quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

EPIGRAMA




EPIGRAMA AO POETA SILVÉRIO DUQUE

A arte, em seu ímpeto,

torna-se ventura.

Assim o poeta, em seu ofício,

de palavras perdura.



terça-feira, 27 de dezembro de 2011

EPIGRAMA




EPIGRAMA AO POETA ROMMEL WERNECK


Há uma luz para poucos,

como o trigo em colheita escassa.

Mas sua essência perdura

- Divina Graça -

aos eleitos de obra rara.






segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

EPIGRAMA



EPIGRAMA





Amor, raro,

de ilusões não se vende,

apenas quem consente

o valor de quem mente.







EPIGRAMA




EPIGRAMA




Não perde o amor o préstimo da vida,

senão com ínfimo amor quem lida.



EMÍLIO MOURA: POEMA





NOTURNO DE OURO PRETO I




Guardas o ar das noites mais antigas,

ilumina-te a luz da eternidade.

Calam-te os sinos. Baixa a névoa. E ligas

a tua alma sonâmbula à que invade



a paisagem dormida. Teus sobrados,

casas, igrejas, paços, velharias

morrem da morte a sós dos afogados.

Quem te falou da morte que terias?



Que ilhas de tempo, que áreas de abandono,

que ignotas solidões geram teu sono!

Que preces te adormecem? Sim, que preces



ergues ao ar para que nada importe,

nada da vida que desaparece,

tanto sabes da morte antes da morte?




EMÍLIO MOURA: POEMA




OURO PRETO I




Que frio!

A neblina rói a paisagem.

Sinto o tempo parado em cada pedra que piso.

O passado me envolve, pairo sobre as igrejas e assisto à ressurreição dos mortos.



Sou apenas memória.

MURILO MENDES: AFORISMOS




A poesia é a realidade; a imaginação, seu vestíbulo.




A plenitude poética opera o refinamento e a transfiguração da condição humana.



A poesia não pode nem deve ser um luxo para alguns iniciados: é o pão cotidiano de todos, uma aventura simples e grandiosa do espírito.



O verdadeiro poeta é conjuntamente um ser de circunstância, e eterno.



O olhar do poeta é vastíssimo: só ele percebe os inumeráveis crimes contra a Poesia.



Raramente me lembro que sou escritor; nunca me esqueço que sou poeta.



Não existe nada mais dentro de um conceito lógico, e menos digno de surpresa, que o desprezo do rico pelo poeta.



Haverá algum grande espírito que não seja clássico?



A escola futura deverá ser a base poética. Senão, servirá à burocracia e à guerra.



Através dos séculos o poeta é encarregado, não só de revelar aos outros, mas de viver praticamente no seu espírito e no seu sangue, a vocação transcendente do homem.



Sempre, em todos os tempos, a poesia corrigiu a crítica.



O poeta é escravo e senhor do poema.



Só pelos místicos, pelos músicos e pelos poetas se poderá restaurar a melodia da estrutura humana.



Uma flor é simples entretanto resulta de operações complexas. Uma flor é uma aparição poética.



Do livro O Discípulo de Emaús.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

JOÃO CABRAL DE MELO NETO: POEMA




A GIRALDA




Sevilha de noite: a Giralda,

iluminada, dá a lição

de sua elegância fabulosa,

de incorrigível proporção.



Os cristãos tentaram coroá-la

com peristalgias barrocas;

mas sua proporção é tão certa

que quem a contempla não pousa



nem nas verrugas do barroco,

nem nas curvas quase de cólica:

quem a contempla não as vê,

são como pombas provisórias.



quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

MURILO MENDES: POEMA

(Guignard)



FUTURA VISÃO

Apresentam-me o livro da tua vida
Escrito por dentro e por fora:
Sou digno de romper os sete selos.
Logo na primeira página
Paro três anos em êxtase
Diante da tua fotografia.
A lua e o mar adormecem a meus pés.
Tudo o que evoco vai nascendo ao gritar o teu nome
Berenice! Berenice!
E choro muito
Porque não existe ninguém digno de te olhar.

Alguém me segura à beira do abismo,
Contém minha impaciência e me desarma o braço:
Deverei assistir ao que se descreve no livro.
Terás que partir fisicamente e espiritualmente na desgraça,
Beberás o cálice da injúria e das abominações,
Vestida de púrpura serás sentada no trono da solidão.

Eu devoro o livro, que amarga minhas entranhas.
Glorificai-a! Glorificai-a!
Esta é minha súplica de sempre.

O Princípio vem sobre as nuvens em fogo
E clama para mim e para todo o universo:
Tudo será perdoado aos que amaram muito.


Do livro A poesia em Pânico.


sábado, 3 de dezembro de 2011

FERNANDO PESSOA: POEMA

(Ruaz)





RUBAIYAT

O fim do longo, inútil dia ensombra.
A mesma sp’rança que não deu se escombra,
Prolixa... A vida é um mendigo bêbado
Que estende a mão à sua própria sombra.

Dormimos o universo. A extensa massa
Da confusão das cousas nos enlaça,
Sonhos; e a ébria confluência humana
Vazia ecoa-se de raça em raça.

Ao gozo segue a dor, e o gozo a esta.
Ora o vinho bebemos porque é festa,
Ora o vinho bebemos porque há dor,
Mas de um e de outro vinho nada resta.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

DEREK SOARES CASTRO: SONETO






Exéquias d'Aurora

De rendas vestalinas, sendilhadas,
Em diáfanos véus auroreais,
Caídos brandamente, sepulcrais,
Por sobre as alvas mãos frias, finadas...

Por melífluos matizes outonais,
Em contraste co'as sedas, bem bordadas,
Na plenitude dessas vãs caladas,
Passou todo o cortejo cheio d'ais!

No embalo duma marcha langorosa,
A passarada flébil e chorosa
Cantava a mais nostálgica balada;

A abóbada celeste no infinito,
Abriu-se no céu mais puro e bonito,
Levando a minha eterna, sempre amada!

domingo, 27 de novembro de 2011

JORGE ELIAS NETO: POEMA

(De Chirico)




CARTA DE UM JOVEM AO POETA NIETZSCHE

O fino trato
que despendes com tua escrita
não merece o desfastio
dos ascetas.

Poeta,
mantém léguas
do itinerário dos justos.

O verso
que te arde as conjuntivas,
que faz suar as mãos sobre a mesa,
desgosta os santos.

Lembra-te de que
gostariam de te extirpar
os olhos mas
te presenteiam com um sorriso.

