(Monet)
ODE À TARDE
A tarde é isso.
Um estado-maior de silêncios,
coisas sustadas,
luares diluídos e soltos,
franjas tecidas de chuva.
Tardes antigas
compartilham também destes ermos
feitos de ouro e melancolia.
A espada de Alexandre,
o orgulho de Cleópatra
e as estrofes de Omar Kayyan,
quantas vezes não se tocaram
por esse breve intervalo da luz
que distrai os topázios?
Silentes abrigos e sustos,
migrações repetidas,
relinchos paralelos ao vento
machucado e doce,
parecem somar com a desventura
e o trabalho anônimo das sombras.
Sutilezas do nada que se confia
a outro nada menor,
eclosão angular de sol rente,
seiva rubra,
labaredas do anoitecer.
Mas quase ninguém se encara
ou se reflete
nestes milhares de espelhos
que se entramam
na dor da paisagem.
Em nenhum deles, porém,
não é a mesma figura
que se vê repetida.
Perfis exumados da terra,
gorjeios feridos
e pássaros riscados do mapa,
voltam, por um momento,
e nos olham com piedade.
Todas as feras temidas pelo homem,
voltam também, de repente,
e rugem dentro de nós.
A noite, então, nos penetra
osso após osso.
Imponderável, enigmática tarde.
Tua flama compacta nos hospeda
e dá-nos o sossego desejado.
És também o arquipélago
de muitos confinamentos
e sulcados remorsos.
Tuas patas são leves,
teu ar é solene,
teus números são claros,
teu rosto é velado,
tua voz é distante.
Pausas e quedas súbitas
guardam tuas lendas
em cada pedaço de chão.
Entre a manhã das fanfarras
e a penumbra dos arcos,
alteia-se, enfim, o abutre espacial
deste azul tão azul,
que pronto nos inscreve e nos devora.
Afinal, somos tinta, tempo, imagem.
E ele – abutre –
o pergaminho insaciável.
Do livro A insônia dos grilos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário