Assim como o ferro sai queimando da forma totalmente branco e em
brasa, aquecendo o ar e tudo o que toca, da mesma forma, e muito mais
fortemente, existe pena e malícia nos demônios, que são objetos dos atos de
suas potências. Pois assim como o fogo, a água, o ar e a terra contrastam-se
por corrupção nos corpos do homem doente ou morto, da mesma forma, e muito
mais, contrastam-se a memória, o entendimento e a vontade no demônio, e em tal
contraste existe paixão em toda aquela entidade, que supõe tudo o que sua
memória lembra, seu entendimento entende e sua vontade odeia. Logo, como sua
memória lembra, seu entendimento entende e sua vontade desama tantos objetos,
quem pode considerar esta pena? E quem pode considerar o tempo sem fim que
convém àquela pena durar incessantemente?
A pena espiritual é amar o mal em seu inimigo e saber existir
naquele um grande bem, e também querer multiplicar o mal onde está multiplicado
o bem. Os demônios têm esta pena, porque desamam todo o bem nos anjos benignos
e nos homens justos. Por isso, têm pena, porque os desamam no bem e os amam no
mal. Tal pena existe pela segunda intenção pois eles foram criados para que
pela segunda intenção amassem-nos e pela primeira intenção amassem a Deus.
Os demônios têm pena pelo mal que os homens pecadores cometem,
pois desejariam que tal mal fosse maior. E como o entendimento entende que
quanto maior mal faz o demônio, mais cresce sua pena pela Justiça. Por isso,
pela pena, sua vontade deseja fazer o mal, têm pena pelo mal não ser maior, porque
seu entendimento entende o mal e porque não entende uma mal maior. Logo, como
isso é uma pena tão grande, falta contar o trabalho que os demônios sustentam e
que são contrários à Justiça de Deus.
Ramon Llull. O Livro dos Anjos. Trad. Eliane Ventorim e Prof. Dr.
Ricardo Costa.
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