Sempre soubeste
que poderias contar
com teus inimigos
(os bons e justos tudo temem)

Poderá existir alguém
mais fiel que um inimigo?




sábado, 26 de novembro de 2011

MURILO MENDES: POEMA

(Fra. Angélico)


CÍRCULO

Eu me precipitarei das três Igrejas, candelabro ardente,
Carregando comigo o mistério oculto nas entrelinhas do Livro.
Minhas narinas atrairão o cheiro poderoso
Que vem do ventre da terra parindo novos amores e novas mortes.
Voarei pelos ares
Vigiarei – olho fértil – a formação das árvores e a migração das estrelas.

Hei de andar sem norte nem sul
Até que se complete em mim a estatura da Graça.
Hei de espirar a Rosa.

Sentado na esfera azul
Terminará o castigo:
Eu começarei então para mim mesmo.


Do livro A poesia em Pânico.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

MURILO MENDES E GUIGNARD

(Guignard)




"Quebrei a comunhão dos santos. Que me trazem os homens?

Escrevem apenas o mal e o terror no livro da vida.

Poeta, recorda-te; o espírito imundo que anda nos lugares áridos."


Murilo Mendes

MURILO MENDES E GUIGNARD

(Guignard)




"Eu te acompanho em teus anseios e em teu tédio.

Eu te olho com o olhar de quem herdou a solidão

Porque nunca estás em mim e comigo.

A natureza nos separou

Somente o sobrenatural poderá nos unir."


Murilo Mendes

terça-feira, 22 de novembro de 2011

ÁNGEL GONZÁLEZ: POEMAS TRADUZIDOS

(Lucio Fontana)








Ángel González (1925-2008) um dos mais notáveis poetas espanhóis da chamada Geração dos 50. Por muitos considerado o maior poeta espanhol do século XX. Entre seus livros mais conhecidos figuram Áspero mundo, y Sin esperanza, con convencimiento. Sobre Angel González escreveu Luis Isquierdo na introdução da última antologia publicada do autor:


O dom do poeta é a denúncia do negativo que perpassa a vida: a belicosidade que não cessa, a dependência de imposições, o medo disseminado das condutas. Sem renunciar à beleza, os versos tem que tratar também de nossos erros e fracassos. A beleza resiste, e tem seus momentos. Entretanto tem-se que ter conhecimento de sua raridade.

Tradução: Jorge Elias Neto



[ Para que yo me llame Ángel González]

Para que yo me llame Angel González,
para que mi ser pese sobre el suelo,
fue necesario um ancho espacio
y um largo tiempo:
hombres de todo mar y toda tierra,
fértiles vientres de mujer, y cuerpos
y más cuerpos, fundiéndose incesantes
em outro cuerpo nuevo.
Solstícios y equinoccios alumbraron
com su cambiante luz, su vario cielo,
el viaje milenario de mi carne
trepando por los siglos y los huesos.
De su pasaje lento y doloroso
de su huida hasta el fin, sobreviviendo
naufrágios, aferrándose
al último suspiro de los muertos,
yo no soy más que el resultado, el fruto,
Lo que queda, podrido, entre los restos;
esto que veis aqui,
tan sólo esto:
um escombro tenaz, que se resiste
a su ruína, que lucha contra el viento,
que avanza por caminos que no llevan
a ningún sítio. El êxito
de todos los fracasos. La enloquecida
fuerza del desaliento ...



[ Para que eu me chame Ángel González]


Para que eu me chame Angel González,
para que meu ser pese sobre o solo,
foi necessário um amplo espaço
e um largo tempo:
homens de todo o mar e toda terra,
férteis ventres de mulheres, e corpos
e mais corpos, fundindo-se incessantes
em um novo corpo.
Solstícios e equinócios deslumbraram
com sua luz oscilante, seus múltiplos céus,
a viagem milenar de minha carne
vencendo os séculos e os ossos.
De sua passagem lenta e dolorosa
de sua fuga até o fim, sobrevivendo
naufrágios, agarrando-se
ao último suspiro dos mortos,
eu não sou mais que o resultado, o fruto,
o que tombou, podre, entre os restos;
este que vês aqui,
tão somente este:
um escombro tenaz, que resiste
a sua ruína, que luta contra o vento,
que avança por caminhos que não levam
a nenhum lugar. O êxito
de todos fracassos. A enloquecida
força do desalento ...


Eso no es nada

Si tuviésemos la fuerza suficiente
para apretar como es debido um trozo de madera,
sólo nos quedaria entre las manos
um poco de tierra.
Y si tuviésemos más fuerza todavía
para presionar com toda la dureza
esa tierra, sólo nos quedaría
entre lãs manos um poco de agua.
Y si fuese posible aún
oprimir el agua,
ya no nos quedaría entre las manos
nada.


Isso não é nada

Se tivéssemos a força suficiente
para se comprimir como se deve um tronco de madeira,
somente nos restaria entre as mãos
um pouco de terra.
E se tivéssemos ainda mais força

para pressionar com toda intensidade
essa terra, somente nos restaria
entre as mãos um pouco de água.
E se fosse possível alguém
comprimir a água,
já não nos restaria entre as mãos
nada.


Cumpleaños

Yo lo noto: cómo me voy volviendo
menos cierto, confuso,
disolviéndome en el aire
cotidiano, burdo
jirón de mí, deshilachado
y roto por los puños
yo comprendo: he vivido
un año más, y eso es muy duro.
¡mover el corazón todos los días
casi cien veces por minuto!

Para vivir un año es necesario
morirse muchas veces mucho.


Aniversários


Eu observo: como vou me tornando
incerto, confuso,
disolvendo-me no ar
cotidiano, grosseiros
retalhos de mim, desleixado
e maltrapilho.
Eu compreendo: vivi
um ano mais e isso é muito duro.
O coração pulsa todos os dias
quase cem vezes por minuto!
Para viver um ano é necessário
morrer-se muitas vezes.


El derrotado

Atrás quedaron los escombros:
humeantes pedazos de tu casa,
veranos incendiados, sangre seca
sobre la que se ceba -último buitre-
el viento.

Tú emprendes viaje hacia adelante, hacia
el tiempo bien llamado porvenir.
Porque ninguna tierra
posees,
porque ninguna patria
es ni será jamás la tuya,
porque en ningún país
puede arraigar tu corazón deshabitado.

Nunca -y es tan sencillo-
podrás abrir una cancela
y decir, nada más: «buen día,
madre».
Aunque efectivamente el día sea bueno,
haya trigo en las eras
y los árboles
extiendan hacia ti sus fatigadas
ramas, ofreciéndote
frutos o sombra para que descanses.



