver com a memória que se traduz em linguagem, mas este conceito cabe também à prosa. Então, há algo além disso - o som, o ritmo, o delírio? Volto ao delírio. Talvez a poesia (a minha muito provavelmente) seja uma memória delirante traduzida em linguagem delirante – embora trate do que exista de mais real dentro e fora de nós – nossas angústias, nossas dores e delícias, nossa percepção da vida cotidiana. O que sei é que ela se tornou essencial e imprescindível na minha vida. Costumo dizer que a poesia é ao mesmo tempo, o combustível, a lenha, a chama e a cinza. Nós somos as faíscas, num terno reacender de fogueiras (as nossas e as alheias) que fazem brilhar nossas almas e olhos ávidos.

5) – Sua poesia parece transitar entre uma estrutura minimalista e intimista. Vivências transpostas para a linguagem em figurações mínimas. Fale sobre essa dimensão de sua poesia.

Esta busca pelo mínimo é bem recente. De repente senti necessidade de “secar” meus poemas. Talvez faça parte do mesmo processo da minha eterna busca por simplicidade, que finalmente faço chegar aos meus versos - ou quase. Na verdade, o que eu queria mesmo era só escrever haicais. Mas não consigo ainda (talvez nunca) me conter em três versos com sílabas contadas, mesmo porque, contar as sílabas vai contra tudo que acredito na poesia.

Creio que faço sim, uma poesia intimista, quase confessional, contrariando a “ordem”, que exige a abolição do “eu” nos poemas. Não me preocupo nem um pouco com isso. Faço uso da minha própria voz, que se confunde com outras vozes que não são minhas e faço minha poesia, sem grandes preocupações com a crítica, ou com padrões estéticos que poderiam tornar minha poesia mais aceitável entre determinados grupos. Faço “a minha poesia” dentro dos meus próprios padrões, que hoje exigem os versos mínimos, sempre fragmentados, com cortes onde acaba se impondo o silêncio. Hoje percebo que o resgate da memória é muito forte nos meus versos e descobri também que muitos fazem uma leitura espiritualizada da minha poesia, o que me deixa surpresa, pois grande parte dos meus textos são escritos em momentos de desertos, descrenças, questionamentos existenciais.

6) – Como você vê o atual panorama da poesia brasileira contemporânea? Quais os poetas que você destacaria?

Vejo com muito otimismo, Hilton. A internet tem revelado poetas interessantíssimos. Há uma bela leva de poetas novos, outros se firmando, creio de verdade que vivemos um tempo de renascimento e renovação na poesia contemporânea brasileira. Pena que as editoras ainda não tenham percebido este interesse crescente, que nós como leitores e fazedores de poesia percebemos tão claramente. Há uma nova geração sedenta por poesia e o mercado não percebeu isso ainda.

São tantos os poetas que admiro, de quem sou leitora assídua, outros que descobri recentemente, alguns já consagrados ou bastante conhecidos no meio literário, outros quase anônimos, para mim, todos grandes poetas. Considero arrebatadoras as poesias de Lau Siqueira, Lalo Arias, Julio Rodrigues Correia e Rubens Jardim. Esta semana saí à busca dos poemas de Claudio Daniel – são muito bons! Seu repertório de imagens é fascinante. Dos poetas que conheci recentemente, Wilson Nanini e Mariana Campos, fazem uma poesia que me agrada demais. Também gosto muito dos teus poemas, Hilton, especialmente os pequenos, quase epigramáticos. Mas seria preciso uma lista enorme que não caberia numa folha, para citar todos os poetas contemporâneos que admiro. E com exceção de Lau Siqueira e Rubens Jardim, todos os outros conheci através de seus blogs. Cada um deles com seu estilo, sua personalidade, sua forma absolutamente pessoal de fazer poesia – e é esta multiplicidade de vozes o que torna o panorama atual tão rico, interessante, promissor.

7) – Você é uma poeta ainda inédita em livro. Quais são seus projetos para uma edição impressa?

Como todo poeta (embora muitos digam que não) também sonho com o meu livro impresso, mas ainda não consegui me concentrar nisso efetivamente. Na verdade, acho que preciso mesmo é de uma parceria, de alguém que cuide desta parte prática para mim. Não tenho planos concretos, só projetos utópicos, que vão sendo adiados por conta de outras urgências e o livro fica lá, no baú dos desejos não realizados, à espera.

8) – Como você vê a importância da internet para a divulgação da poesia?

Toda vez que me perguntam isso, me lembro de uma entrevista de Augusto de Campos a Edson Cruz, na TV Cronópios, onde ele diz: “internet - tudo que se abre à poesia, enquanto todo o resto se fechou”. Definitivamente a internet veio para transformar o cenário da poesia e da literatura em geral. Poetas que nunca seriam lidos, como eu, que não faço parte de nenhuma tribo, ou reduto específico, temos todos, o mesmo espaço a ser compartilhado. Ao mesmo tempo, este amplo acesso a textos, teses, ensaios, notícias em tempo real dos fatos importantes sobre a matéria “poesia”, enfim, tudo nos leva a crer que uma nova literatura já deve estar sendo delineada neste momento, graças à internet. Que a poesia em particular ganha espaço crescente, isto me parece muito claro. Basta ver o número de blogs e seus leitores. Então virá o tempo – (ainda ontem li em algum lugar que “o tempo ainda é o melhor crítico de literatura que existe”) que se encarrega do resto: “selecionar o que passa e o que permanece”. Pelo menos agora o processo é bem mais democrático.


