(William Turner)
O SÓLIDO EM ÁGUA SE DESFAZ
Cores demais severas hoje me atam
a este crepúsculo infindo.
Guarnecem-no
os fatais sortilégios, pesadelos.
Tudo aqui arde, é tudo áspero
sonho.
Árdua e cálida noite se aproxima.
Saudarei nesse instante os que
chegaram,
brandindo evangelhos e sentenças;
também os que sumiram neste chão.
Nuvens não faltarão de longa
espreita.
Retalhos de memória estilhaçaram
o que em mim foi profético e que,
flor,
se fez escória, pó tangido pelo
vento.
Porque só existe de valor no
mundo
o que em cristais de ausência se
dissolve.
Lembrarei esta máxima provada
em meu vagar de porto para porto.
Enquanto agita um voo de gaivota
o céu claro, o Atlântico me doa
um cardume de luto imensurável,
que jamais sumirá no sal dos
mares.
Mar que me segue para sempre,
rastro
de quereres febris, deixa que
sonhe
a alma intrépida, em senda de
soluços,
rota de fel em perdidos paraísos.
Deixa a alma perder-se; deixa que
a inunda
o reflexo perene das estrelas;
deixa-a sumir em ti, haste de
espuma,
imersa em alquimia de pretéritos.
Deixa que, água, ela em água se
desfaça.
Líquido mito, o brilho
transpareça
estranho olho que aguarda em
labirintos
ansiado tropel de outros
minotauros.
Do livro Poesia reunida e
inéditos. Ed. Escrituras.
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