(Franz Kline)
(cativo)
sorve; mero serviçal sem
absolvição, e sempre insone
à sombra do dono, que há de
alimentá-lo, qual um cão
desossado ou, qualquer, um
detalhe desagradável, ei-lo
anônimo esse móbile de nervos,
de ossos, que o é por si ou o
que talvez pudesse ser, se não
fosse só, a sós, esse ossário
frágil, mais outro escravo,
sem limo, sem sumo, sem caldo,
só o triste bagaço ressecado,
um astro escasso, mas tão magro
e gasto, quanto inadaptado
ao trabalho, diário e árduo,
à rotina mortal do horário.
(repartição)
os rituais estoicos do escritório, entre móveis
sólidos, ásperos e numerosos módulos, e os
funcionários, do rh ou contas a pagar, "boa
tarde", "volte sempre", as tantas cobranças que
o patrão reclama, avulsas, ouvindo a secretária
soluçar, aplicada às duplicatas, enquanto
convulsionam os números (necessário é discá-los
todos), o monstro é um patrão eletrônico, ao
invés de mãos, há troncos telefônicos; inaptos,
se matando aos poucos estes homens que
trabalham: um por um, inúteis,
caminham na calma
ao recinto sanitário, tomam pílulas diante dos
próprios rostos, projetados no mictório, findam
em suicídios tão limpos quanto burocráticos; as
máquinas permanecem a sós, sem ócio nem laços,
sem tempo, apenas relógios, sem sonho ou
delírio, apenas atrapalham, repetindo os mesmos
sinos; apenas trabalham, trabalham: com ódio.
(rendição)
nossos hábitos formulaicos,
acordar, dormir – o horário de
ir para o trabalho – de abrir o
armário; vestir-se – a vida
vista de frente, preâmbulo, sem
ângulos, sem ânimo, apenas o
sarcasmo diário, sem alarde, sem
contraste – café com açúcar; as
ruas assustam – a retina rendida
à rotina, só o cinismo insistindo ainda
o dia-a-dia – o
sono no ônibus lotado – só em
certa parcela da vida há vida —
terrível dízimo – uma ilha
vitimada nessa ciranda servil.
Und wo ist das Licht?
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