Em fins de 1911, instalado pelos
príncipes de Tour e Taxis, Rilke vai passar sozinho o inverno no Castelo de
Duino. Um belo dia de janeiro, passeando às bordas de um penhasco sobre o
Adriático, diz ter ouvido no vento o mistério de uma voz que lhe dizia: “Quem,
se eu gritasse, me ouviria em meio à hierarquia dos anjos?” Eriçado, e ao mesmo
tempo atônito com o milagre dessas palavras que lhe surgiam com a própria
poesia desejada, o poeta as anotou e, e nesse mesmo dia, escrevia o primeiro
movimento desse bloco sinfônico a que chamou Elegias de Duino. Tão temperados
se achavam nele os motivos da obra em perspectiva que, em poucos dias, escrevia
a segunda da série e o começo de quase todas as outras.
Mas o impulso cessou. Por dez
anos Rilke calou-se, à espera de que nele as palavras encontrassem seu lugar
exato no grande puzzle poético que se desencadeara. Em Paris, na Espanha e em
Munique acrescentou fragmentos a algumas das elegias, sofrendo terrivelmente da
descontinuidade com que a poesia se revelava. E não seria senão depois da
Primeira Grande Guerra, no seu refúgio da Suíça, em Muzot, que num sopro de
criação poucas vezes igualado, só comparável talvez a certos instantes de
música e de pintura em Miguelangelo e Beethoven, escreveria em três semanas as
oito elegias restantes, os 55 Sonetos a Orfeu e vários outros poemas a que
chamou Fragmentarishes. Fora o último espasmo de vida nesse eterno, sereno
moribundo. A Morte, sua amiga, desobjetivava-o poucos anos depois, como “um rio
que leva”. Rilke recusou o médico: queria morrer a sua morte.
Vinicius de Moraes. Do livro Para viver um grande amor.
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