O derrotado


Atrás tombaram os escombros:
fumegantes pedaços de tua casa,
Verões incendiados, sangue seco
para que engorde – o último abutre -
o vento.

Tú segues adiante na viagem, até
o tempo chamado porvir.
Porque nenhuma terra
te pertence
porque nenhuma pátria
é nem será tua,
porque em nenhum país
Pode acolher teu coração vazio.
Nunca – e isso é tão claro -
Poderás abrir uma porta
e dizer, simplesmente: « bom dia,
mãe ».
Embora efetivamente o dia seja bom,
Haja trigo nos campos
e as árvores
extendam até ti suas fadigadas
ramagens, oferecendo-te
frutos e sombra para que descanses.


Otro tiempo vendrá distinto a éste...

Otro tiempo vendrá distinto a éste.
Y alguien dirá:
«Hablaste mal. Debiste haber contado
otras historias:
violines estirándose indolentes
en una noche densa de perfumes,
bellas palabras calificativas
para expresar amor ilimitado,
amor al fin sobre las cosas
todas.»
Pero hoy,
cuando es la luz del alba
como la espuma sucia
de un día anticipadamente inútil,
estoy aquí,
insomne, fatigado, velando
mis armas derrotadas,
y canto
todo lo que perdí: por lo que muero.


Outro tempo virá distinto deste ...

Outro tempo virá distinto deste.
E alguém dirá:
«Falas-te mal. Devias ter contado
outras histórias:
violinos esticando-se indolentes
em uma noite densa de perfumes,
belas palavras qualificativas
para expressar o amor sem limite,
amor acima de todas
as coisas.»
Porém hoje,
quando a luz do Amanhecer
é como a espuma suja
de um dia antecipadamente inútil,
estou aqui,
insone, fadigado, velando
minhas armas derrotadas,
e canto
tudo que perdi: pelo que morro.


Son las gaviotas, amor

Son las gaviotas, amor.
Las lentas, altas gaviotas.
Mar de invierno. El agua gris
mancha de frío las rocas.
Tus piernas, tus dulces piernas,
enternecen a las olas.
Un cielo sucio se vuelca
sobre el mar. El viento borra
el perfil de las colinas
de arena. Las tediosas
charcas de sal y de frío
copian tu luz y tu sombra.
Algo gritan, en lo alto,
que tú no escuchas, absorta.
Son las gaviotas, amor.
Las lentas, altas gaviotas.

São as gaivotas, amor

São as gaivotas, amor.
As lentas, distantes gaivotas.
Mar de inverno. A água cinza
mancha de frio as rochas.
Tuas pernas, tuas doces pernas,
enternecem as ondas.
O céu sujo tomba
sobre o mar. O vento borra
o perfil das colinas
de areia. As tediosas
lagoas de sal e frio
imitam tua luz e tua sombra.
Gritos, lá do alto,
que tu não escutas, absorta.
São as gaivotas, amor.
As lentas, distantes gaivotas.

González À. Antologia poética; – Madrid: Alianza Editorial, terceira reimpressão, 2008.



Jorge Elias Neto (1964) é médico, pesquisador, poeta e leitor. Capixaba, reside em Vitória – ES. Livros: Verdes Versos (Flor&cultura ed. - 2007), Rascunhos do absurdo (Flor&cultura ed. - 2010) , Os ossos da baleia e Breviário dos olhos (inéditos). Participação: Antologia poética Virtualismo (2005), Antologia literária cidade (L&A Editora – 2010), Antologia Cidade de Vitória (Academia Espiritossantense de letras – 2010 e 2011) e Antologia Encontro Pontual (Editora Scortecci – 2010). Colabora com poemas em vários blogs e na revista eletrônica Germina, Diversos-afins, Poesia diversa e no Portal Literário Cronópios.
Blog: http://jeliasneto.blogspot.com E-mail: jeliasneto@gmail.com

GALERIA JB LAZZARINI





















domingo, 20 de novembro de 2011

ENTREVISTA COM O PINTOR FELIPE GÓES






















1 – Quando ocorreu seu contato inicial com a pintura?



Desde a infância tenho interesse em criar coisas, construir objetos, desenhar e pintar. Recentemente, esse envolvimento com a pintura se intensificou e com isso veio a necessidade de compartilhar com os outros minha produção, ouvir opiniões, rever conceitos. Isso é essencial para o desenvolvimento do trabalho.


2 – Quais são suas influências no campo da pintura?

Refletindo sobre essa questão das influências – e sobre porquê algumas delas mudam com o tempo e outras continuam nos apoiando por longos períodos – vemos que o artista não é apenas passivo na absorção de influências, e que muitas vezes é ele que busca se influenciar por determinadas referências ao longo de sua trajetória.

Essas mudanças e permanências das referências importantes vêm da necessidade interna de cada trabalho ao se desenvolver.

Dito isso, e lembrando que estamos falando de pintura, a qual possui uma gigantesca tradição na história ocidental, meu trabalho é antes de tudo uma maneira de se relacionar com a tradição, mergulhar nesse caldo e depurar algo válido no processo.

Algumas influências que sempre me acompanham foram Rothko, Volpi e Guignard. Além destes, algumas referências importantes no inicio do meu trabalho foram Bram van Velde e Richard Diebenkorn.


3 – Você se filia a uma determinada corrente de pintura contemporânea?

Não tenho a ambição de provar algo ou convencer as pessoas através da arte. Acredito que meu trabalho possui a característica intrínseca de não carregar uma mensagem que possa ser instantaneamente interpretada e, portanto, qualquer noção de Corrente, Movimento, Manifesto (só para citar alguns termos) é externa à minha produção.

Porém, ao analisarmos a história da arte vemos que essa é formada basicamente por Escolas, Correntes e Movimentos. Portanto minha resposta hoje é negativa, mas posso estar equivocado devido à ausência de um necessário distanciamento histórico.


4 – Sua pintura mescla tanto dimensões figurativas quanto abstratas, e em muitos aspectos, parece mostrar uma continuidade em ambas as dimensões, como uma espécie de complementação estética. Como o abstrato e o figurativo se determinam em sua pintura?

Interessa-me transitar nessa zona ambígua onde parece que a narrativa está para se formar, mas que de fato não se viabiliza plenamente.

Parece que em meus últimos trabalhos existe uma noção de imagem, tão cara à sociedade contemporânea, mas que diferentemente do que acontece na publicidade ou nos programas de televisão, esta imagem não carrega um significado imediato, e dessa forma torna-se impossível seu consumo instantâneo enquanto mensagem.