Obrigada, Hilton! Abraço grande.

NYDIA BONETTI: POEMAS

(Luiza Maciel Nogueira)

dos sentires do tempo - II

no âmago
das dores do homem

há sinais do incêndio
que consome as horas

as dores
são filhas do fogo

o fogo
é irmão do instante

no imenso banquete
no altar do tempo

todos juntos ardem
e se devoram


desabrigo

o não lugar:

onde habita a não vida
e o não sonhar

- morada de tantos.


(XIX)

cinzento este outono
e seco

saúdo o sol

que se esconde atrás
de cada nuvem

e sigo

na trilha que se abre
a cada passo

do dia

- corte que não se fecha
senda

vereda, atalho, cicatriz


(I)

pai
o que sentia

ao percorrer caminhos
que hoje são meus

insondáveis
todos os caminhos


(II)

não ouso pedir
o maná dos céus

peço os frutos da terra

na lida
dos humanos quereres

cansaço e suor

grão
que se possa colher

pão
ainda que ázimo

mão
que se possa tocar

saciadas fomes


(III)

perdoa pai
te julguei tão fraco

hoje carrego meus fracassos
tão maiores que os teus

domingo, 8 de agosto de 2010

JORGE ELIAS NETO: POEMA

(Luiza Maciel Nogueira)

NO ENTORNO

“O homem é um ser para a morte”
Martin Heidegger

No entorno havia pensamentos.

Nada que se diga terá serventia
quando grudado no casco dos cavalos de ferro.

Espertas são as samambaias
que sobrevivem na eflorescência das pedras
(aproveitam a verticalidade dos muros
onde não pisam os homens).

Ocupemo-nos da fuligem...

Enquanto tivermos pulmões para
soprar as pétalas
exerceremos o ofício temerário de
celebrar a vida.

No entorno existe uma
carência desesperada de gestos.

Do livro Rascunhos do absurdo

sábado, 7 de agosto de 2010

BERNARDO LINHARES: POEMAS

(Ruaz)
Madrigal

No teu claro olhar castanho,
fruto que sai de uma flor
multicor e sem tamanho,
antes mesmo ao sol se pôr,
outro olhar se desmantela.
Numa nova aquarela,
de tal forma carinhosa,
o amor, em verso e prosa,
se bronzeia ao descrevê-la,
contemplando um par de estrelas
no teu rosto cor-de-rosa.
LUA

Para Renata Belmonte

Onde o limite é o amor,
o céu espelha
um mar de estrelas.
O fogo todo é cor de rosa.
O cinza, sereno violeta.
Feita perfeita para o gozo,
voa no céu a borboleta.


MENINA DOS OLHOS

No azul do oceano
de um mar de rosas,
com a rosa - dos - ventos
e um rosário de preces,
o poeta encontra
na menina dos olhos,
dois faróis que acendem
num corpo celeste.

MULHERES MOLHADAS

Para Bel Borba

O lagarto de ladrilho
chora lágrimas de poeta.
Nas pedras dessa selva tartarugas tatuadas
azulejam o abismo, figuras humanas
se arrastam como ofídios.
Em vôo incerto, pássaros de vidro
comem fósseis de insetos.
Entre o azul e o rio vermelho
no mosaico da sereia surge o homem erectus,
e no infinito de concreto, ao bel prazer,
mulheres molhadas tocam no sexo.

Poema dos olhos da Maysa

NAS ASAS DO OCASO

Profusão de matizes verde-vivos
as listas rematando em longas caudas.
Faixas brancas, e as linhas coloridas
tigrando-as de uma cor azul metálica.

De cada lado das espessas linhas
crescem alas de borda recortada,
unida a seu par por meio de estrias
matizadas por gotas de lilases.

Com o turquesa nas nuvens cor- de- rosa
um brilho de ouro invade cada greta,
demudando o poente em breve aurora.

Plumas cacheiam-se em tons violeta,
pintando o pôr-do-sol que é de quem vê,
pelos céus há pavões e borboletas.


96 – 27

Deitada por cima,
quatro olhos fechados,
de ponta-cabeça em
duas bocas, seis lábios.
Quatro pernas abertas,
braços apertados,
unidos numa dezena,
ligados no mesmo cálculo.
Dois corpos, com três cabeças,
meia volta, volta e meia
flutuam no quarto.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

VICENTE DE CARVALHO: SONETO

(Bruno Steinbach)
Velho Tema (II)

Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.

Quero que meu amor se te apresente
- Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: – risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.

Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, e o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.

Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

REVISTA DIVERSOS AFINS: POEMA CIRCUNSTÂNCIA

Meu poema Circunstância publicado na excelente revista Diversos afins. Muito obrigado aos editores!

www.diversos-afins.blogspot.com