sábado, 26 de fevereiro de 2011

CHAMFORT: MÁXIMAS OU AFORISMOS




Há séculos em que a opinião pública é a pior das opiniões.


Para alguns homens, as ilusões sobre as coisas que lhes interessam são tão necessárias quanto a vida.


A calúnia é como uma vespa que o importuna e, contra a qual, não se deve fazer qualquer movimento, a não ser que se tenha a certeza de a matar.


A melhor filosofia, relativamente à sociedade, é a de aliar, a seu respeito, o sarcasmo da satisfação à indulgência do desprezo.


Aprendendo a conhecer os males da natureza, despreza-se a morte; aprendendo a conhecer os males da sociedade, despreza-se a vida.


Há duas coisas a que temos de nos habituar, sob pena de acharmos a vida insuportável: são as injúrias do tempo e as injustiças dos homens.


O prazer pode apoiar-se sobre a ilusão, mas a felicidade repousa sobre a realidade.


O prestígio sem mérito obtém considerações sem estima.


O público, o público, quantos tolos são precisos para fazer um público?

Nicolas Chamfort

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

VAGNER PITTA: O RENASCIMENTO DO JAZZ




Começa em 1981 o nascimento de um estilo que viriam a chamar de Neo-Bop. Mas afinal, o que é isso? Mais um rótulo de Jazz? -- devem ter reclamado os ecléticos e avessos a nomenclaturas. Wynton Marsalis, ainda magro, com 19 anos, impecavelmente vestido e com aquele "bigodinho de adolescente querendo ser adulto", apareceu, logo no seu primeiro disco, liderando alguns dos músicos mais importantes até então: eram eles o pianista Herbie Hancock, o baterista Tonny Willians e o contrabaixista Ron Carter, todos dissidentes do segundo grande quinteto de Miles Davis, um dos grupos do jazz moderno que mais haviam atraído a atenção dos holofotes especializados na década de 60.

A história começa quando o jovem Wynton, que já tinha recebido influências de Art Blakey, Freddie Hubbard e Woody Shaw em fins de 1979 (quando começou sua jornada no Art Blakey's Jazz Messengers), também integrou, em 1980/81, o grupo V.S.O.P, banda acústica do pianista Herbie Hancock, constituída anteriormente com Freddie Hubbard no trompete, Wayne Shorter no sax tenor, Ron Carter no contrabaixo e Tonny Williams na bateria, uma banda formada, portanto, para celebrar a música de Miles Davis, seus standards e temas que fizeram sucesso até meado dos anos 60, bem como temas dos próprios membros da banda. Na ocasião, numa turnê para a Europa e Japão, o jovem trompetista substituiu o veterano Freddie Hubbard e Branford Marsalis, seu irmão mais velho, ocupou o lugar do saxtenorista Wayne Shorter. Não deu outra: o jovem Wynton, que desde sua estréia em Nova Iorque se mostrara um proficiente solista e um ousado defensor da tradição, viu nesse grupo seu ponto de partida e sua inspiração para defender uma suposta identidade perdida do Jazz Moderno, fazendo frente contra o jazz fusion -- estética que iniciou com a fase elétrica do próprio Miles Davis -- e toda aquela música comercial que tomou o cenário norte-americano e acabou expurgando o Jazz acústico para os becos do ostracismo. Wynton percebeu, sobretudo, a importância que o quinteto de Miles tivera frente à evidência do quarteto de Ornette Coleman e de todas as outras bandas do free jazz, estética que mudou sobremaneira o conceito de improvisação na década de 60. Produzindo uma das roupagens mais bem elaboradas do Jazz Moderno, o Segundo Grande Quinteto de Miles foi deveras importante na evolução do Hard Bop para o início do Post-Bop, bem como na consolidação das estruturas modais dentro do improviso e da composição jazzística. Foi daí, então, que Wynton tirou a inspiração: partir de onde Miles tinha parado de tocar jazz acústico, convidando, justamente, os mesmos músicos do Miles Davis Quintet para partitipar do seu primeiro disco, o homônimo "Wynton Marsalis" de 1981.


Neo-Bop: o fantástico quinteto de Wynton

Gravado pelo selo Columbia (mesmo selo onde Woody Shaw e Miles tinham produzido suas obras-primas), o álbum foi um sucesso de crítica e alcançou a marca de mais de 100 mil cópias vendidas em seu primeiro ano de lançamento, uma vendagem que não acontecia desde a década de 60, o que mostrou para as grandes gravadoras que o Jazz parecia estar de volta: bastava, para isso, que elas investissem em jovens-talentos como Wynton Marsalis ou ligados a ele. Aliás, esse seu sucesso inicial parece ter sido a afirmação que ele buscava para ter certeza do caminho a seguir: tentar partir de onde Miles havia parado em 1968, quando deixou de tocar jazz acústico. No ano seguinte, então, Wynton formou seu próprio quinteto, grupo com o qual imprimiria um som bem alusivo ao jazz do Miles Davis Quintet da década de 60. Em sua primeira banda fixa Wynton, não só revelaria alguns dos mais brilhantes instrumentistas das últimas décadas, como também evidenciaria um novo e vigoroso estilo de jazz, chamado posteriormente de Neo-Bop. O quinteto tinha seu irmão Branford tocando sax tenor e soprano, o pianista Kenny Kirkland, o baterista Jeff Tain Watts e no contrabaixo se revezavam Ron Carter, Ray Drummond, Charnet Moffett, dentre outros grandes jovens e veteranos do instrumento. A grande "pegada" e sacada de Wynton foi exigir desse grupo uma nova abordagem ao bebop, hard bop e post-bop sessentista, com uma harmonia modal mais bem trabalhada e uma proliferação rítmica mais livre e violenta, sem abandonar de todo o swing: e nessa abordagem rítmica o baterista Jeff "Tain" Watts, com sua polirritmia e seu estilo explosivo inspirado em Tony Willians, foi a grande aposta. Para além da inspiração em Miles Davis, Wynton não só mostrou uma real evolução da composição modal, mas, com seu habitual virtuosismo, imprimiu uma versão enérgica e renovada do jazz moderno: vide suas composições originalíssimas, como "Chambers of Tain" e "Knozz-Moe-King" nos discos Think Of One (1983) e Black Codes: from the Underground (1985), bem como seus improvisos intrincados que evidenciaram um dos fraseados mais complexos da história do jazz. Consolida-se, então, o estilo Neo-Bop.


A briga entre irmãos: a dissolução do quinteto.

De 1981 a 1986 foi o período suficiente para Wynton Marsalis abalar e incendiar o cenários jazzísticos e os holofotes americanos, gravando 5 discos fantásticos e ganhando, com esses registros, uma considerável quantidade de prêmios como trompetista e compositor. Além do seu talento como trompetista e compositor, Wynton se mostrou um grande descobridor de talentos, revelando uma dezena de músicos que disseminariam o Neo-Bop e aquelas idéias revivalistas para o novo da década de 90. Na verdade, o músico que mais descobria talentos desde sempre, contribuindo para o novo cenário, era o baterista Art Blakey através do seu legendário Jazz Messengers -- Wynton Marsalis apenas seguiu o exemplo do mestre e passou a ser, ele próprio, uma espécie de líder e de exemplo para esses novos músicos que iam surgindo. Essa troupe de jovens, adicionada à quantidade de jovens músicos que as gravadoras passou a revelar, foi chamada de Young Lions. E essa volta do jazz acústico ao mercado fonográfico, proporcionada por uma nova efervescência de músicos e por um novo público, foi chamada de "Renascimento do Jazz". Mas é como diz o ditado: "o que é bom dura pouco". Mesmo sendo considerado uma espécie de força motriz do novo cenário -- lembrando que muitos críticos consideraram aquele "novo som" uma versão um tanto animadora, renovada e até progressista do jazz moderno --, mesmo tendo absoluto sucesso nos holofotes do mundo todo -- tanto através do jazz como dos seus álbuns como intérprete da música erudita -- Wynton Marsalis teria suas primeiras baixas da carreira ainda após sua estadia de cinco anos em New York. Após o lançamento do fantástico Black Codes: From The Underground, em 1985, o pianista Kenny Kirkland e o saxofonista Branford Marsalis anunciaram suas demissões do aclamado quinteto de Wynton para participarem de uma turnê com o ícone da música pop, o cantor Sting. A escolha do irmão -- talvez fundamentada em algum ganho comercial mais considerável -- abalou muito Wynton Marsalis, já que a sua grande missão era, justamente, fazer frente contra a música pop e não aderir-se a ela. Apesar dessa "má escolha", Branford mostrou que, depois de ter colaborado com o irmão durante aqueles 5 anos, seguiria agora seu próprio caminho. Wynton, por sua vez, lançou o último álbum de estúdio dessa primeira fase em 1986, o J Mood, gravado com um quarteto que revelou o grande pianista Marcus Roberts. Em 1987 ele ainda lançaria, com esse mesmo quarteto, o fantástico "Live at Blues Alley", um dos mais vibrantes registros ao vivo da história do jazz. Após esse período de seis anos de grande sucesso, ele começa a mudar seu estilo de trompete e de composição, dando início à uma ousada mudança na sua escrita composicional através do estudo incessante da tradição arcaica do jazz. Nessa fase de transição, Wynton lançou um ciclo de quatro discos ambientados no blues, uma série chamada Blues Cycle, fazendo um estudo do blues contemporâneo de New Orleans e já mostrando que tinha substituído Miles Davis por Louis Armstrong e Duke Ellington entre suas inspirações. Ademais, o saldo de contribuições que Wynton Marsalis estava levando para a década de 90 era grandioso: uma sequência primorosa de discos aclamados, um público jovem, renovado e disposto a deixar o pop de lado para embarcar naquela nova onda revivalista do jazz, bem como uma lista de músicos revelados e/ou impulsionados por ele que incluiam o pianista Kenny Kirkland, o saxtenorista James Carter, o contrabaixista Christian McBride, o baterista Herlin Riley, o pianista Marcus Roberts, dentre tantos outros.


