domingo, 17 de junho de 2012

POESIA E REVELAÇÃO





Em fins de 1911, instalado pelos príncipes de Tour e Taxis, Rilke vai passar sozinho o inverno no Castelo de Duino. Um belo dia de janeiro, passeando às bordas de um penhasco sobre o Adriático, diz ter ouvido no vento o mistério de uma voz que lhe dizia: “Quem, se eu gritasse, me ouviria em meio à hierarquia dos anjos?” Eriçado, e ao mesmo tempo atônito com o milagre dessas palavras que lhe surgiam com a própria poesia desejada, o poeta as anotou e, e nesse mesmo dia, escrevia o primeiro movimento desse bloco sinfônico a que chamou Elegias de Duino. Tão temperados se achavam nele os motivos da obra em perspectiva que, em poucos dias, escrevia a segunda da série e o começo de quase todas as outras.



Mas o impulso cessou. Por dez anos Rilke calou-se, à espera de que nele as palavras encontrassem seu lugar exato no grande puzzle poético que se desencadeara. Em Paris, na Espanha e em Munique acrescentou fragmentos a algumas das elegias, sofrendo terrivelmente da descontinuidade com que a poesia se revelava. E não seria senão depois da Primeira Grande Guerra, no seu refúgio da Suíça, em Muzot, que num sopro de criação poucas vezes igualado, só comparável talvez a certos instantes de música e de pintura em Miguelangelo e Beethoven, escreveria em três semanas as oito elegias restantes, os 55 Sonetos a Orfeu e vários outros poemas a que chamou Fragmentarishes. Fora o último espasmo de vida nesse eterno, sereno moribundo. A Morte, sua amiga, desobjetivava-o poucos anos depois, como “um rio que leva”. Rilke recusou o médico: queria morrer a sua morte.





Vinicius de Moraes. Do livro Para viver um grande amor.




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