Assim, esse embate entre figurativo e abstrato também pode se caracterizar como um embate entre a mensagem e o silêncio, sobre essa impossibilidade de dizer algo (ou a possibilidade de não dizer nada) mesmo que através de figuras reconhecíveis.


5 – A opção por cores vivas em suas telas parece mostrar a sobreposição do sentimento como diretriz do olhar em relação às diversas paisagens que compõem sua obra. Comente esse aspecto de sua pintura.

Creio que é a relação entre as cores que define meu programa de trabalho, e como você observou existe uma sobreposição da força da cor sobre a fragilidade do assunto.

Uma observação atenta sobre meu próprio trabalho leva-me a pensar que sua força não vem das cores individualmente, e que se nós pudéssemos analisá-las separadamente veríamos que elas não são tão vivas assim. Talvez sejam até meio desbotadas e lavadas.

Considerando o que comentamos anteriormente, parece que não existe interesse em dar respostas definitivas às grandes questões, mas uma noção de admiração e assombro, mais coerente com o território incerto da arte. Provavelmente é daí que vem esse interesse pela imensurabilidade da cor, que ilude e coloca a análise no plano do sensível, onde o desenho analítico é deturpado pela imperfeição das bordas de tinta.






sexta-feira, 18 de novembro de 2011

ENTREVISTA COM O POETA E CRÍTICO LITERÁRIO HENRIQUE WAGNER




1) Como ocorreu seu contato inicial com a poesia?

Resposta: Creio que esse contato inicial com a poesia se deu mais cedo do que imaginei, por muito tempo, ao longo de minha vida, e por um caminho aparentemente sem muita relação com a arte das palavras. Deu-se pelo silêncio. É que sempre fui um garoto extremamente tímido, do tipo que filava os dias e as aulas, e freqüentava a vida apenas nas tardes de quarta ou quinta-feira, quando me isolava na laje da imensa casa de meus pais, para desenhar histórias em quadrinhos. Depois do silêncio veio a letra de música traduzida. Eu era assinante da revista Bizz, e vivia lendo as letras enquanto ouvia as bandas mais famosas do rock and roll americano. Tanto que meu primeiro “poema” parece a letra traduzida de uma canção americana, e eu até uso palavras do tipo “baby”, “garota”, e frases descritivas, cruas, tipicamente americanas. Eu tinha mais ou menos treze anos de idade, à época. Com o fim do meu primeiro namoro sério, escrevi, quase convulso, um texto desesperado, diretamente na máquina de datilografar – uma remington portátil –, apinhado de erros de digitação que davam ao “poema” a aparência de um poema tipográfico mallarmeniano. Seguiu-se a essa experiência um longo feriado lírico, no qual vivi tormentas de toda ordem e muitos namoros, uma vida intensa ao lado de mulheres fortes que me ensinaram muito sobre poesia, na medida em que a mulher é de uma profundidade equivalente à mãe das artes. Retomei a poesia em forma de poemas aos dezoito ou dezenove anos, depois de sentir o desejo de ler poemas e não mais as letras traduzidas citadas acima. O que mais pode influenciar um poeta é outro poeta, e não a vida, como gostam alguns. E não afirmo que se trata de escrever imitando alguém, mas de fazer uso de uma mimese pouco aristotélica, pouco grega, que diz mais sobre o poder que tem a arte de incitar a arte, como uma espécie de parceria ou relação amistosa entre gêmeos. Um bom poeta é um digest, e certamente fez uso de outro poeta e outras leituras para a composição de sua obra, de modo a transmitir sua mensagem, séculos a fio, usando seu ethos transusbstanciado, um misto de natureza e cultura, vida e livros.

2) Como você vê a cena poética atual no Brasil?

Resposta: Quase não vejo, porque tenho me ocupado mais com prosa e dramaturgia, há alguns anos. E porque, também, quando leio poesia, ultimamente, busco um lugar seguro, leio os poetas que gosto ou que sei fazerem parte de uma linhagem que participa de minha orientação literária. Acresce ainda o fato de que jamais houve tanta poesia exposta no mundo, em função da internet, com seus tantos blogs repletos de poemas – em geral bilhetes suicidas e cartas de amor. De todo modo, preciso dizer que a poesia brasileira, a partir do pouco que li de poetas contemporâneos, vai muito mal. Vive-se ainda o restolho da poesia concreta, que, se já não era lá grande coisa, imagina em seus resíduos. Por outro lado, há aqueles que insistem em fazer poesia regional nordestina, tentando a sorte de um Cabral de Melo Neto. Há ainda a turma que anda fazendo uma poesia mais formal, numa retomada à geração de 45. E por fim, há a poesia “fácil” de uma turma sempre justificada por seu lirismo – nessa turma se encaixa perfeitamente o caso do poeta baiano Ruy Espinheira Filho, com sua mania de lembrança e seus poemas mornos, sem qualquer “susto” ou arrebatamento. Dos autores vivos mais velhos gosto muito de Alberto da Costa e Silva, Ledo Ivo – sempre esquecido por quem gosta de fazer afirmações bombásticas do tipo “o maior poeta vivo do Brasil, e sempre esbarram em Ferreira Gullar e Manoel de Barros; Ledo Vivo, ousaria o trocadilho, pedindo desculpas pelo fácil expediente –, Paulo Bomfim e o não tão velho Nelson Ascher. Gostaria de poder citar o Bruno Tolentino, encaixá-lo no time dos grandes poetas vivos brasileiros. Infelizmente, o secularismo não me permite tamanha metafísica. Pensando nos mais jovens, gosto do Alexei Bueno, algumas coisas do Ivan Junqueira, mais conhecido por seus ensaios e traduções do francês, e Rodrigo Petrônio, vencedor de alguns prêmios de poesia respeitados, autor de poemas com um elevado senso de forma e consideração pelo conteúdo. Recentemente o amigo Raimundo Bernardes, poeta, ensaísta e tradutor baiano, me apresentou a dois poetas interessantíssimos: Érico Nogueira e Marcos Catalão. Ainda estou em fase de leitura da obra desses dois nomes. Mas já é possível perceber que são talentosos e originais, pelo que li até o momento. Infelizmente, depois de toda uma tradição de bons poetas, a Bahia de Gregório, Castro Alves, Junqueira Freire, Arthur de Salles, Sosígenes Costa, dentre outros, vem produzindo poesia de péssima qualidade. Aposto, atualmente, na poesia séria, consistente e sem firulas do Silvério Duque, com seus sonetos maduros quanto aos temas escolhidos e quanto à reserva feita a fórmulas fáceis. Há o que se trabalhar, ainda, mas penso que Silvério vem construindo uma poesia que nos prepara para uma grande obra, mais cedo ou mais tarde. E há a poeta Fabrícia Miranda, que faz uma poesia com profundo conhecimento do idioma e da complexidade da condição humana, escrevendo poemas marcados pela excelência em conduzir o leitor, por meios os mais sofisticados, ao cerne das grandes questões humanas, sempre com uma linguagem muito elegante, refinadíssima. Seus poemas inéditos, alguns postados em seu blog, são impactantes pelos temas e pelo trato dado aos temas. Quero ainda voltar ao amigo Raimundo Bernardes. Esse jovem poeta e intelectual está por trás da produção poética de quase todos os jovens poetas com alguma qualidade, na Bahia e fora da Bahia. Ele vem funcionando como um mentor para diversos autores, que, de forma ingrata, não dão os devidos créditos. Sempre que houver um poeta baiano escrevendo bem, acredite, há a mão de Raimundo Bernardes na construção do pensamento e da poética desse autor. Raimundo é muito generoso com os iniciantes, e trabalha na coxia, sem alardes. Mas é preciso lembrar que Raimundo não é milagreiro: ele faz o que pode, e pode muito, e se a poesia baiana vai mal, provavelmente é porque não tem a disciplina necessária para ser um epígono do amigo supracitado. Em tempos de preguiça, decorrente das facilidades e da pouca leitura invectivadas pelo mundo virtual, não há qualquer surpresa quanto a isso.