Branford Marsalis Quartet x Wynton Marsalis Septet: direções diferentes.

Wynton Marsalis, segundo a maioria dos críticos e músicos da sua época, foi o grande responsável pelo renascimento do jazz acústico após seu grande ostracismo da década de 70. Mas após sua primeira fase no neo-bop, o trompetista rumaria para uma fase marcada por uma nova banda, um septeto, e por uma nova direção estilística. Para formar seu Wynton Marsalis Septet, o trompetista não quis chamar nenhum músico que não fosse antenado com a tradição pimária do jazz: para tanto, precisou viajar para New Orleans -- o berço do jazz e sua cidade natal --, onde descobriu grandes músicos como o baterista Herlin Riley (um dos preferidos de Ahmad Jamal), o saxofonista Todd Williams e o contrabaixista Reginald Veal. Essa nova fase, marcada por um revival à tradição arcaica e por muita ousadia composicional, foi marcada por grandes obras em torno de elementos primários como o blues, o gospel e o swing , baseando-se em Louis Armstrong, Duke Ellington, Charles Mingus e, por vezes, na Música Erudita (influenciado, por exemplo, por Stravinsky, Gershwin e Bartók). De 1989 à 1999, um período de dez anos, Wynton lançaria, com seu Septeto, obras de grande ousadia como In this House, On this Morning, Citi Movement e Marciac Suite, as quais fizeram do trompetista o maior compositor da sua geração. Não demorou muito, enfim, para que o Wynton Marsalis Septet também fosse considerada uma das maiores e mais uniformes bandas da história do jazz. Além da sua jornada gloriosa com o Septeto, Wynton afirmaria, ainda, sua posição de maior compositor e bandleader do seu tempo atraves das obras lançadas com sua big band, a Lincoln Center Jazz Orchestra: um exemplo é a magnífica obra Blood on The Filds, uma peça para big band e coro de três horas de duração, pela qual foi o primeiro e mais jovem músico da história do jazz a receber um Pulitzer Prize em 1997, entrando para o seleto e estrito rol de gênios compositores americanos como Aaron Copland e Milton Babitt. Esse feito proporcionou para que Wynton Marsalis se tornasse não só o maior compositor de jazz da sua geração, mas uma das novas promessas da composição no âmbito da música erudita americana, já que ele já vinha compondo obras de jazz com uma escrita e um arranjo severamente eruditos, dentre elas obras relacionadas ao balé moderno, tais como Citi Movement (escrita para o Septeto; lançada em 1992) e Sweet Release & Ghost Story (escrita para a Lincoln Center Jazz Orchestra lançada em 1999). Já no início desse século, Wynton Marsalis voltou a trabalhar com um novo quinteto (com Dan Nimmer ao piano, Walter Blanding aos saxofones, Ali Jackson na bateria e Carlos Henriquez no contrabaixo), bem como intensificou sua carreira como compositor erudito. As quatro principais obras desse período são: All Rise (Sinfonia Nº 1, de 2001, com a Lincoln Center Jazz Orchestra e a Filarmônica de Los Angeles), A Love Supreme (releitura da obra original de John Coltrane, arranjada em 2004 para a big band Lincoln Center Jazz Orchestra), From the Plantation to the Penitentiary (com o seu novo quinteto e a cantora Jennifer Sanon; lançado em 2007) e, por fim, a fantástica peça para big band, vozes e percussçao Congo Square (lançada com a LCJO mais a interação do grupo de Gana Odadaa!, um "ensemble" de percussão liderado por Yacub Addy).


