quarta-feira, 25 de julho de 2012

PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA RAMOS: POEMA


(W.J.Solha)


EM LOUVOR DE JUSTOS E INJUSTOS


Cortei caminhos, conheci florestas,
andei pelas cidades fatigando ruas;
mas sempre, olhando coisas e pessoas,
como de dentro de uma nuvem eu as via:
uma nuvem de alheados pensamentos,
de meigas luas e de noites brancas,
nuvem de aromas e rasgões de céu;
mas uma nuvem tranqüila, aérea, espiritual,
como se não tivesse conhecido o mundo,
nem nunca houvesse contemplado terras.

Hoje, que um sol de outono dissipou as névoas
que de mim separavam meu verão,
descubro e redescubro quanto existe
e vejo em tudo faces novas, rostos puros,
banhados de ternura e suavidade
como na aurora do primeiro dia;
e a noite é minha amiga, e o dia é meu amigo,
amigas tantas mãos que me socorrem,
amigos esses punhos que me atingem.

Bem haja pois aquele que me fere,
porque me força a ver com olhos antes enevoados;
bem haja aquele que me calunia,
porque me faz pensar nas injustiças;
bem haja aquele que me expulsa de meu lar,
porque me lembra de que há albergues a construir;
bem haja aquele que sorteia a minha túnica,
porque me obriga a fazer vestes para os nus.

Mas benditos,
benditos para mim antes dos mais,
benditos esses braços que me amparam
quando erro em meio às trevas;
benditos os capazes de sorrir a quem se encontra só,
sozinho em meio à noite e às árvores do campo
a interrogar-se e a interrogar os ventos,
ferido, mas confiante na grandeza,
nesta grandeza efêmera, mas firme e generosa,
da humana condição, forja de um mundo novo.


Do livro Poesia quase completa. Ed. José Olympio.   


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