sábado, 25 de junho de 2011

ENTREVISTA COM W. J. SOLHA



(W. J. Solha como Pilatos em "Auto de Deus", João Pessoa)









1 – Quando ocorreu seu contato inicial com a literatura?


R – Por volta de 63, 64. Tive um sonho que me impressionou muito e o transcrevi, com lápis e papel, ao acordar. Como não tinha máquina de escrever, datilografei-o antes do início do expediente na agência do Banco do Brasil de Pombal, alto sertão da Paraíba, passei o texto a um colega que já fizera teatro na capital e lia muito. Ao terminar a leitura, ele disse: “Que conto, cara!” Reagi ingenuamente: “Conto não, Bezerra: isso foi um sonho que tive esta noite”. Ele enviou a matéria para um amigo seu, de João Pessoa, professor de literatura, que estava justamente preparando uma antologia à base de mimeógrafo e, de repente, me vi entre poetas e contistas nacionais de grande porte. Estimulado a produzir mais, senti que me faltava leitura para tanto. Foi aí que me valeu a grande quantidade de gente culta que – surpreendentemente - havia no lugar onde não havia nenhuma biblioteca. Tomei emprestado montes de livros de deus e do mundo. Lá mesmo ainda tentei escrever um romance, que deu em nada, envolvi-me com teatro, eu e esse mesmo Bezerra produzimos o primeiro longa-metragem paraibano de ficção em 35 mm – “O Salário da Morte”, dirigido por Linduarte Noronha, famoso pelo documentário “Aruanda”, mola-mestra do Cinema Novo e, somente quando me vi trabalhando em João Pessoa, resolvi encarar novamente o gênero romance e fiz o “Israel Rêmora”, que obteve o Prêmio Fernando Chinaglia, em 74, que resultou na publicação do livro pela Récord.


2 – Quais são suas influências literárias e artísticas?


R – O “Israel Rêmora” foi escrito por dois motivos: o chefe de meu setor no BB, ouvindo-me contar as mil e uma coisas que vivera no sertão, disse-me que, se eu botasse aquilo tudo num livro, ele o compraria. Coincidiu que eu estava maravilhado pela leitura de um volume de contos de Hemingway – “As Aventuras de Nick Adams” – quase todo autobiográfico, fascinante por sua imensa simplicidade temática e técnica. O autor que mais me deslumbrara até então, Tolstói, dissera algo a respeito do “Guerra e Paz” que também me impressionara muito: “Nada há nesse meu livro que eu não tenha vivido”. Somadas as coisas, fiz o “Israel”.


3 – Qual a sua visão sobre o grande Nordeste, em sua dimensão cultural?


R – Quando cheguei do interior de São Paulo – Sorocaba – e me vi numa região da qual tinha as piores impressões, o impacto contrário foi de tal monta, que me senti como se houvesse mudado de país. Que vivia noutro, mais criativo, delirante. O Nordeste – acho que por ser a única área do Brasil sem contato com vizinhos estrangeiros – isolara-se na grande originalidade que acabaria gerando Jorge Amado, Guimarães Rosa, João Ubaldo Ribeiro, Raimundo Carreiro,. Gláuber Rocha, Graciliano, Zé Lins, Vladimir Carvalho, Gilberto Freire, Luiz Carlos Vasconcelos, Kléber Mendonça Filho, Marcelo Gomes, etc, etc, etc.


4 – Como pólo geográfico do romance Relato de Prócula, comente sobre a Paraíba e sua dimensão literária e artística.


R – Um dia o jogador Edmundo, furioso com o juiz, chamou-o de Paraíba. A revolta, aqui, foi enorme. Ocorreu-me, então, a ideia de propor a um de nossos jornais, que sempre colocasse na capa de seu caderno de arte dos domingos o retrato de página inteira de um paraibano de nome nacional. Levei, como amostra, o de Ariano Suassuna, que eu acabara de pintar para meu painel “Homenagem a Shakespeare”, pertencente ao acervo da UFPB ( como se ele fosse Touchstone – o histrião inteligentíssimo de “Como Gostais” (As You Like It). “Mas isso teria vida curta”, disseram-me, ao que lhes estendi uma relação de 70 personagens ilustres do estado, pois já esperava o questionamento. Daí minha série, que começou com “Pense grande como o paraibano Assis Chateaubriand, que fundou os Diários Associados, o Museu de Arte de São Paulo e a TV brasileira”; “Pense grande como o paraibano Pedro Américo, o maior pintor acadêmico do país, autor dos célebres Grito do Ipiranga e Batalha do Avaí”; “Pense grande como o paraibano Ariano Suassuna, autor da peça O Auto da Compadecida e do romance A Pedra do Reino”; pense grande como o paraibano Walter Carvalho, o maior diretor de fotografia do Brasil, autor de trabalhos como “Central do Brasil” e “Lavoura Arcaica”; “Pense Grande como a paraibana Marcélia Cartaxo, urso de ouro do Festival de Cinema de Berlim por sua Macabeia em “A Hora da Estrela”. E vieram, em seguida, José Américo de Almeida, que revolucionara a literatura nacional com “A Bagaceira”; Zé Lins e seus famosos “Menino do Engenho” e “Fogo Morto”; Vladimir Carvalho, com seus grandes documentários “O País de São Saruê” e “Companheiros Velhos de Guerra”; o ator Zé Dumont; o poeta Augusto dos Anjos; o maestro José Siqueira (fundador da Orquestra Sinfônica Nacional); Celso Furtado, nosso maior economista, etc, etc, etc. Não é uma terra excepcional? Pequenina, a Paraíba detém o maior número de gênios por metro quadrado no Brasil.


5 – O que é ficção e realidade no Relato de Prócula?


R - Bem, havia um Padre Martinho em Pombal. Coloquei-o fazendo Pilatos num espetáculo ao ar livre, aqui em João Pessoa, coisa que fiz durante três anos. Coloquei-o tentando o suicídio – coisa que um amigo, jornalista, fez. Coloquei-o imaginando ter feito curas, coisa que aconteceu comigo. Alguns outros personagens do romance - Dr. Atêncio Wanderley (o homem mais culto que já vi) e Horácio (que trabalhou comigo no filme “O Salário da Morte”)- foram, realmente, grandes amigos meus, ambos já falecidos. Por fim, coloquei o padre tendo vários insights sobre Cristo, na verdade vividos por mim.


6 – Você realmente ficou naquela região para a pesquisa referente ao romance? Toda referência ao cinema é sua?


- Vivi em Pombal de 1963 a 1970. Casei-me lá. Lá eu tive meus dois filhos. Lá fiz literatura, teatro, cinema, fui ator nas duas áreas. Além de trabalhar no filme pombalense, participei de “Fogo Morto” e “Soledade”, rodados no estado nos anos 70, depois num curta baseado em livro meu, “A Canga”, dirigido por Marcus Vilar (com mais de vinte prêmios, nacionais e internacionais ) e. no final do ano passado, participei dos longas pernambucanos “O Som o Redor”, de Kléber Mendonça Filho, e “Era uma vez Verônica”, de Marcelo Gomes. Encerrei o ano com o curta “Antoninha” - no sertão da Paraíba, de Laércio Ferreira. Todos três com estreia marcada pro segundo semestre.


7 – Comente sobre a dimensão intertextual presente na narrativa do Relato de Prócula.


R – Meu grande problema, nesse romance: equilibrar a história que se passa na Paraíba contemporânea, com o tal relato de Prócula, mulher de Pilatos, em que se revela uma nova interpretação do que teria sido Jesus, possivelmente cidadão romano como Herodes, como historiador judeu Flavio Josefo, como o filósofo Filon de Alexandria (cujo sobrinho ainda iria ocupar o cargo de Pôncio em Jerusalém). Eu já trabalhara o tema no meu romance “A Verdadeira Estória de Jesus”, publicado pela Ática, em 79, romance que nasceu de um ensaio que eu submetera justamente ao verdadeiro Padre Martinho, lá em Pombal, que ficou desconcertado com minhas teorias.


8 – No Relato de Prócula, o livro parece desempenhar uma função social integradora e reveladora da cultura numa perspectiva humanista, ou seja, como desdobramento do homem como um ser instaurador do sentido, da significação. Penso na grande biblioteca do personagem Padre Martinho e toda sua simbologia. Comente sobre essa temática.


R – Meu personagem padre mantém uma biblioteca e cinemateca respeitável, em seu sítio, em Pombal, abertas ao povo, e sua paixão pelo cinema, nascida quando viu Linduarte filmando “Aruanda” na infância, depois “O Salário da Morte”, na juventude, levam-no a dar entrevista no Programa do Jô, no final do romance, capítulo inspirado na que deu um outro paraibano fantástico- Ivan Cineminha – capaz de responder qualquer coisa sobre a Sétima Arte. É nesse espaço que Padre Martinho diz à sua terra, Pombal, que não mais é um padre.


9 – Comente sobre seu premiado poema Trigal com corvos.