Branford Marsalis, por sua vez, continuaria a trabalhar no estilo neo-bop com a mesma modernidade com a qual o seu irmão começara. Se Wynton revolucionara o Jazz e atingira a glória por fazer uma nova abordagem de som inspirada nos discos sessentistas de Miles Davis, agora seria a vez de Branford se consagrar inspirando-se em mestres como John Coltrane e Sonny Rollins. A partir de 1986, quando passou a dar ênfase à sua carreira solo, Branford começou a mostrar uma real evolução e refinamento como solista improvisador e como compositor, gravando alguns dos mais modernos e interessantes álbuns já produzidos por um saxtenorista nas ultimas décadas: dentre eles podemos destacar Random Abstract (1986), Crazy People Music (1990), Contemporary Jazz (2000), Footsteps of Our Fathers (album de 2002 com releituras à peças como "Freedom Suite", de Sonny Rollins, e "A Love Supreme", de John Coltrane), dentre outros. A receita foi a mesma: assim como Wynton partiu de Freddie Hubbard, Woody Shaw e Miles Davis, Branford passou a se inspirar em John Coltrane, Sonny Rollins até na fase inicial de Ornette Coleman, tendo a colaboração dos mesmos músicos que Wynton tinha revelado nos anos anteriores -- o pianista Kenny Kirkland, o contrabaixista Robet Hurst e o baterista Jeff "Tain" Watts --, formando com eles seu legendário e duradouro quarteto, banda com a qual trabalha até os dias de hoje (lembrando o conrabaixista Robert Hurst seria substituído por Eric Revis e o pianista Joey Calderazzo substituíria o grande Kenny Kirkland, falecido em 1998). Mas, paralelamente ao jazz acústico, Branford também passou a explorar outros caminhos além das fronteiras do jazz: além de sua participação com Sting, colaborou com legendas as mais diversas como Grateful Dead, Gangstarr, a English Chamber Orchestra, Bruce Hornsby, B.B. King; trabalhou em produções cinematográficas colaborando com Spike Lee no filme "Mo' Better Blues," e "Sneakers"; foi responsável pela produção musical do programa televiso "Tonight Show"; e ate fundou um grupo legendário de jazz-rap, o Buckshot LeFonque, com o qual gravou o homônimo Buckshot LeFonque (1994) e Music Evolution (1997), dois álbuns legendários do gênero. Contudo, em seus discos acústicos, Branford procurou exaltar, sobretudo, a tradição do jazz moderno através do renovo que o neo-bop trouxera, enriquecendo, cada vez mais, a abordagem do sax tenor e soprano no jazz contemporâneo, imprimindo uma técnica e um refinamento artístico muito a frente de seus contemporâneos da década de 90. Inclusive, em meados da década de 90 Branford já era quase ou tão consagrado quanto seu irmão Wynton: excursionando em todo o EUA e em todo o mundo tanto como lider de banda como solista principal de orquestras sinfônicas, aparecendo na TV, divulgando a tradição jazzística e participando do júri do Instituto Thelonious Monk, instituição que, ano a ano, elege as grandes revelações do Jazz em seus respectivos instrumentos. Quando Joshua Redman foi eleito o maior saxtenorista-revelação (1993) deixando para traz Eric Alexander, Branford estava lá entre os mestres que o elegeram.

GALERIA JAZZ

(Dave Douglas)

GALERIA JAZZ

(Terence Blanchard)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

EDIR PINA DE BARROS: POEMA




NOTURNA

Sorvendo a seiva dessas minhas dores,
Eu vou cerzindo sonhos esgarçados,
Outrora dentro em mim acastelados,
Replenos de ilusões, de mil alvores...

Sonhos tecidos co’s sedosos fios
daquele amor que era minha luz,
que agora a tantas dores me conduz,
causando em mim tamanhos desvarios...

Os inumados sonhos meus, quimeras,
Razão de meu viver em outras eras,
São fontes de penares, dissabores.

Hoje mergulho em mil brumais tristezas,
Num mar de pranto, mágoas, incertezas,
Sorvendo a minha dor e os seus licores...

AMBER: POEMA




Leva a chave...

De repente me dizes: "Já vou!
Já não mais me fazes sorrir...
Possuo outros sonhos de amor,
amantes... manhãs no porvir"!

Se vais, eu não choro, nem nego
Recuso a deixar-te um entrave
Fecho a porta - à inércia me entrego
se não queres do sonho esta chave!

Ao lançar neste mundo teus passos
tens certeza: Não duras sozinho!
E terás de momento um abraço
o calor - mas jamais algum ninho...

Eu não deixo rancor nos teus lábios
se soletro no adeus doce beijo
pois de amor, quero a rosa e o calvário
Eu te amo... porém partir, deixo!

Quer a pompa de outro horizonte?
Estás farto de melancolia?
Não sou água mais pura das fontes
mas te oferto minha pouca alegria!

Vai sem medo, feliz em tua andança
Acostumo-me à ausência e seus males
Em silêncio eu reservo a esperança:
- vais embora, mas leva tua chave!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

POETA JORGE ELIAS NETO: CONSIDERAÇÕES SOBRE VANGUARDAS E TRADIÇÃO POÉTICA




Para tudo existe um peso, uma medida e uma visão distorcida

Caro Hilton, agradeço-lhe por ter lançado o embrião deste texto nos emails que trocamos nos últimos dias. É instigante tentar discutir o “arquivamento”, por parte do que muitos denominam vanguarda, da poesia parnasiana e romântica. Refleti um pouco, consultei alguns guardados e acabei escrevendo algo. Não quero chover no molhado, mas vamos lá!...

O movimento modernista cumpriu um papel fundamental na evolução da poesia, não quero enumerar prós e contras; vicissitudes; vieses; mas digo que ganhou-se muito em liberdade; em uma linguagem mais nossa, brasileira; ganhou-se com o surgimento de uma geração de poetas excepcionais. É aí que se inicia, no meu entendimento, um problema que é recorrente na história humana. Muitos entendem que os homens (vamos extrapolar um pouco) estão em constante processo de evolução; ascensão. Fico com o paleontólogo Sthephen Jay Gould que diz que isso não ocorre. Existem momentos; existem homens que se destacam. Existem as evoluções tecnológicas, científicas ...Mas os problemas, as redundâncias, os caminhos tortos, a incoerência, persistem. E por que não estender esta observação para a poesia?
Sigamos...

Veio então o movimento concreto que se estabeleceu como o novo ícone a perseguir. Não sou um adepto de ant’olho da proposta concretista. Mas por várias questões “bebo” da fonte em meus escritos. Embora não tenha me aprofundado conceitualmente na proposta dos irmãos Campos e Décio Pignatari (para citar os cânones Nacionais) podemos dizer que esta geração foi uma visionária, compondo muito bem com a nova Ordem Mundial. É inconteste como nesse momento de imagem, mídias múltiplas, velocidades e conhecimentos envelopados e pré-digeridos, a poesia que advém desta vertente encontra espaço para fácil difusão. Como trabalho com pesquisa e costumo guardar artigos científicos antigos, posso dizer o mesmo dos artigos e regras para publicação atual: textos rápidos, concisos, sintéticos ...

E o que isso tem com a verdadeira ojeriza existente em relação a poesia parnasiana e romântica? Será necessário restringir a estes movimentos literários do século XX e aos seus seguidores o crédito de tanta indiferença? Não creio que seja tão simples. Vou tentar enumerar o que penso:

1- Aspectos históricos – Não podemos deixar de contextualizar; de lançar mão de textos clássicos que sinalizaram, já no final do século XIX, para o fim do romantismo (vou me concentrar na poesia romântica). Em 1879, Machado de Assis dizia: “esse dia, que foi o Romantismo, teve as suas horas de arrebatamento, de cansaço e por fim de sonolência, até que sobreveio a tarde e negrejou a noite”. Machado de Assis tentou explicar esse desdém no ensaio a Nova Geração, atribuindo-o a dois fatores: a) não se produzia mais poesia romântica de qualidade – aquele “ lirismo pessoal [...] era a mais enervadora música possível, a mais trivial e chocha”, que “chegara efetivamente aos derradeiros limites da convenção, descera ao brinco pueril, a uma enfiada de coisas piegas e vulgares” e b) o desenvolvimento das ciências modernas havia provocado o aparecimento de idéias e sentimentos incompatíveis ou muito diferentes daqueles da geração anterior – “ há uma tendência nova, oriunda do fastio deixado pelo abuso do subjetivismo romântico e do desenvolvimento das modernas teorias científicas”. Sei que este posicionamento é típico do fascínio do homem frente ao racionalismo e materialismo que bancou tantas transformações na virada do século passado. Mas, como disse, as questões existências; a alma, plena de fascínio e sortilégios; o caos e o absurdo clamam pela poesia ...

2- Um século de verdadeiro desprezo; de argumentos depreciativos, convincentes, por vezes sofismáticos; de fatos históricos que modularam, induziram gerações a distanciar-se (não podemos ignorar a crueza dos eventos e das justificativas para o afastamento dos poetas) dos preceitos do romantismo.

3- A falta de comprometimento com a poesia. Não necessitamos ter como objetivo primário compor poemas com métrica e rima. Não, realmente não necessitamos. Mas, aquele que encara a escrita com seriedade deveria percorrer, ao menos com olhar e reflexão, o caminho dos seus predecessores. É muito interessante... Admiramos os romances escritos ao longo dos séculos. Lemos Cervantes, Goethe, Balzac, Vitor Hugo, Leopardi, Flaubert e assim por diante. Mas consideramos “menos” ler os poetas parnasianos e românticos... No mínimo um contra senso. Não esqueçamos Drummond: poesia é coisa séria ...

4- Todos podem se expressar. Todos podem compor seus poemas... Bom seria termos um mundo de poetas e leitores de poesia !... Mas ...Agora entro em território poeirento e polêmico ... São muitos os que escrevem “poemas”. Aqueles que se expressam através de poemas. Seus pares os admiram; são seus leitores ... Não sei se estou certo, mas lanço aqui uma hipótese que me ocorreu e é um verdadeiro paradoxo: a grande maioria dos que escrevem poemas (escritores ocasionais, confessionais, situacionais) são despreparados para tal (e não estão nem aí), querem apenas externar sentimentos. E o fazem utilizando rimas melosas. Um pseudo-romantismo que colabora para o descrédito por parte daqueles que efetivamente se dedicam a elaboração de seus poemas.

5- Mas cabe um complemento para o que disse acima. O movimento modernista foi um habeas corpus, “asccendeu uma luz de esperança nos olhos de innumeros sujeitos doidos para ser poetas, mas sem muito traquejo para manejar as formas” com bem disse Glauco Mattoso em recente texto publicado no Portal Cronópios. E é isso o que vejo: embora existam indivíduos que compõe seus poemas seguindo preceitos tanto românticos quanto modernistas, sempre predominaram (mesmo hoje este grupo é expressivo) os que primam pela rima. Entretanto não posso ser passional a este respeito. Esta claro que o aconchego da ausência de regras, que adveio do modernismo, tem cada vez mais seduzido essa imensa legião de indivíduos, certamente bem intencionados, mas sem preparo (e agora acomodados por encontrarem-se ladeando os preceitos vigentes em nossos tempos para o fazer poético) para a composição de bons poemas. Como diz Deleuze: “O que é grave, não é atravessar o deserto, tendo a idade e a paciência para isto; grave é para os jovens escritores que nascem no deserto, porque correm o risco de verem sua empreitada anulada antes mesmo que aconteça”.

