(W.J.Solha)
EM LOUVOR DE JUSTOS E INJUSTOS
Cortei caminhos, conheci
florestas,
andei pelas cidades fatigando
ruas;
mas sempre, olhando coisas e
pessoas,
como de dentro de uma nuvem eu as
via:
uma nuvem de alheados
pensamentos,
de meigas luas e de noites
brancas,
nuvem de aromas e rasgões de céu;
mas uma nuvem tranqüila, aérea,
espiritual,
como se não tivesse conhecido o
mundo,
nem nunca houvesse contemplado
terras.
Hoje, que um sol de outono
dissipou as névoas
que de mim separavam meu verão,
descubro e redescubro quanto
existe
e vejo em tudo faces novas,
rostos puros,
banhados de ternura e suavidade
como na aurora do primeiro dia;
e a noite é minha amiga, e o dia
é meu amigo,
amigas tantas mãos que me
socorrem,
amigos esses punhos que me
atingem.
Bem haja pois aquele que me fere,
porque me força a ver com olhos
antes enevoados;
bem haja aquele que me calunia,
porque me faz pensar nas
injustiças;
bem haja aquele que me expulsa de
meu lar,
porque me lembra de que há
albergues a construir;
bem haja aquele que sorteia a minha
túnica,
porque me obriga a fazer vestes
para os nus.
Mas benditos,
benditos para mim antes dos mais,
benditos esses braços que me
amparam
quando erro em meio às trevas;
benditos os capazes de sorrir a
quem se encontra só,
sozinho em meio à noite e às
árvores do campo
a interrogar-se e a interrogar os
ventos,
ferido, mas confiante na
grandeza,
nesta grandeza efêmera, mas firme
e generosa,
da humana condição, forja de um
mundo novo.
Do livro Poesia quase completa.
Ed. José Olympio.
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