domingo, 13 de fevereiro de 2011

POETA JORGE ELIAS NETO: CONSIDERAÇÕES SOBRE VANGUARDAS E TRADIÇÃO POÉTICA




Para tudo existe um peso, uma medida e uma visão distorcida

Caro Hilton, agradeço-lhe por ter lançado o embrião deste texto nos emails que trocamos nos últimos dias. É instigante tentar discutir o “arquivamento”, por parte do que muitos denominam vanguarda, da poesia parnasiana e romântica. Refleti um pouco, consultei alguns guardados e acabei escrevendo algo. Não quero chover no molhado, mas vamos lá!...

O movimento modernista cumpriu um papel fundamental na evolução da poesia, não quero enumerar prós e contras; vicissitudes; vieses; mas digo que ganhou-se muito em liberdade; em uma linguagem mais nossa, brasileira; ganhou-se com o surgimento de uma geração de poetas excepcionais. É aí que se inicia, no meu entendimento, um problema que é recorrente na história humana. Muitos entendem que os homens (vamos extrapolar um pouco) estão em constante processo de evolução; ascensão. Fico com o paleontólogo Sthephen Jay Gould que diz que isso não ocorre. Existem momentos; existem homens que se destacam. Existem as evoluções tecnológicas, científicas ...Mas os problemas, as redundâncias, os caminhos tortos, a incoerência, persistem. E por que não estender esta observação para a poesia?
Sigamos...

Veio então o movimento concreto que se estabeleceu como o novo ícone a perseguir. Não sou um adepto de ant’olho da proposta concretista. Mas por várias questões “bebo” da fonte em meus escritos. Embora não tenha me aprofundado conceitualmente na proposta dos irmãos Campos e Décio Pignatari (para citar os cânones Nacionais) podemos dizer que esta geração foi uma visionária, compondo muito bem com a nova Ordem Mundial. É inconteste como nesse momento de imagem, mídias múltiplas, velocidades e conhecimentos envelopados e pré-digeridos, a poesia que advém desta vertente encontra espaço para fácil difusão. Como trabalho com pesquisa e costumo guardar artigos científicos antigos, posso dizer o mesmo dos artigos e regras para publicação atual: textos rápidos, concisos, sintéticos ...

E o que isso tem com a verdadeira ojeriza existente em relação a poesia parnasiana e romântica? Será necessário restringir a estes movimentos literários do século XX e aos seus seguidores o crédito de tanta indiferença? Não creio que seja tão simples. Vou tentar enumerar o que penso:

1- Aspectos históricos – Não podemos deixar de contextualizar; de lançar mão de textos clássicos que sinalizaram, já no final do século XIX, para o fim do romantismo (vou me concentrar na poesia romântica). Em 1879, Machado de Assis dizia: “esse dia, que foi o Romantismo, teve as suas horas de arrebatamento, de cansaço e por fim de sonolência, até que sobreveio a tarde e negrejou a noite”. Machado de Assis tentou explicar esse desdém no ensaio a Nova Geração, atribuindo-o a dois fatores: a) não se produzia mais poesia romântica de qualidade – aquele “ lirismo pessoal [...] era a mais enervadora música possível, a mais trivial e chocha”, que “chegara efetivamente aos derradeiros limites da convenção, descera ao brinco pueril, a uma enfiada de coisas piegas e vulgares” e b) o desenvolvimento das ciências modernas havia provocado o aparecimento de idéias e sentimentos incompatíveis ou muito diferentes daqueles da geração anterior – “ há uma tendência nova, oriunda do fastio deixado pelo abuso do subjetivismo romântico e do desenvolvimento das modernas teorias científicas”. Sei que este posicionamento é típico do fascínio do homem frente ao racionalismo e materialismo que bancou tantas transformações na virada do século passado. Mas, como disse, as questões existências; a alma, plena de fascínio e sortilégios; o caos e o absurdo clamam pela poesia ...

2- Um século de verdadeiro desprezo; de argumentos depreciativos, convincentes, por vezes sofismáticos; de fatos históricos que modularam, induziram gerações a distanciar-se (não podemos ignorar a crueza dos eventos e das justificativas para o afastamento dos poetas) dos preceitos do romantismo.