Para tudo existe um peso”. O peso dos tempos, das gerações, das editoras – da mão forte do capital. Peso este que muitas vezes não combina com poesia, mas interfere na coletividade. Felizmente existem aqueles que, como você (jovem, estudioso e comprometido), empreendem esforço; horas de estudo dedicada a poesia romântica. Você me falou do neo-romantismo ... Se este movimento existe e tem consistência – que seja bem vindo! Deixo um fragmento do texto “A função social da poesia” escrita por TS Eliot que não deve ser ignorado:

É verdade que o sentimento religioso varia naturalmente de país para país, e de época para época, assim como o faz o sentimento poético; o sentimento varia, mesmo quando a crença, a doutrina, permanece a mesma. Mas esta é uma condição da vida humana, e é da morte que estou apreensivo. É igualmente possível que o sentimento pela poesia e os sentimentos que são o material da poesia possam desaparecer em todos os lugares: o que talvez ajude a facilitar aquela unificação do mundo que, para o bem deste, algumas pessoas consideram desejável.”

Para tudo existe uma medida”. Quando li o ensaio em que Poe descreve a “formula” que utilizou para escrever “O Corvo” não acreditei. Mas restou uma certa tristeza ... Seria este efetivamente o caminho? Uma fórmula leva ao poema ? Seria o ritmo pré-estabelecido; a medida, aquilo que faria um poema perfeito – seria esta a chave da emoção? Ou seria o “ranço” que trago contra o poema com métrica e rima que pairou como uma sombra e me faz sub-dimensionar o que já valorizo inconscientemente?...

Será realmente verdade essa história de 1% de inspiração e 99% de transpiração? Não estão insistindo demais em trazer os números para a poesia? Uma babaquice de dizer de um esforço extremo para se compor o poema?

Sei que também os extremos fazem parte da estatística. Uso este aforismo que escrevi para dizer que tanto aqueles que transpiram demais e se inspiram demais também fazem parte do universo dos poetas; mas não acreditam que representem a maioria absoluta de nós. Ora, e onde se encaixariam os outros loucos em potencial?

Para tudo existe uma visão distorcida”. Gosto do final deste aforisma. De certa forma me liberta; desarma meus potenciais críticos na medida em que assumo poder estar distorcendo os fatos ... Mas lembrem-se: pode também ser perfeitamente distorcida a imagem daqueles que se lançam em uma batalha contra a poesia que prescinde de métrica...

Lembremos – e isso eu digo sempre – da nossa irrelevância relativa. Não sejamos imediatistas; não façamos parte dos tantos que se deixam contaminar pelo “poder da comunicação”, como bem diz Foucault; façamos nosso trabalho – isto é o que verdadeiramente importa. É necessário “ressuscitar os mortos” e quando não mais existirmos diante de tanta leitura e colagens, quando o processo de desconstrução estiver completo, quando tornarmo-nos sombra (e não devem ser muitos os que se propõem empreender este percurso) quem sabe não nos deparemos, lúcidos – ou totalmente malucos – , com nosso estilo de compor poemas.

Quem sabe seja a esperança uma simples questão de instinto de sobrevivência. E estejamos lutando uma batalha perdida, injusta, absurda. Travar uma “guerra justa” de nada acrescenta ao futuro da poesia. Penso sinceramente que o poeta deve buscar na poesia um legado sem tragédia.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

ROMMEL WERNECK: POEMA




TRÊS ESTROFES

As flores não florescem no inverno
Apenas a relva branca predomina
No cemitério do tédio eterno,
Onde a tortura de viver não termina!


Escuridão, o Sol foi-se embora?
Trevas, por que cobristes tudo?
O tempo destruiu a doce flora
E nas águas me afoguei para sempre!


O eclipse era lindo, mas escureceu...
As sombras fecharam toda a luz
No labirinto em que se perdeu
Aquele que nunca mais a vida conheceu...

FLORBELA ESPANCA: POEMA




NÃO SER


Quem me dera voltar à inocência
Das coisas brutas, sãs, inanimadas,
Despir o vão orgulho, a incoerência:
- Mantos rotos de estátuas mutiladas!


Ah! arrancar às carnes laceradas
Seu mísero segredo de consciência!
Ah! poder ser apenas florescência
De astros em puras noites deslumbradas!


Ser nostálgico choupo ao entardecer,
De ramos graves, plácidos, absortos
Na mágica tarefa de viver!


Ser haste, seiva, ramaria inquieta,
Erguer ao sol o coração dos mortos
Na urna de oiro duma flor aberta!...

SOPHIA DE MELLO ANDRESEN BREYNER: POEMA

(Tàpies)



A PURA FACE

Como encontrar-te depois de ter perdido
Uma por uma as tardes que encontrei
O ser de todo o ser de quem nem sei
Se podes ser ao menos pressentido?

Não te busquei no reino prometido
Da terra nem na paixão com que eu a amei
E porque não és tempo não te dei
Meu desejo pelas horas consumido

Apenas imagino que me espera
No infinito silêncio a pura face
Pr'além de vida morte ou Primavera
E que a verei de frente e sem disfarce

ALBERTO DA CUNHA MELO: POEMA



CASA VAZIA

Poema nenhum, nunca mais,
será um acontecimento:
escrevemos cada vez mais
para um mundo cada vez menos,

para esse público dos ermos
composto apenas de nós mesmos,

uns joões batistas a pregar
para as dobras de suas túnicas
seu deserto particular,

ou cães latindo, noite e dia,
dentro de uma casa vazia.

CLAIRE MINUET: POEMA



DUO

Não me conheces os lábios claros
E autênticos, não me verias chorar
Vertendo o que para mim são caros,
Tanto, que tu não poderias notar...

Estas dores dos meus sonhos raros,
Dos meus magros monstros de luar,
Têm o instinto dos temidos faros
Que farejam quem não pode me amar!

Porque estamos na cidade do Sol,
Caminhando sem bússola ou farol,
Imbuídos de efêmeros assuntos;

Tu não vês que tenho a mácula ardil
De comportar neste meu corpo vil
Dois amores que nunca estão juntos?

AMBER: POEMA





ONDE SEPULTEI TEU PARAÍSO

onde sepultei teu paraíso?
onde eu andara enquanto adormeceste?
por que de meus carinhos esqueceste?
tua fala traz o pranto, e não sorriso!

onde me afastei da tua estrada?
talvez os dias se perderam nas passadas
enquanto versos me tomavam o pensamento
eu vi desejo despontar num sopro lento!

prostrei e esqueço: incinerei as juras
quem sabe o viço esmoreceu no fogo eterno
e a luz do sonho amor invade - outrora cego!

desfiz os laços! Nada resta: só amargura
tu eras anjo! hoje um reles mortal vivo!
não volte à praia onde enterrei teu paraíso!

sábado, 5 de fevereiro de 2011

HOMENAGEM AO POETA LÊDO IVO











LÊDO IVO: POEMA



SONETO DA MORTE

Levado para longe pelo impulso
da vida, vi-me frente à rosa breve
da morte que cantava no meu pulso
qual se, morto, me fosse a terra leve.

Nenhum tremor senti ao vê-la olhar-me
como o sol para o sol do diamante,
amei-a por ser minha e não bastar-me,
durando em mim apenas um instante.

Oh rosa negra e branca, desejei
que, sendo morte, fosse como a vida
que, embora passageira, segue a lei

do eterno, e como o eterno é consumida.
Vem, morte que em mim brilha, e sê a estrela
de cinco pontas que em meu céu cintila.

LÊDO IVO: POEMA



SONETO AO TEMPO

Por ser tempo, é que o tempo não me basta
e se escoa, cantante, pelas margens
da vida feita de água que o arrasta
para o mal-entendido das viagens.

E leva tudo em seu roldão, deixando
perdido o tempo achado, como a fonte
se perde no existir, e vai cantando
entre as pedras e os bosques do horizonte.

Quadrante do real, ó velho espelho
dos dias, debruçado em ti, me vejo
igual e diferente, moço e velho,

sonho a que me assemelho no desejo.
E o tempo, eternidade decaída,
é meu contemporâneo, sendo a vida.

LÊDO IVO: POEMA

(Turner)




O ARREBOL

Assim eu quero o dia: a promessa da vida
no chão em que se abriga um passo errante
escondido entre as folhas pálidas do outono.

Seja o meu dia a proa de um navio
sob a luz indecisa que antecede a descoberta,
a nuvem que se alastra no chão arroxeado.

Porta fechada, o dia me encerra e me cativa
para que eu viva e morra e morra e viva
no profundo arrebol de uma aurora perpétua

e em meus olhos se crave, flecha, a luz do mundo.

LÊDO IVO: POEMA

(Turner)



A ACEITAÇÃO

Quem não aceita a chuva e deblatera o vento
ignora a realidade: em seu retorno o granizo
não se faz anunciar. O que é sucessivo
é real. A luz suspensa amplia a zona de sombra
no quarto onde a cama em desalinho
exibe os sinais da repetida luta desigual
entre a ilusão e a certeza, o gesto e a voz,
e talvez o silêncio estarrecido. E além das vidraças
está sempre o dia dilapidado pela chuva
e pelo vento que arrasta folhas e gravetos.
É o desfolhado dia dos homens, feito de água e terra,
e de passos que avançam no caminho invernal.

LÊDO IVO: POEMA




DEVOLUÇÃO

O dia me devolve o horizonte
que a noite apaga. Eis porque amo o sol
que, toda manhã, faz pousar em meus olhos
os meus pertences: árvores, água e montanha.
Só reclamo da luz o que ela pode dar-me.
Respiro o cheiro da madeira serrada.
Piso o orvalho esquecido na grama
onde palpita a pássaro amoroso.
A luz é uma pedra. No excesso de si mesma
ela me guarda, quente e fiel
como um ninho escondido na folhagem.

Hoje sou eterno e consinto em morrer.

LÊDO IVO: POEMA



O PÓ

Atinjo a aldraba da porta
e o mar canta em minha mão.
Jamais eu podia saber
que mesmo em abril a hora pertence ao tempo.

Domei-te, jovem tigre, no dia ululante.
Juntei-me à querela de glória do mar.
Prendi astros nas fibras de minha rede.

O essencial sempre ficou fora de meu alcance,
um punhado de pó na mão fechada,
a resposta da poeira à minha ambição.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

RUY ESPINHEIRA FILHO: POEMA



ESSAS COISAS

Há uma rua sempre iluminada
pelo olhar da infante bem-amada

(em seu dedo, aro de ouro e uma pedra
que brilha doutro jeito: um grão de treva).

Há um dia vasto sobre dois amigos
capazes de amar coisas como rios.

Há uma palavra injusta e a tarde muda:
o crepúsculo é só um frio agudo.

Há outra palavra que não chega a som
e torna a alma uma brisa vã.

Há uma valsa nos corpos enlaçados
e nela o giro para nunca mais.

Há uma casa no ar, em sombra e calma,
onde o nosso fantasma se agasalha

e, num velho pijama de doente,
medita nessas coisas lentamente.

DALTO FIDENCIO: POEMA




ELA

Olhares se cruzaram
Sentimentos despertaram
Palavras fluíram
Lado a lado caminhamos
Me senti um Querubim
Pois em cada instante ao seu lado
As nuvens calçaram meu caminho.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

EDIR PINA DE BARROS AO SOM DE MADELEINE PEYROUX


NOSTALGIA

Andeja solitária dessas ermas sendas,
A semear o pranto em forma de poesia,
Eu levo dentro em mim a dor da nostalgia,
Cantada em tantos versos, tantos mitos, lendas!

Caí, ó, nostalgia, nos teus véus e rendas,
Nas fendas das saudades, da melancolia
Daquele mui distante e tão ditoso dia
Que recebi dos Deuses tão sublimes prendas!

Das prendas que, na vida, recebi dos céus
De todas, a melhor, foi conhecer o amor
Que hoje vive em mim em forma de saudade...

E se distante vai a minha mocidade
Replena de paixões, de sonhos, de fulgor,
Agora eu tenho a ti, os teus sedosos véus!


Recomendo a leitura desse belo soneto ao som da música Love And Treachery da cantora Madeleine Peyroux http://www.radio.uol.com.br/

AFFONSO ROMANO SANT'ANNA: POEMA

(Luiza Maciel Nogueira)



Limites do Amor

Condenado estou a te amar
nos meus limites
até que exausta e mais querendo
um amor total, livre das cercas,
te despeça de mim, sofrida,
na direção de outro amor
que pensas ser total e total será
nos seus limites da vida.

O amor não se mede
pela liberdade de se expor nas praças
e bares, em empecilho.
É claro que isto é bom e, às vezes,
sublime.
Mas se ama também de outra forma, incerta,
e este o mistério:

- ilimitado o amor às vezes se limita,
proibido é que o amor às vezes se liberta.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE: POEMA

(Luiza Maciel Nogueria)




CARTA

Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelheci: Olha, em relevo,
estes sinais em mim, não das carícias

(tão leves) que fazias em meu rosto:
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que ao sol-posto
perde a sabedoria das crianças.

A falta que me fazes não é tanto
à hora de dormir, quando dizias
“Deus te abençoe”, e a noite abria em sonho.

É quando, ao despertar, revejo a um canto
a noite acumulada de meus dias,
e sinto que estou vivo, e que não sonho.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

CECÍLIA MEIRELES: POEMA





CANÇÃO DO AMOR-PERFEITO

O tempo seca a beleza,
seca o amor, seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.

O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.

O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa mortuária.

Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra, Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas.

CECÍLIA MEIRELES: POEMA



CANÇÃO PÓSTUMA

Fiz uma canção para dar-te;
porém tu já estavas morrendo.
A Morte é um poderoso vento.
E é um suspiro tão tímido a Arte...

É um suspiro tímido e breve
como o da respiração diária.
Choro de pomba. E a Morte é uma águia
cujo grito ninguém descreve.

Vim cantar-te a canção do mundo,
mas estás de ouvidos fechados
para os meus lábios inexatos
– atento a um canto mais profundo.

E estou como alguém que chegasse
ao centro do mar, comparando
aquele universo de pranto
com a lágrima da sua face.

E agora fecho grandes portas
sobre a canção que chegou tarde.
E sofro sem saber de que Arte
se ocupam as pessoas mortas.

Por isso é tão desesperada
a pequena, humana cantiga.
Talvez dure mais do que a vida.
Mas à Morte não diz mais nada.