3) Como você vê a relação entre tradição poética e movimentos de vanguarda? É possível o diálogo entre a tradição e as vanguardas, ou uma poesia de invenção deve ser necessariamente uma poesia de ruptura?

Resposta: O diálogo é feito de perguntas e respostas, não? Pois bem, a vanguarda é a pergunta. Destarte, digo que o diálogo entre a tradição e as vanguardas não só é possível como existente, desde a Antologia Grega e as sátiras de Horácio. Uma poesia de invenção é, antes de qualquer coisa, uma poesia de qualidade. Com ou sem ruptura. Não vejo qualquer problema em inventar a roda, desde que se faça alguma contribuição à evolução da roda. É possível torná-la menos circular, por exemplo. O Borges poeta é um grande exemplo de autor entre a tradição e a vanguarda, que “deu certo”. Mas que vanguarda? Aquela que ousa inovar dentro da tradição. Isso, para mim, é mais louvável – e mais difícil, embora a dificuldade não seja um critério válido para mim – que um poema visual, que atesta a insuficiência da palavra escrita, por imperícia do poeta visual, não da poesia. Borges descobriu um modo de fazer poesia original porque investiu no passado, aumentando-o para os tempos modernos. Borges voltou à origem, e parece ter começado tudo de novo a fim de construir sua teogonia e sua odisséia. E o resultado é uma poesia de Borges, mais ninguém.

4) Parece existir um preconceito proporcionado por posturas pseudo-vanguardistas em relação à poesia que se pratica no Nordeste, sobretudo no eixo Sudeste-Sul. Muitos poetas de grande talento são totalmente ou propositalmente ignorados em outras regiões do país. Estaríamos diante de uma espécie de monopólio cultural (revistas, jornais, editoras, prêmios literários) cuja principal característica seria a recusa de qualquer poesia com os pés na tradição, ou seja, a aceitação de uma poesia que somente apresentasse um viés “inovador”?

Resposta: Não gosto muito de reclamar leitores. Há muito o que fazer na vida. Ler poesia é apenas uma das atividades humanas, e não acho que seja a mais prazerosa, aliás. O Nordeste já deu muita literatura – e muita arte, de um modo geral –, e acredito que está cansado, esgotou-se, assim como os leitores cansaram de tanta produção nordestina. Os grandes poetas ignorados pelo eixo Sudeste-Sul são verdadeiras lendas em suas aldeias. E uma aldeia fica. Muito mais que um exemplar da revista Cult. O monopólio cultural não existe apenas no eixo Sudeste-Sul. Existe no Nordeste também, que recusa a poesia “moderninha” dos filhos de Leminski e netos de Oswald de Andrade. Infelizmente o Nordeste não tem a força midiática que o eixo já citado aqui, tem. Mas isso não é resultado de uma política literária, mas de uma política “agrária” que envolve questões muito mais urgentes que literatura.

5) Como você vê a importância dos movimentos Modernista de 22, e do Concretismo para o desenvolvimento da poesia brasileira?

Resposta: Para mim foram movimentos de suma importância para tornar clara a supremacia, quanto à qualidade literária, da literatura feita depois desses dois movimentos. Todo modernismo tem, como obrigação, ser relativista, ainda que pareça, sempre, intolerante, radical etc. O relativismo se dá porque, enquanto o modernismo acontece, milhões de voltas ao mundo em 80 dias vão acontecendo. A necessidade de criar um manifesto, um panfleto, é tão grande, que esquecem de fazer arte, e uma arte que ponha em prática a teoria, que seja fiel às idéias propaladas muito mais por vontade de entrar para a história como inventor de uma tendência do que para criar, de fato, uma ruptura necessária. Aliás, alguns autores apontam para a infidelidade de Oswald de Andrade em relação a suas idéias, seus manifestos, seus panfletos. Dentre esses autores estão dois poetas respeitáveis: Ferreira Gullar e o extinto Bruno Tolentino. Em suma, esses movimentos foram importantes para o desenvolvimento da poesia brasileira porque mostraram algumas ruas inóspitas e becos sem saída. Mostraram ao autor brasileiro o que não se deve cultivar, por falta de consistência dos objetivos e das supostas teorias. A poesia brasileira, depois desses movimentos, voltou a estacar impávida.

6) O crítico literário Antonio Candido afirmou que todo país possuiria um representante máximo de sua literatura, um escritor que encarnasse a identidade cultural de seu país, sobretudo no âmbito da linguagem, e citou como exemplos nomes como Cervantes na Espanha, Goethe na Alemanha, Dante na Itália, Borges na Argentina, Camões em Portugal. O mesmo crítico afirmou que o Brasil não possuiria essa figura máxima em sua literatura. Talvez dois nomes: Guimarães Rosa e Machado de Assis. Qual a sua opinião sobre essa questão? O que pensar de um nome como o padre Antonio Vieira?

