(Bouguereau)
A NOITE
A noite além do véo da noite além
‘steve diante de mim. Seu corpo frio
era compacto e denso como um rio
que desce, eterno, donde a paz se vem.
Vi a noite fluídica. E ninguém
por testemunha: a noite, o desafio
das profundezas cósmicas, vazio,
sendo ela própria a nuvem que a sustém.
Qual, enfim, seu tamanho? A noite vista
da pequena janela da aeronave
sobre o mar antes verde ou de ametista.
Cobra Grande, mas logo evanescente,
enquanto se distrai muda-se em ave,
traz a manhã nos olhos de serpente.
SONETO AO DESERTO SELVAGEM
Árida a língua desse cão, deserto
do próprio osso, túnel que se deixa
passar à fúria da mais doce ameixa
rumo ao sono de pétalas coberto.
Assim a fera, lâmpago do incerto,
se lança à jugular; nenhuma queixa
da presa dócil que, sem ódio ou reixa,
nutre o verde do campo descoberto.
Não é só do deserto, mas de tudo
sobe um ar indescrito, este algo acima
do vôo do abutre, lá, silente e mudo.
Nos vegetais, nos ferros, no quintal,
onde cresta a papoula e nasce a rima,
tudo que é frágil sofre desse mal.
SONETO PARA E. M. CIORAN
É uma exceção a vida, é uma exceção
nossa dor de vazio e turbulência:
sair do nada quando tudo é ausência
da matéria que ilude o coração.
Vede o universo, o trágico arrastão
dos corpos duros, luminosa essência
que não tem húmus para a quintessência
de nossa humana decomposição.
Daí, talvez, a falta, essa rotina
de estarmos sós, tão sós que até nos cansa
a mofa, o planetário, a serpentina.
Nada além do que simples fantasia.
Qualquer estágio nutre uma esperança.
De qualquer solidão brota a poesia.
Os sonetos de Jorge Tufic são de primeira! Excelente seleção.
ResponderExcluirUm abraço.
Jefferson.