R – Meu primeiro romance, “Israel Rêmora”, é feito com poesia e prosa. Depois de cada capítulo, contado na terceira pessoa, vemos um poema, na primeira pessoa, em que o fato é, de certo modo, comentado. Voltei a fazer poesia, agora de cordel, em 1978, quando escrevi o texto da “Cantata pra Alagamar”, do maestro José Alberto Kaplan ( a primeira em língua portuguesa), gravada pela Marcus Pereira, de São Paulo. Bem, aí houve um certo tempo, em minha vida, em que senti vontade de trabalhar com palavras livres de narração. Habituado, no entanto, ao trabalho de maior fôlego do romance, optei por um poema longo. Passei mais de uma década lutando com o livro, indo e voltando a ele, fiquei entre os finalistas de um Prêmio Nestlé com ele, retrabalhei-o, retrabalhei-o, até que não consegui burilar mais nada e o lancei. O primeiro a conhecer meus originais foi o Affonso Romano de Sant´Anna, que me mandou enorme e-mail elogiando-o. Depois que o livro saiu, recebi dezenas de comentários entusiásticos e o Prêmio da União Brasileira de Escritores de 2005. Foi uma grande experiência. Tanto, que depois de terminar o “Relato de Prócula”, resolvi encerrar a vida mergulhando noutro poema longo – “Marco do Mundo” – que meus 70 anos indicam destinar-se a ficar incompleto e, por conseguinte, inédito.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

GALERIA JAZZ

(Ornette Coleman)

MURILO MENDES: POEMA




(Franz Kline)





ALGO



A Maria da Saudade


O que raras vezes a forma
Revela.
O que, sem evidência, vive.
O que a violeta sonha.
O que o cristal contém
Na sua primeira infância.

MURILO MENDES: POEMA

(Franz Kline)




PASSÁROS NOTURNOS


Pássaros noturnos:
Ao longe balançam o canto obscuro
Pois nas grutas profundas se encolheram
E nos maciços de árvores.
Pela noite seu canto oblíquo
Na soledade do silêncio
Configura-os a bichos desconhecidos,
São provisoriamente outros bichos
Nascidos sem lei nem forma
Do intocado abismo e da folhagem.
Pássaros fantasmas,
Pássaros noturnos
Anunciadores de uma vida livre
Cujo segredo ao nosso ouvido escapa,
Uma vida de ignota relação.


quinta-feira, 16 de junho de 2011

ENTREVISTA COM O ROMANCISTA KARLENO BOCARRO








1 – Como ocorreu seu contato inicial com a literatura?




Ainda criança. Meu pai era um grande leitor, embora não tivéssemos muitos livros em casa. Éramos pobres; minha infância foi difícil. Uma época triste, não trago boas lembranças. Um dia ele me presenteou com Os Contos dos Irmãos Grimms, uma edição completa. Acho que isso hoje não é mais permitido, alguns contos dos Grimms traumatizam a criança. Além de ofender certa crítica literária de vertente feminista, segundo a qual os contos dos Grimms perpetuam uma dominação machista, a sujeição e a passividade femininas. Ou de teor marxista: a injustiça social e a opressão de classe é resolvida por meios mágicos, o que escamotea a realidade da luta de classes. Ou que a intenção dos irmãos Grimms era educar as crianças, mas para a sociedade burguesa, para a ideologia da concorrência desenfreada típica do capitalismo. Engraçado era que meu pai era marxista, mas ele não enxergava tão longe. Para ele, o livro era bom e merecia a minha atenção. Mas eu até posso entender algumas dessas ressalvas, aquelas de que alguns contos são em demasia “adultos”. Originalmente esses contos se destinavam realmente ao público adulto; a intenção dos Grimms era preservar a tradição camponesa oral alemã. Há contos de confrontação com a morte, de estranhos duendes (Rumpelstilskin), ansiosos por almas ingênuas, pactos demoníacos, pais que dão os filhos em troca de prosperidade, bruxas, dragões… Eu adorava esses contos, os mais pesados. Mas lia-os de dia. À noite tinha medo, muito medo; todos os bichos perversos presentes nos contos importunavam-me o sono. Contudo, acho que valeu a pena tanto pavor na infância. Os Grimms são a primeira, e permanente, influência na minha literatura. Por exemplo, no meu romance – bem como nos outros –, As Almas que se Quebram no Chão, a presença do demonismo, de obsessões, do horror, é fundamental. Como escreve James Joyce: “Terror é o sentimento que arrasta a mente à presença de tudo que seja grave e constante nos sofrimentos humanos e o unifica com a causa secreta”.



2 – Quais são suas influências literárias e quais autores contemporâneos você destacaria?




Além dos grandes, aqueles que sempre estamos relendo, Homero, Shakespeare, Cervantes, e de um livro imprescendível a qualquer escritor que se preze, falo das Sagradas Escrituras, destaco as modernas literaturas russa e norte-americana. Mas porque elas não rejeitam o sobrenatural, o mítico, a abertura à transcedência, o mistério que é a realidade. É óbvio que aqui generalizo, há escritores americanos, tais como John Steinbeck, Sinclair Lewis, que se preocupam em entender a psicologia e o comportamento humanos num contexto social. Isso não me interessa! A visão de mundo que me instiga é aquela da tragédia, da epopéia… O homem em meio a forças gigantescas; Deus e o demônio lutando por sua alma, e ele instigado a cada segundo a tomar um partido. Infelizmente o romance moderno, em especial, o europeu, e somos influenciados por ele, rompe com esta visão de mundo. O seu interesse é o mundo secularizado; o romance se aproxima perigosamente do jornalismo, pois o que anseia é retratar os aspectos sociais, cotidianos, da vida moderna. Ora, alinho-me ao grande Dostoiévski e sua visão de Shakespeare. Para ele, o “realismo” de W. Shakespeare não se limitava a uma imitação empobrecedora da vida cotidiana; o bardo inglês era para ele um profeta enviado por Deus “para nos proclamar o mistério do homem e da alma humana”. Estou justamente com os dois, com esta percepção.
Autores contemporâneos… Cito os vivos: Philip Roth, Mario Vargas Llosa, Thomas Pynchon, J. M. Coetzee… Mas nenhum me dá tanto prazer, e remói a alma – suas palavras são profundas, sombrias, traiçoeiras –, quanto Cormac McCarthy. Ele é o meu contemporâneo favorito.



3 – Comente sobre a temática de seu romance “As almas que se quebram no chão”.




Há uma frase de Goethe que muito aprecio: ele afirma que se temos um destino, a percepção de que estamos a cumprir um, então, nosso dever é viver esse destino. Bem, os personagens de meu romance, ao contrário, tendem a fugir das próprias responsabilidades. A escolha é pela diversão, mas de maneira inconsequente. Ignoram que um modo de sair-se bem nos estudos (eles são estudantes na época da queda do muro de Berlim) , ou na vida de um modo geral, é tomar cuidado com as experiências extremas, as convivências supérfluas, os lugares obscuros. Um parêntesis: talvez eu seja supersticioso, mas para mim um quarto, uma casa, um prédio abandonado, pode ser sim um lugar ruim. Uma influência de minhas primeiras leituras, a dos Grimms? É bem provável. Então, são pessoas de vidas desperdiçadas, e embora passem por crises interiores constantes, recusam a experiência da conversão. Conversão aqui entendida com a postura apropriada de seriedade para com as coisas da vida. E seguem adiante, mas para espalhar erros por onde passam. Essa é a temática do livro. Mas essas pessoas, como personagens, podem ser, e são, fascinantes. Talvez pela razão de que assim é o homem, assim somos nós. Somente alguns poucos, por uma graça inexplicável, conseguem fazer algo de si: criar algo duradouro e amar desinteressadamente.
E como pano de fundo de seus dramas coloquei o evento mais significativo de nosso tempo, a queda do Muro de Berlim; um tempo que se estende à unificação da Alemanha. Além de Berlim, os personagens transitam por Leipzig, Moscou; há viagens a Praga, na República Tcheca, alguns acabam em Amsterdam, buscam a Romênia, outros retornam para o Brasil, continuam no Nordeste… Enfim, o livro tem um aspecto épico que muito me agrada. Esforcei-me para fazer um bom trabalho, espero ter conseguido.



4 – Você prepara um novo romance denominado “O Advento”. Comente sobre sua temática.




Comecei O Advento antes de ter As Almas que se Quebram no Chão publicado. Mas é que não consigo passar muito tempo sem escrever. Assusta-me a vida sem a literatura! Se n’As Almas… os personagens são estetas, n’O Advento dou um passo adiante, a discussão é ética. Explico: no meu curso de filosofia em Berlim ocupei-me bastante com Nietzsche e Kierkegaard. Fiz um seminário sobre o Entweder/Oder (o título em alemão de sua obra-prima: Ou… Ou…), onde Kierkegaard discute as fases da existência, a estética e a ética, a partir de uma questão aristotélica: Como devemos viver? O “esteta” é aquele que assume conscientemente uma vida descompromissada, recusando os deveres e as responsabilidades que para o “ético” são fundamentais. No meu livro, essa discussão gira em torna da paternidade. Aderbal Semei, o personagem principal, um escritor de um livro só, a recusa como um incômodo aos seus projetos pessoais. Uma posição que entra em choque com o que a namorada espera; ela quer ter filhos. Partindo de uma ideia completar, colhida em Dom Quixote – o episódio do Curioso Impertinente – e n’O Eterno Marido, de Dostoivéski, Semei passa, numa mistura de sentimentos confusos – tara, recusa às reinvidicações da amada, simples deboche –, a desejar que a namorada se apaixone por um amigo em comum.
Os aspectos sombrios, os quais, como eu disse, prezo bastante, giram em torno da ideia de maldição. É comum, entre os personagens d’O Advento, desejar o pior ao outro… Semei é um personagem bíblico! No Segundo Livro de Samuel, lemos que ele encontra Davi, o qual se encontra em fuga de Saul, e passa a amaldiçoá-lo; segue uma trajetória considerável atrás de Davi lançando-lhe as mais terríveis imprecações. O meu Semei é algo parecido, embora ele sofra mais… A maldição nele parece ser uma punição de Deus, a pior coisa que possa acontecer a um homem. Se ele a merece, e como vai lidar com isso, o livro revela, ou deixa em aberto ao leitor.



5 – Em uma de suas entrevistas você diz: “Sem a ajuda de fontes importantes do conhecimento – a fé, a tradição, a revelação, a experiência de santos e místicos – corremos o risco de cairmos o tempo todo, como se tateássemos no escuro, próximo ao abismo da morte.” Qual o papel da literatura em um tempo onde as grandes tradições são renegadas por estéticas experimentais e pela perspectiva niilista que parece assolar toda forma de pensamento?




Não acho que as estéticas experimentais são um problema… William Faulkner, por exemplo, usa muito bem , em sua literatura, técnicas modernas de narrativa. O experimentalismo se torna um problema quando o norte é a novidade pela novidade. O que, no caso, não é norte. É bússola sem rumo, leva o barco para o abismo. O problema dos artistas hoje é que eles acham que a arte começa com o Dadaísmo. No Brasil, com a Semana de Arte de 22. E tudo o que há antes é, para usar uma frase de Plutarco, “areais estéreis, infestados de bestas selvagens”. Então, o artista gira os olhos para inovações, embriagando-se de superficialidades. Meu Deus, como eu posso escrever prosa e poesia decentes sem o conhecimento dos clássicos? Posso, mas encho mais ainda de porcarias um mundo já saturado de asnice. O nihilismo é consequência desse empobrecimento da cultura. Concluindo, eu diria que a realidade das coisas, o próprio sentido da existência, não podem ser compreedidos ao menos que estejamos prontos para mergulhar no vasto universo da tradição, a qual, no nosso caso, significa o legado judaico-cristão e greco-romano.




sexta-feira, 3 de junho de 2011

MARQUÊS DE MARICÁ: MÁXIMAS V






633- A verdade é tão simples que não deleita: são os erros e ficções que pela sua variedade nos encantam.

634- Somos de ordinário caridosos porque nos reconhecemos passíveis, como os objetos da nossa compaixão.

666- Os homens nos parecerão sempre injustos enquanto o forem as pretensões do nosso amor-próprio.

669- Não damos de ordinário maior extensão à nossa beneficência, do que julgamos convir ao nosso interesse.

688- Em os nossos revezes, queremos antes passar por infelizes, do que por imprudentes, ou inábeis.

697- A intriga é um labirinto em que de ordinário se perde o seu mesmo autor.

699- Quando não podemos gozar a satisfação da vingança, perdoamos as ofensas para merecer ao menos os louvores da virtude.

715- O mentiroso só tem sobre o homem verídico a vantagem da invenção.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

MARQUÊS DE MARICÁ: MÁXIMAS IV





479- É rara a verdadeira gratidão, porque são raros os genuínos benfeitores.


504- A admiração é uma das maiores prerrogativas da natureza humana.


506- Deve-se julgar da opinião e caráter dos povos pelo dos seus eleitos e prediletos.

509- A civilidade é uma impostura indispensável, quando os homens não têm as virtudes que ela afeta, mas os vícios que dissimula.

510- O sumário da vida humana são enganos e desenganos.

518- Há muitos homens que receiam ser desenganados pelo desgosto de parecerem crédulos ou tolos.

526- É tão fácil sentir a felicidade como é difícil defini-la.

531- O insignificante presume dar-se importância maldizendo de tudo e de todos.

551- O império mais poderoso e fatal que existe é o das circunstâncias.

553- Aflige-nos a glória alheia contrastada com a nossa insignificância.

581- A sinceridade imprudente é uma espécie de nudez que nos torna indecentes e desprezíveis.

604- A inveja, que abrevia ou suprime os elogios, é sempre minuciosa e prolixa na sua critica e censura.