3- A falta de comprometimento com a poesia. Não necessitamos ter como objetivo primário compor poemas com métrica e rima. Não, realmente não necessitamos. Mas, aquele que encara a escrita com seriedade deveria percorrer, ao menos com olhar e reflexão, o caminho dos seus predecessores. É muito interessante... Admiramos os romances escritos ao longo dos séculos. Lemos Cervantes, Goethe, Balzac, Vitor Hugo, Leopardi, Flaubert e assim por diante. Mas consideramos “menos” ler os poetas parnasianos e românticos... No mínimo um contra senso. Não esqueçamos Drummond: poesia é coisa séria ...

4- Todos podem se expressar. Todos podem compor seus poemas... Bom seria termos um mundo de poetas e leitores de poesia !... Mas ...Agora entro em território poeirento e polêmico ... São muitos os que escrevem “poemas”. Aqueles que se expressam através de poemas. Seus pares os admiram; são seus leitores ... Não sei se estou certo, mas lanço aqui uma hipótese que me ocorreu e é um verdadeiro paradoxo: a grande maioria dos que escrevem poemas (escritores ocasionais, confessionais, situacionais) são despreparados para tal (e não estão nem aí), querem apenas externar sentimentos. E o fazem utilizando rimas melosas. Um pseudo-romantismo que colabora para o descrédito por parte daqueles que efetivamente se dedicam a elaboração de seus poemas.

5- Mas cabe um complemento para o que disse acima. O movimento modernista foi um habeas corpus, “asccendeu uma luz de esperança nos olhos de innumeros sujeitos doidos para ser poetas, mas sem muito traquejo para manejar as formas” com bem disse Glauco Mattoso em recente texto publicado no Portal Cronópios. E é isso o que vejo: embora existam indivíduos que compõe seus poemas seguindo preceitos tanto românticos quanto modernistas, sempre predominaram (mesmo hoje este grupo é expressivo) os que primam pela rima. Entretanto não posso ser passional a este respeito. Esta claro que o aconchego da ausência de regras, que adveio do modernismo, tem cada vez mais seduzido essa imensa legião de indivíduos, certamente bem intencionados, mas sem preparo (e agora acomodados por encontrarem-se ladeando os preceitos vigentes em nossos tempos para o fazer poético) para a composição de bons poemas. Como diz Deleuze: “O que é grave, não é atravessar o deserto, tendo a idade e a paciência para isto; grave é para os jovens escritores que nascem no deserto, porque correm o risco de verem sua empreitada anulada antes mesmo que aconteça”.

Para tudo existe um peso”. O peso dos tempos, das gerações, das editoras – da mão forte do capital. Peso este que muitas vezes não combina com poesia, mas interfere na coletividade. Felizmente existem aqueles que, como você (jovem, estudioso e comprometido), empreendem esforço; horas de estudo dedicada a poesia romântica. Você me falou do neo-romantismo ... Se este movimento existe e tem consistência – que seja bem vindo! Deixo um fragmento do texto “A função social da poesia” escrita por TS Eliot que não deve ser ignorado:

É verdade que o sentimento religioso varia naturalmente de país para país, e de época para época, assim como o faz o sentimento poético; o sentimento varia, mesmo quando a crença, a doutrina, permanece a mesma. Mas esta é uma condição da vida humana, e é da morte que estou apreensivo. É igualmente possível que o sentimento pela poesia e os sentimentos que são o material da poesia possam desaparecer em todos os lugares: o que talvez ajude a facilitar aquela unificação do mundo que, para o bem deste, algumas pessoas consideram desejável.”

Para tudo existe uma medida”. Quando li o ensaio em que Poe descreve a “formula” que utilizou para escrever “O Corvo” não acreditei. Mas restou uma certa tristeza ... Seria este efetivamente o caminho? Uma fórmula leva ao poema ? Seria o ritmo pré-estabelecido; a medida, aquilo que faria um poema perfeito – seria esta a chave da emoção? Ou seria o “ranço” que trago contra o poema com métrica e rima que pairou como uma sombra e me faz sub-dimensionar o que já valorizo inconscientemente?...

Será realmente verdade essa história de 1% de inspiração e 99% de transpiração? Não estão insistindo demais em trazer os números para a poesia? Uma babaquice de dizer de um esforço extremo para se compor o poema?

Sei que também os extremos fazem parte da estatística. Uso este aforismo que escrevi para dizer que tanto aqueles que transpiram demais e se inspiram demais também fazem parte do universo dos poetas; mas não acreditam que representem a maioria absoluta de nós. Ora, e onde se encaixariam os outros loucos em potencial?

