sexta-feira, 22 de junho de 2012

ENTREVISTA COM IVO BARROSO




IVO BARROSO nasceu em Ervália-MG e reside no Rio desde 1945. Formado em Direito e em Línguas e Literaturas Neolatinas. Foi assistente do Editor das enciclopédias Delta-Larousse, Mirador e Século XX. Editor-adjunto do Suplemento Literário do JB, da revista Senhor e de Poesia Sempre (da Biblioteca Nacional). Publicou mais de 30 traduções de grandes autores entre romancistas como Hermann Hesse, Georges Perec e Jane Austen, e poetas como William Shakespeare, T.S. Eliot, William Blake e Arthur Rimbaud. Seus livros de versos, Nau dos Náufragos (1982) e Visitações de Alcipe (1991), foram ambos editados em Portugal, onde foi editor da revista Seleções do Reader´s Digest. No Brasil publicou A Caça Virtual e outros poemas (2001, finalista do prêmio Jabuti de poesia daquele ano), editado pela Record. Organizou os livros Poesia e Prosa, de Charles Baudelaire (Nova Aguilar, 1995) e À Margem das Traduções, de Agenor Soares de Moura (Arx Editora, 2003). Escreveu O Corvo e suas traduções (Nova Aguilar, 2000 – agora em 3ª edição, 2012, pela LeYa-SP) e Poesia Ensinada aos Jovens (Tessitura-BH, 2010).




1) – Como ocorreu seu contato inicial com a literatura?

O Tesouro da Juventude.               

2) – Como você vê a cena literária – prosa e poesia - contemporânea no Brasil?   

Muita publicação, pouca qualidade.


3) – Como você vê a relação entre Tradição e movimentos de vanguarda, sejam eles no âmbito da literatura – prosa e poesia, música ou artes plásticas? É possível diálogo entre a Tradição e as vanguardas, ou uma obra de invenção deve ser necessariamente uma obra de ruptura?

A vanguarda de hoje será a tradição de amanhã.

4) – Como você vê a importância dos movimentos Modernista de 22 e do Concretismo para o desenvolvimento da literatura brasileira e seu suposto endeusamento quanto aos aspectos positivos? Não estaríamos em tempo de crítica avaliativa sobre a verdadeira contribuição desses movimentos e seus prejuízos em relação às estéticas do romantismo, simbolismo e parnasianismo para a literatura brasileira?

O movimento modernista marcou de certa forma a literatura brasileira, passamos a escrever à moderna ou à antiga. O concretismo não chegou a ser um movimento. Foguete coreano que cai apagado no quintal. Não há hoje rigorosamente ninguém no mundo inteiro escrevendo poesia concreta.

5) – O crítico literário Antônio Cândido, afirmou que todo país possuiria um representante máximo de sua literatura, um escritor que encarnasse a identidade cultural de seu país, sobretudo no âmbito da linguagem, e citou como exemplos nomes como Cervantes na Espanha, Goethe na Alemanha, Dante na Itália, Borges na Argentina, Camões em Portugal. O mesmo afirmou que o Brasil não possuiria essa figura máxima em sua literatura, talvez dois nomes, Guimarães Rosa e Machado de Assis. Qual sua opinião sobre essa questão? O que pensar de um nome como o padre Antonio Vieira?

Sou mais o Machado. Rosa está deixando de ser lido e Vieira na verdade nunca foi.

6) – Quais são os desafios, especificações e diferenças quanto a tradução de obras em prosa e poesia?

Quanto ao condicionamento ético a observar (fidelidade ao texto, correção vocabular, configuração estilística, etc), não há rigorosamente diferenças entre traduzir prosa ou poesia. Para esta última, no entanto, são requeridas algumas condições especiais do tradutor: em primeiro lugar, que seja poeta, que conheça os mais diversos estilos poéticos, a técnica do verso – mesmo quando se tratar da tradução de versos livres). Não consigo imaginar a tradução de um poema feita por alguém que nunca tenha escrito poesia. O resultado será necessariamente prosaico.

7) – Como você vê a relação entre obras traduzidas de outro idioma, sobretudo grandes clássicos da prosa e poesia, e sua importância para o crescimento cultural de um país ao tornar acessível essas obras ao leitor que não domina o idioma original?

Há pelo menos uma dúzia de frases consagradas sobre a importância da tradução no relacionamento cultural dos povos. A tradução como ponte... como passaporte... etc. Sem essas transposições a literatura de um país ficaria restrita à sua produção nacional, que necessariamente não contém a variedade nem a abrangência do conjunto das demais literaturas. Nunca me espanto com o número esmagador de obras estrangeiras traduzidas em relação às publicadas, no mesmo período, por nossos autores. O excesso é sempre benéfico: no meio do lixão importado vem sempre alguma coisa que serve de estímulo ao conhecimento e à produção locais.

8) – Como tradutor, quais são os escritores mais complexos em termos lingüísticos e temáticos que você traduziu?

A vida, modo de usar, de Georges Perec, pela sua variedade estilística, abrangência de assuntos, vocabulário concreto foi uma tradução –digamos – trabalhosa. Já traduzir Rimbaud, exigiu a permanência num estado de expectativa poética, principalmente quanto As iluminações, onde qualquer vacilo elimina ou amortece o impacto fraseológico e a vibração sensorial do texto.

9) – Dois grandes poetas franceses estão traduzidos em nosso idioma, Rimbaud, em tradução de sua autoria, e Baudelaire, em tradução de Ivan Junqueira. Qual a importância da presença desses escritores para nossa literatura?

Não só a de Baudelaire e Rimbaud, mas a presença de qualquer grande criador é imprescindível para a literatura como um todo. A obra deles se torna patrimônio comum através da tradução. Daí a universalidade de um Shakespeare, de um Dante, de um Victor Hugo.

10) – Também dispomos da obra completa do poeta T.S. Eliot em nosso idioma, cuja poesia foi traduzida por Ivan Junqueira, e o teatro traduzido por você. Qual a importância da presença desse escritor para nossa literatura?

Eliot pode ser considerado um desses expoentes de nosso tempo. O mesmo se dá com Joyce. Cada vez mais são traduzidos em todos as línguas, deixando de ser escritores de língua inglesa para se tornarem ícones universais.

11) – Comente sobre seu último livro intitulado O Corvo e suas traduções, de Edgar Allan Poe.

Trata-se de um livrinho sem maiores pretensões, não chega a ser um ensaio. Mas uma tentativa de provar criticamente e divulgar a tradução de O Corvo, de Edgar Allan Poe, feita por Milton Amado, um quase desconhecido, como sendo a interpretação mais adequada do poema, já tratado por vários outros tradutores.Mais que um problema de fidelidade é um caso de adequabilidade, de afinação instrumental.

12) – Em termos de tradução, parece existir em nosso país duas vertentes, a “transcriação”elaborada pelos concretistas Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Décio Pignatari e alguns de seus discípulos como José Paulo Paes ou mesmo Nelson Ascher, e uma tradução em muitos aspectos entendida como“Tradicional”, supostamente representada por Ivo Barroso, Ivan Junqueira e o falecido poeta Péricles Eugênio da Silva Ramos. Como você vê essa questão?

Para evitar qualquer mal-entendido, declaro desde logo que considero os irmãos Campos os maiores e melhores tradutores de poesia entre nós, pelos desafios que enfrentaram. Já disse que a Universidade de São Paulo devia recolher a obra deles num volume e distribuir a todos os tradutores de poesia.

Por outro lado, não vejo a existência de tais vertentes, ou qualquer conflito no que fazem os tradutores de poesia. O que alguns chamam de “transcriação” para mim é simplesmente “tradução”, ou seja, a tradução integral com observância da forma, do estilo, dos recursos, da qualidade poética. Sou contra a intromissão do tradutor na obra traduzida, seja para “melhorá-la”,atualizá-la, ou facilitá-la. O tradutor deve transladar o que está escrito e da forma como foi escrito – mantendo, evidentemente, o teor poético, mas não fazer um outro poema em cima do original. Queremos o autor (ou a sombra do) autor e não a pessoa que o traduz. Daí não fazer sentido falar em tradução de vanguarda e tradução tradicional: o que há é boa ou má tradução – e ponto.

13) – Comente sobre sua poesia e a possibilidade de um livro novo de poemas de sua autoria.

Em 2001 reuni tudo que me pareceu válido (digno de ser publicado) de minha produção autônoma, sem preocupações com épocas ou estilos, e fiz uma espécie de antologia (A Caça Virtual e outros poemas) que era, ao mesmo tempo, meu livro de estréia. Minha produção atual é muito escassa, mas recolho os versos para um (pouco) provável segundo livro, este certamente conservando uma certa unidade, já que os poemas serão da mesma época (atual). Mas não me importo de passar como autor de um único livro de versos. Tenho boas companhias.



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