terça-feira, 10 de janeiro de 2012

ANTÔNIO ADRIANO MEDEIROS: POEMA

(Giulio Pipi)



UMA PRAGA SEXUAL

Praga da gota serena

quando não cega aleija.

Catimbó pra ter valor

leva o tempero da inveja,

e poeta de segunda

os veros versos sobeja.



Quando o sertão abreja

c'uma chuva de três dia

marreco no céu voeja,

faz serenatas a jia,

e vaqueiro aboiador

bota pra fazer poesia.



Quanto pega a cantoria

dá trabalho a terminar:

histórias do fim do mundo

novelo vai revelar

se o cego velho na feira

bota pra improvisar.



O leitor ouviu falar

em Chico de Bagafu?

Ou já usou um colar,

semente de mulungu?

Já viu gente se irritar

e mandar tomar no cu?



Me meti num sururu

lá na casa do Capeta.

Fui com Maestro Chiquito

- excelência da corneta

que já tocou na orquestra

do Velho Bode Perneta.



Girando qual carrapeta

menina querendo dar.

Cheia de paixão na alma,

o corpo inteiro a viçar:

se passar perto de mim

eu não posso dispensar.



A beleza de um olhar

em um rosto feminino

encanta que nem cristal

- olho d'água cristalino -

veio de lágrima, desejo,

força matriz do destino.



Quando Zefa de Rufino

deu cria à menina Rosa

choveu por bem 7 dia

lá no sertão de Viçosa;

por 3 semanas de feira

matuto foi todo prosa.



Cresceu a menina rosa

desabrochando o botão

da beleza que guardava

na forma com precisão:

seu semblante a quem o via

disparava o coração.



Ouvi dizer, no sertão,

que uma certa Benedita

- feia, gorducha e idosa -

chamava Rosa "A Maldita",

nela buscando vingar-se

da sua triste desdita.



Boneca de Afrodita

ela espetou pra Xangô;

acendeu seis vela preta,

uma galinha sangrou,

e a alma de Rosinha

ao Diabo encomendou.



Algum tempo se passou

antes da Revelação;

todos respeitavam Rosa,

lhe tinham muita afeição:

ninguém ali suspeitava

que tinha parte com Cão.



Apois foi na procissão

que Rosinha endoideceu.

Tomou cruz de mão de padre

e a todo mundo benzeu;

abriu os braço e gritou:

- "Aqui quem manda sou eu!"



Quando Rosa enlouqueceu

passou a noite a amar:

deu a matuto e letrado

e ao doutor do lugar.

Engravidou do vigário

de uma vila à beira-mar.



E mandaram me chamar

para uma internação.

Lá reinava a bacanal

- ímpetos, louca paixão -;

quem enrabava Rosinha

agora era o sacristão.



Ouvi a explicação

que sábio doutor me deu:

- "Teve uma revelação

aqui na casa de Deus:

o amor na comunhão

serviu a pobres plebeus;



mesmo os juramentos meus

ela jogou sobre o piso;

dou o meu depoimento

e assumo o prejuízo:

a beleza do seu corpo

desnudou meu desjuízo." -



Pra levá-la foi preciso

reforço policial.

Ouvi muitos palavrões

em protesto radical;

um brutamontes matuto

lá quis me quebrar no pau.



Eu consegui afinal

internar a tal Rosinha;

depois de bem medicada

ela ficou boazinha.

Está bem, a estudar

- vive insistindo em me dar,

mas não como a taradinha.



3 comentários:

  1. Bravo!!!
    Antônio Adriano é poeta sertanejo, da gota serena!...
    Uma produção vastissima e de uma lingua afiada das boas.
    Sonetista, cordelista, contador de estórias e histórias.
    Parabéns Hilton!

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  2. Gostei da dimensão satírica desses poemas...lembra os poetas barrocos...as sátiras de alguns bardos... Muito bom...já tem mais...

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  3. Agradeçemos, eu e minhas duas mulheres de bruma, estarmos numa casa e companhia tão nobres. As duas me pediram para dizer que não falam nada "mode a gente inté ter ficado mei onabulada"

    abraço,
    Antônio Adriano de Medeiros

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