Para tudo existe uma visão distorcida”. Gosto do final deste aforisma. De certa forma me liberta; desarma meus potenciais críticos na medida em que assumo poder estar distorcendo os fatos ... Mas lembrem-se: pode também ser perfeitamente distorcida a imagem daqueles que se lançam em uma batalha contra a poesia que prescinde de métrica...

Lembremos – e isso eu digo sempre – da nossa irrelevância relativa. Não sejamos imediatistas; não façamos parte dos tantos que se deixam contaminar pelo “poder da comunicação”, como bem diz Foucault; façamos nosso trabalho – isto é o que verdadeiramente importa. É necessário “ressuscitar os mortos” e quando não mais existirmos diante de tanta leitura e colagens, quando o processo de desconstrução estiver completo, quando tornarmo-nos sombra (e não devem ser muitos os que se propõem empreender este percurso) quem sabe não nos deparemos, lúcidos – ou totalmente malucos – , com nosso estilo de compor poemas.

Quem sabe seja a esperança uma simples questão de instinto de sobrevivência. E estejamos lutando uma batalha perdida, injusta, absurda. Travar uma “guerra justa” de nada acrescenta ao futuro da poesia. Penso sinceramente que o poeta deve buscar na poesia um legado sem tragédia.

8 comentários:

  1. Essa importante contribuição do poeta e amigo Jorge Elias Neto sobre a questão das vanguardas e a tradição poética é consequência de nosso diálogo suscitado pela entrevista do poeta Derek Soares Castro. Obrigado, Jorge!

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  2. Sensacional, Hilton e Jorge! Este texto precisa ir para o Cronópios - muita gente precisa ler isso. :) Nunca li nada tão lúcido sobre o assunto. Abraços!

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  3. Embora tenha algumas restrições, o texto de Jorge Elias é muito lúcido e um mote para uma reflexão profunda sobre o assunto que ele memsmo afirma" poerento e polêmico".

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  4. Retirado de minha entrevista. Penso que ela e minha obra representem talvez meus comentários



    "A História da Literatura é progressista, prova disto é que temos inúmeras escolas e movimentos, o Romantismo, por exemplo, surgiu em oposição ao Arcadismo. Entretanto, os adeptos do novo movimento também promoveram o resgate cultural da tradição medieval e é justamente isto que queremos hoje, um Novo Movimento Parnasiano para promover resgate cultural sem ignorar a modernidade mostrando a todos que não existe estilo poético ultrapassado porque poesia não é a poesia de ontem ou a poesia nova, simplesmente é a poesia de sempre para sempre."

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  5. Talvez um dos grandes problemas na poesia contemporânea seja a imposição de paradigmas estéticos,sobretudo o paradigma oriundo do concretismo. Devemos também pensar até que ponto a obsessão pela inovação em termos de poesia seja necessária ou mesmo nociva para o fazer poético. Uma possível ruptura com toda a Tradição poética não passa de uma farsa...e muito do que se tem feito em termos de poesia reinvindica essa insensatez. A grande questão: a perda do senso estético.

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  6. Delimitação conceitual- perda do senso estético:uma poesia voltada apensas para o experimentalismo linguístico. Ausência de conteúdo temático, recusa do lirismo e das múltiplas manifestações do belo. Poesia vazia em sua dimensão semântica. Como exigir leitores de uma poesia que não proporciona nenhum sentimento estético no leitor?

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  7. O Modernismo trouxe como germe de seu movimento toda a recusa da Tradição poética em prol de uma possível “poesia” legitimamente brasileira, inovadora, experimentalista. Mais do que o Romantismo, foi justamente o Parnasianismo a grande vítima da infâmia dos Modernistas, sobretudo os Andrades (Mário e Oswald). Como conseqüência direta da Semana da Arte Moderna tivemos inúmeras gerações de estudantes recebendo uma verdadeira educação literária deturpada pela ideologia da suposta inovação como método para elaboração de uma poesia autêntica, além de toda calúnia presente nesses manuais e livros didáticos relacionados aos parnasianos. É evidente que a recusa e repulsa pelas formas fixas, pelos clássicos, foi decorrente do ataque ao parnasianismo por parte dos modernos, visto os parnasianos serem grandes mestres da forma fixa. Somente um país miserável como o nosso valoriza um poeta como Oswald de Andrade e esquece, despreza e repudia um Poeta como Raimundo Correa.

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  8. Pior são as palestras ministradas aqui em SP contestando conceitos da Teoria Literária e do Bom Senso

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