segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
ABGAR RENAULT: POEMAS
Sub specie aeternitatis
Vi-te, e vi a expressõ essencial
da forma, da graça e da luz.
Vi-te, e vi a trémula fragilidade do efêmero
vestida das roupagens do eterno.
Vi-te, e sobre mim baixou, vindo do teu céu,
uma fulguração de raio, que feriu de vertigem
o meu destino de distâncias e negações
e deixou meus olhos sem pálpebras
para outro sol que não seja o teu esplendor.
Vi-te, e abri meu ser emudecido
para elevar à tua altura este canto de exaltação.
Mas a minha voz morreu em silenciosas névoas
e o meu coração, arquejante, parou de pulsar,
porque te vi e, vendo-te, vi em ti
o sem-limite das cousas que só habitam os sonhos sonhados
depois do tempo e além da vida.
Encantamento
Ante o deslumbramento do teu vulto
sou ferido de atônita surpresa
e vejo que uma auréola de beleza
dissolve em lua a treva em que me oculto.
Estás em cada reza do meu culto,
sonhas na minha lânguida tristeza,
e, disperso por toda a natureza,
paira o deslumbramento do teu vulto.
É tua vida a minha própria vida,
e trago em mim tua alma adormecida...
Mas, num mistério surdo que me assombra,
Tu és, às minhas mãos, fluida, fugace,
como um sonho que nunca se sonhasse
ou como a sombra vã de uma outra sombra...
Soneto do impossível
Não ouvirás nem luz, nem sombra inquieta
das sílabas que beijam tuas asas,
nem a curva em que morre a ardente seta,
nem tanta eternidade em horas rasas.
Não medirás a bêbeda corola
que abriste no final do meu sorriso,
nem tocarás o mel que canta e rola
na insônia sem estradas onde piso.
Não saberás o céu construído a fogo,
que tua jovem chave cerra e empana,
nem os braços de espuma em que me afogo.
Não verão os teus olhos quotidiana
a minha morte de homem embebida
no flanco de ouro e luar da tua vida.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário