segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

AFFONSO ROMANO SANT'ANNA: POEMA




CATANDO OS CACOS DO CAOS


Catar os cacos do caos

como quem cata no deserto

o cacto

............ - como se fosse flor.



Catar os restos e ossos

da utopia

............ como de porta em porta

o lixeiro apanha

detritos da festa fria

e pobre no crepúsculo

se aquece na fogueira erguida

com os destroços do dia.



Catar a verdade contida

em cada concha de mão,

como o mendigo cata as pulgas

no pêlo

............ - do dia cão.



Recortar o sentido

como o alfaiate-artista,

costurá-lo pelo avesso

com a inconsútil emenda

à vista.



Como o arqueólogo

reunir os fragmentos,

como se ao vento

se pudessem pedir as flores

despetaladas no tempo.



Catar os cacos de Dionisio

e Baco, no mosaico antigo

e no copo seco erguido

beber o vinho

ou sangue vertido.



Catar os cacos de Orfeu partido

pela paixão das bacantes

e com Prometeu refazer

o fígado

............ - como era antes.



Catar palavras cortantes

no rio do escuro instante

e descobrir nessas pedras

o brilho do diamante.



É um quebra-cabeça? ............ Então

de cabeça quebrada vamos

sobre a parede do nada

deixar gravada a emoção



......Cacos de mim

......Cacos do não

......Cacos do sim

......Cacos do antes

......Cacos do fim



Não é dentro

............ nem fora

embora seja dentro e fora

..... no nunca e a toda hora

que violento

.....o sentido nos deflora.



Catar os cacos

do presente e outrora

e enfrentar a noite

com o vitral da aurora


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