Resposta: Antonio Candido precisa lembrar, e não é tarde ainda, que o Brasil tem apenas 500 anos de zumbi. Não há tradição com quinhentos anos de vida, se pensarmos no hinduísmo, por exemplo, e ainda no velho continente, a Europa, que é uma invenção dos gregos, aliás. O poeta Hesíodo foi o primeiro a empregar esse nome, e o célebre Heródoto, o “pai da História”, no século V a.C., escreveu: “Quanto à Europa, parece que não se sabe de onde veio seu nome e nem quem o deu”. Sabe-se ainda um pouco da lenda: uma princesa chamada Europa, filha do rei Agenor, é raptada por um touro gentil, mas voluntarioso. Ele a levou para uma grande ilha grega, Creta. O touro uniu-se à princesa, tornando-a “mãe de nobres filhos”. Mas há o exemplo de Borges na Argentina, usado pelo famoso crítico literário e sociólogo brasileiro. Acontece que a Argentina é uma Nova Europa, assim como houve e há a Nova Inglaterra nos Estados Unidos da Hawthorne, com a sua letra escarlate. Acredito em Machado de Assis, sem qualquer hesitação, como figura máxima da literatura feita no Brasil até o momento. Mas outros virão, embora os prognósticos não sejam favoráveis. Quanto ao padre Antonio Vieira, há que pensar em seus lusitanismos – afastando-o, portanto, do posto de representante máximo brasileiro –, e na imensa parte de sua obra voltada para uma função social, porquanto religiosa em terra de índios, que diminui consideravelmente o valor artístico necessário a todo autor que se queira representante de uma literatura, em qualquer país.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

GALERIA FELIPE GÓES











"O princípio plástico dum quadro protege-o da exegese interessada."



Murilo Mendes

terça-feira, 15 de novembro de 2011

DIEGO MENDES SOUSA: POEMAS

(Willem De Kooning)










Frisson à Rilke

Que o Tempo não refute nunca
o rastilho prisioneiro e perplexo
do Amor
pois o sangue - motor da vida- pulsa
rarefeito
no apelo escondido dos Astros
a debilitar o indispor do mundo
que arrasta o azul sobre o branco:
o ar puro da felicidade

Somente o Amor filtra a ofensiva
da amargura em qualquer coração
e derrama o inusitado sobre o rosto
a orvalhar a eviternidade
e a apreender o martírio de tédio
que deslumbra
a existência sufocante
em recatos de sabedoria enevoada



O Clarão da Existência

Como enramar-me de felicidade
se o campo, a flor, o riso...
e o descontentamento
e a sombra do tempo
e as estrelas se assomam
sob o canto e o silêncio
sobre a vida
e a renúncia
sobre uma pluma
em relâmpagos
a luz

existir em tua ausência
na morada da minh’alma
exânime

Ai bárbaro destino
como mondar a tristeza
que me perece e me amarga
tanto...
Como?





Balada do Fim

Grande inspiração da existência
Musa da crença viva
invade-me agora um vazio
irreparável e nostálgico
Não foi bastante o amor
pois o canto parte sozinho
às lagrimas de sangue
Escrevo por acreditar
que o mundo é mutável
que os pássaros voam
e o destino é incerto
Mais tarde a noite é metálica
na compleição poderosa
do deserto firmamento



Sobras do Crepúsculo

Será sempre teu encosto
meu peito
e o coração clama em ânsias
e pranto
e repugna-me ao calor
de longos beijos

durante os dias e as noites
infinitas
imensas aos olhos do sonho

Como voltar na bruma?
se a mulher é pluma
no consumo atemporal
da aurora

durante os dias e as noites
infinitas
imensas aos olhos do mundo




domingo, 13 de novembro de 2011

LUIS SERGUILHA-POEMA

(Franz Kline)







TEXTO 3



Pássaro de transições fluviais


timidamente a pique na curiosidade bêbeda dos triângulos


Pássaro vermelho das éclogas procurando os estalidos dos fórceps da claridade


sobre os cingidouros extravagantes dos noticiários que empavoam as patrulhas do relâmpago
nos ascensores vigilantes dos polvos implacáveis


As asas esplendorosas protegem as confidências disponíveis nos cais enrouquecidos
onde os ângulos centenários dos chocalhos batucam as esquadrilhas sôfregas dos polichinelos pendulares


Os alfarrabistas impacientes engomam as esporas bronzeadoras dos desvãos silenciosos


aqui os pássaros sublinham os insaciáveis frenesins dos venenos para empoarem os semáforos imperceptíveis das sórdidas armações


como as áspides dos algozes a reclamarem o exílio patriarcal das meretrizes dançarinas


As barbatanas libertinas dos cofres geológicos planam


sobre as escadarias cristalizadas dos astrólogos excepcionalmente arregaçados


no parapeito odorífero dos bordéis


onde a argamassa experiente dos mastros são os reflexos compulsivos dos pulmões


Os pássaros alienígenas mergulham nas incubações das gadanhas rebocadoras para tremularem obstinadamente


entre os círculos repercutidos das balanças pélvicas das divas


Os solitários voos lançam-se nos vacilantes tronos das savanas
onde as preguiçosas combustões encrespam os gracejos furtivos das pálpebras


As densidades hirsutas dos voos depuraram-se nos archotes noctívagos das saias lúbricas
como a antracite dos espiráculos a proteger as curvaturas ambulantes da pérola epidérmica


Os pólens niquelados dos voos crepitam nos histéricos miasmas provavelmente


para transformarem os trilhos do fogo num musgo de gargantas nómadas
povoadas de rebentos imprevisíveis


As planícies incessantes dos voos reactivam as almofadas do desejo no luminescente soluço das víboras


Os voos desvelados em consonância com as respirações vertiginosas das prostitutas interferem similarmente


no impetuoso silêncio dos flashs pesquisadores das primeiras habitações nocturnas


sábado, 12 de novembro de 2011

MURILO MENDES: POEMAS DE A POESIA EM PÂNICO

(Ismael Nery)





A DANAÇÃO

Há fortes iluminações sem permanência.
A parte da Graça é tão pequena
Que me vejo esmagado pelo monumento do mundo.

Quem me ouvirá? Quem me verá? Quem me há de tocar?
Chorai sobre mim, sobre vós e sobre vossos filhos.

A fulguração que me cerca vem do demônio.
Maldito das leis inocentes do mundo
Não reconheço a paternidade divina.
Eu profanei a hóstia e manchei o corpo da Igreja:
Os anjos me transportam do outro mundo para este.


O IMPENINENTE

Quem me consolará no mundo vão?
Homens, tenho convosco a relação da forma.
Nuvem solida, rosa virginal, água branca
E tu, antiga sinfonia aérea,
Pertenceis ao anjo, não a mim.
Eu digo ao pecado: Tu és meu pai.
Eu digo à podridão: Tu és minha irmã.
A presença real do demônio
É meu pão de vida cotidiano:
Minha alma comprime a aleluia gloriosa.

Hóstias puras,
Inutilmente vos ergueis sobre mim.


A DESTRUIÇÃO

Morrerei abominando o mal que cometi
E sem ânimo para fazer o bem.
Amo tanto o culpado como o inocente.
Ó Madalena, tu que dominaste a força da carne,
Estás mais perto de nós do que a Virgem Maria,
Isenta, desde a eternidade, da culpa original.
Meus irmãos, somos mais unidos pelo pecado do que pela Graça:
Pertencemos à numerosa comunidade do desespero
Que existirá até a consumação do mundo.


OS TRÊS CÍRCULOS

Não encontro minha paz na Igreja.
Tu, monge, não podes me dizer o que o Cristo me dirá:
Recolheste d’Ele a menor parte.
E o Seu corpo e o Seu sangue
Não fazem circular a vida no meu corpo e no meu sangue.
Tu, mulher, criatura limitada como eu,
Recebes a melhor parte do meu culto.
Eu te amo pela tua elegância, pela tua mentira, pela tua vida teatral.
E nem ao menos posso repousar a cabeça na pedra do teu corpo.
Só tu, demônio, nunca me faltas nem um instante.



quarta-feira, 9 de novembro de 2011

UM POEMA INÉDITO DE JORGE ELIAS NETO

(Nicoletta Tomas)





Máscara mortuária


Guardei meu último gesto.

Será um movimento

exato da mão

a cortar pelo talo

a palavra

definitiva.


Dirão as carpideiras:


"Reparem

o riso e todos

esses dentes;

a frouxidão da boca

cansada de gargalhadas

e asneiras."


O cúmplice,

me encontrará sem palavras

e gelado

como a verdade.



Vitória, 06 de novembro de 2011



sábado, 5 de novembro de 2011

OCTÁVIO DE FARIA: O ANJO DE PEDRA

(El Greco)







Ajoelhado no ladrilho da Capela, a cabeça entre as mãos, deixou que passassem um a um, com a rapidez com que passam as imagens evocadas à revelia da vontade, todos os tristes casos de criaturas que se tinham entregue à sua direção espiritual e viviam pelo mundo afora carregando seu fardo humano, sua parcela de sofrimento. Umas próximas, quase diárias no murmúrio das suas misérias, outras já distantes, muito e muito distantes como aquelas que se tinham afastado dos Sacramentos em meio à procela das primeiras grandes crises da adolescência. Imagens sombrias, tristes contemplações. Uma sucessão de vultos turvos de fantasmas: almas feridas em eternos gemidos pelo mundo ou almas sem vida real, almas que a vida fora aos poucos endurecendo, petrificando. Reviu muitas, reviu quase todas as conhecidas, focalizando-as nos seus instantes de maior sinceridade, nos momentos críticos em que tinham revelado a chaga profunda, deixando a nu diante dele o que nelas era mais íntimo, mais inseparável de si mesmo – esse núcleo irredutível onde, em cada ser, o demônio constrói aos poucos e, no mais das vezes, com o máximo de dissimulação possível, o seu ninho supremo.


**********


Parecia mesmo uma provação divina aquela constante insuficiência dos homens, diminuindo-O quando falavam Dele. Quem diria que eram as palavras de Deus? O mundo estava atolado naquela desgraça: as palavras de Jesus ditas e ouvidas como se fossem as de um outro ser qualquer, rei ou filósofo, grande ou pequeno, chefe ou escravo. No entanto, as palavras do Senhor do mundo, quem não as ouvia, quem não as sabia de cor, quem não as seguia meticulosa, religiosamente? ... A indistinção era aterradora, apocalíptica a inversão dos valores. E por toda parte os homens morriam porque não sabiam mais ouvir, compreender, distinguir o essencial do não-essencial, a eternidade a conquistar do momento que vem e vai passar...


**********


Sinto que ainda é muito cedo para tentar responder, para precisar. (De que armas, de que forças não dispõe o terrível Senhor do mundo?!...) A névoa que envolve todos esses terrenos estranhos onde confinam o humano e o divino, apresenta-se ainda por demais espessa ante meus olhos debilitados pela inútil e custosa contemplação diária de tantos brilhos efêmeros, de tanta beleza vazia e morta à verdadeira vida, para que possa recolher e fixar o que se passa ao certo nesse minuto de silêncio que sinto, no entanto, mergulhando bem fundo no seio da eternidade.


MURILO MENDES: POEMAS DE OS QUATRO ELEMENTOS

(Ismael Nery)






ANTI-ELEGIA Nº 1

O dia e a noite são ligados pelo prazer
E pelas ondas do ar
A vida e a morte são ligadas pelas flores
E pelos túneis futuros
Deus e o demônio são ligados pelo homem.


SOLICITUDE

É preciso orientar as notas musicais
E cuidar do asilo das flores.
A criatura menos órfã do universo é a estrela
E a mais indiscreta, o homem.

O poeta guia a música.
A morte atrai o tempo,
O demônio atrai a guerra.

Tenho pena dos que vão nascer.


PIRÂMIDE

Sozinho no monumento dos séculos
Consulto meu cérebro
Eu sou tudo que foi, que é e que será.
Da minha cabeça a vida sai armada
Todas as coisas pensam em mim por mim contra mim
Meu olhos convergem para todas as coisas
Que de todos os lados convergem para mim.
Personagem de enigma
Assisto às idades desfilarem
Bebo a vida e a morte ao mesmo tempo
Personagem de enigma
Sou eu quem segura a água a terra o fogo e o ar
Julgando tudo e todos eu me julgarei.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

MURILO MENDES: POEMAS DE TEMPO E ETERNIDADE

(Ismael Nery)






A GRAÇA

Desaba uma chuva de pedras, uma enxurrada de estátuas de ídolos
caindo, manequins descoloridos, figuras vermelhas se desencarnando
dos livros que encerram as ações dos humanos.
E o meu corpo espera sereno o fim deste acontecimento, mas a minha
alma se debate porque o tempo rola, rola.
Até que tu, impaciente, rebentas a grade do sacrário; e me estendes
os braços: e posso atravessar contigo o mundo em pânico.
E o arco-de-Deus se levanta sobre mim, criação transformada.


O JUSTIFICADOR

Teu espírito se dilata para abraçar a criação.
Chegam famílias das pirâmides para te verem,
Outras chegam dos confins dos mares.
A noite te anuncia pelos seus astrônomos e suas estrelas,
O dia te proclama pelos seus sinos e pelos seus jornais.
Gerações inumeráveis crescem à sombra da tua Igreja.
Atravessas campo e deserto, sobes em arranha-céus,
Voas no aeroplano, desces no submarino,
Abalas a alma do cego, do criminoso e da perdida.
Presides ao casamento, ao nascimento, à morte e à ressurreição.
Os homens te dividem em mil imagens falsas:
Mesmo assim, mutilado, esquartejado, sujo,
Dás a todos o único, o insubstituível consolo.
Tuas parábolas publicadas em edições de engraxate
Comovem ao mesmo tempo o ignorante e o poeta.
Os maus sacerdotes em vão procuram te ocultar:
Tu os convertes na última hora, como ao bom ladrão.
Espalhas pela terra teu corpo e tua alma em pedaços,
E cada alma, mesmo ruim, é uma relíquia tua.
Diariamente o mundo te persegue e te mata,
Diariamente ressuscitas a atrais o mundo a ti.


ETERNIDADE DO HOMEM

Abandonarei as formas de expressões finitas,
Abandonarei a música dos dias e das noites,
Abandonarei os amores improvisados e fáceis,
Abandonarei a procura da ciência imediata
Serei a testemunha de um mundo que caiu,
Até que te manifestes na tua Parusia.

Aceitarei a pobreza para que me dês a plenitude,
Aceitarei a simplicidade para que me dês a multiplicidade,
Descerei até o fundo da mina do sofrimento
Para que um dia me apontes o céu da paz.

Minha história se desdobrará em poemas:
Assim outros homens compreenderão
Que sou apenas um elo da universal corrente
Começada em Adão e a terminar no último homem.

MURILO MENDES: POEMAS DE O VISIONÁRIO

(Ismael Nery)






MULHER VISTA DO ALTO DE UMA PIRÂMIDE

Eu vejo em ti as épocas que já viveste
E as épocas que ainda tens para viver.
Minha ternura é feita de todas as ternuras
Que descem sobre nós desde o começo de Adão.
Estás engrenada nas formas
Que se engrenam em outras desde a corrente dos séculos.
E outras formas estão ansiosas por despontarem em ti.
Quando eu te contemplo
Vejo tatuada no teu corpo
A história de todas as gerações.
Encerras em ti teus ascendentes até o primeiro par,
Encerras teu filho, tua neta e a neta de tua neta.
Mulher, tu és a convergência de dois mundos.
Quando te olho a extensão do tempo se desdobra ante mim.


APRESENTAÇÃO DO RECÉM-NASCIDO

A pedra abre os olhos mansos de novilha
Quando a criança nasce no mundo da foice e do martelo.
Deus não sorri nas dobras azuis do quarto
Porque o vento que vem das usinas
Impede que a eternidade passe.
Criança, que vens fazer no mundo soluçante,
Se a luz não é mais luz, a alma não é mais alma,
Se a cor branca sumiu nos hinos de protesto?
Some, criança, desfaze-te em mar, em tango, em ventania;
Faze a pedra calar; as pedras que te trazem
São palmas de aço, o homem chorou para fazê-las;
Um corpo elétrico te espera numa curva do mundo
Para te derrubar quando tiveres dezoito anos,
Como já derrubou teu pai e tua mãe
Que são a fotografia inanimada do que foram.


FIM E PRINCÍPIO

Espírito pavoroso do século,
Não te dedicaria pianos
Nem harmonias de sirenes
Se os demônios não quisessem.
Entretanto chora o mar,
Choram noivas, peixes, mães,
Desde o princípio do mundo;
Apitos de máquinas levarão
Desde o pólo ao equador
Até o final dos tempos
Lamentações de novilhas,
De cegos, órfãos e plantas.

JORGE DE LIMA: SONETOS II

(Mosteiro dos Jerônimos)




Em que distância de ontem te modulo,
mundo de relativos compromissos?
Novas larvas e germes em casulo,
novos santos e monges e noviços.

Não máscaras nos olhos. Nem simulo.
Eu era pião, já vão evos mortiços
naquele calendário agora nulo,
com seus cerimoniais de escuros viços.

Recordas-te do afim, teu rei colaço?
Lembras-te dele em queda? Céus dos dias
com luzeiros – incêndios, lumes de aço.

E tu, grande Lusbel, guia dos guias
para reinar perdeste-me também
a mim que fui o espelho em que te vias.


***

Sinto-me salivado pelo Verbo,
rodeado de presenças e mensagens,
de santuários falhados e de quedas,
de obstáculos, de limbos e de muros.

Furo as noites e vejo-te, Solstício,
ou recolho-me ao âmago das coisas,
renovo um sacrifício expiatório,
lavo as palavras como lavo as mãos.

Esta é a zona sem mar e sem distância,
Solidão, sumidouro, barro-vivo,
barro em que reconstruo sangues e vozes.

Não quero interromper-me nem findar-me.
Desejo respirar-me no Teu sopro,
aparecer-me em Ti, continuado.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

JORGE DE LIMA: SONETOS

(Bosch)






Sei teu grito profundo, e não me animo
a cortar a raiz que aTi me embasa.
Em mão mais primitiva não me arrimo
devo-Te tudo, origem, patas e asas.

Permite que eu revele história e limo
sem desobedecer a Tua casa.
Nazareno dos lagos, lume primo,
atende à pobre enguia de águas rasas.

Se desses versos outro lume alar-se
misturado com os Teus em joio e trigo,
sete vezes por sete me perdoa.

Ó Desnudado, é meu todo o disfarce
em revelar os tempos que persigo
– na vazante maré com inversa proa.


***


Eu te sinto pecado original
não só corroendo ainda os meus tecidos
porém intumescendo-me com a lava
do orgulho em que um arcanjo se abrasou.

Para me dominares a alma escrava
entorpeces-me todos os sentidos,
crânio, tórax, abdômen, membros, sexo,
tudo é uma gorda empola alta e convexa.

Mudas depois meu crânio, tronco e membros:
a boca em tromba, espádua em asas negras
sorriso, em gargalhada má. Lusbel,

vês que a minha figura se assemelha
à tua, tu que foste o meu modelo
orgulhoso da luz que me cegou.