Começa em 1981 o nascimento de um estilo que viriam a chamar de Neo-Bop. Mas afinal, o que é isso? Mais um rótulo de Jazz? -- devem ter reclamado os ecléticos e avessos a nomenclaturas. Wynton Marsalis, ainda magro, com 19 anos, impecavelmente vestido e com aquele "bigodinho de adolescente querendo ser adulto", apareceu, logo no seu primeiro disco, liderando alguns dos músicos mais importantes até então: eram eles o pianista Herbie Hancock, o baterista Tonny Willians e o contrabaixista Ron Carter, todos dissidentes do segundo grande quinteto de Miles Davis, um dos grupos do jazz moderno que mais haviam atraído a atenção dos holofotes especializados na década de 60.
A história começa quando o jovem Wynton, que já tinha recebido influências de Art Blakey, Freddie Hubbard e Woody Shaw em fins de 1979 (quando começou sua jornada no Art Blakey's Jazz Messengers), também integrou, em 1980/81, o grupo V.S.O.P, banda acústica do pianista Herbie Hancock, constituída anteriormente com Freddie Hubbard no trompete, Wayne Shorter no sax tenor, Ron Carter no contrabaixo e Tonny Williams na bateria, uma banda formada, portanto, para celebrar a música de Miles Davis, seus standards e temas que fizeram sucesso até meado dos anos 60, bem como temas dos próprios membros da banda. Na ocasião, numa turnê para a Europa e Japão, o jovem trompetista substituiu o veterano Freddie Hubbard e Branford Marsalis, seu irmão mais velho, ocupou o lugar do saxtenorista Wayne Shorter. Não deu outra: o jovem Wynton, que desde sua estréia em Nova Iorque se mostrara um proficiente solista e um ousado defensor da tradição, viu nesse grupo seu ponto de partida e sua inspiração para defender uma suposta identidade perdida do Jazz Moderno, fazendo frente contra o jazz fusion -- estética que iniciou com a fase elétrica do próprio Miles Davis -- e toda aquela música comercial que tomou o cenário norte-americano e acabou expurgando o Jazz acústico para os becos do ostracismo. Wynton percebeu, sobretudo, a importância que o quinteto de Miles tivera frente à evidência do quarteto de Ornette Coleman e de todas as outras bandas do free jazz, estética que mudou sobremaneira o conceito de improvisação na década de 60. Produzindo uma das roupagens mais bem elaboradas do Jazz Moderno, o Segundo Grande Quinteto de Miles foi deveras importante na evolução do Hard Bop para o início do Post-Bop, bem como na consolidação das estruturas modais dentro do improviso e da composição jazzística. Foi daí, então, que Wynton tirou a inspiração: partir de onde Miles tinha parado de tocar jazz acústico, convidando, justamente, os mesmos músicos do Miles Davis Quintet para partitipar do seu primeiro disco, o homônimo "Wynton Marsalis" de 1981.
Neo-Bop: o fantástico quinteto de Wynton
Gravado pelo selo Columbia (mesmo selo onde Woody Shaw e Miles tinham produzido suas obras-primas), o álbum foi um sucesso de crítica e alcançou a marca de mais de 100 mil cópias vendidas em seu primeiro ano de lançamento, uma vendagem que não acontecia desde a década de 60, o que mostrou para as grandes gravadoras que o Jazz parecia estar de volta: bastava, para isso, que elas investissem em jovens-talentos como Wynton Marsalis ou ligados a ele. Aliás, esse seu sucesso inicial parece ter sido a afirmação que ele buscava para ter certeza do caminho a seguir: tentar partir de onde Miles havia parado em 1968, quando deixou de tocar jazz acústico. No ano seguinte, então, Wynton formou seu próprio quinteto, grupo com o qual imprimiria um som bem alusivo ao jazz do Miles Davis Quintet da década de 60. Em sua primeira banda fixa Wynton, não só revelaria alguns dos mais brilhantes instrumentistas das últimas décadas, como também evidenciaria um novo e vigoroso estilo de jazz, chamado posteriormente de Neo-Bop. O quinteto tinha seu irmão Branford tocando sax tenor e soprano, o pianista Kenny Kirkland, o baterista Jeff Tain Watts e no contrabaixo se revezavam Ron Carter, Ray Drummond, Charnet Moffett, dentre outros grandes jovens e veteranos do instrumento. A grande "pegada" e sacada de Wynton foi exigir desse grupo uma nova abordagem ao bebop, hard bop e post-bop sessentista, com uma harmonia modal mais bem trabalhada e uma proliferação rítmica mais livre e violenta, sem abandonar de todo o swing: e nessa abordagem rítmica o baterista Jeff "Tain" Watts, com sua polirritmia e seu estilo explosivo inspirado em Tony Willians, foi a grande aposta. Para além da inspiração em Miles Davis, Wynton não só mostrou uma real evolução da composição modal, mas, com seu habitual virtuosismo, imprimiu uma versão enérgica e renovada do jazz moderno: vide suas composições originalíssimas, como "Chambers of Tain" e "Knozz-Moe-King" nos discos Think Of One (1983) e Black Codes: from the Underground (1985), bem como seus improvisos intrincados que evidenciaram um dos fraseados mais complexos da história do jazz. Consolida-se, então, o estilo Neo-Bop.
A briga entre irmãos: a dissolução do quinteto.
De 1981 a 1986 foi o período suficiente para Wynton Marsalis abalar e incendiar o cenários jazzísticos e os holofotes americanos, gravando 5 discos fantásticos e ganhando, com esses registros, uma considerável quantidade de prêmios como trompetista e compositor. Além do seu talento como trompetista e compositor, Wynton se mostrou um grande descobridor de talentos, revelando uma dezena de músicos que disseminariam o Neo-Bop e aquelas idéias revivalistas para o novo da década de 90. Na verdade, o músico que mais descobria talentos desde sempre, contribuindo para o novo cenário, era o baterista Art Blakey através do seu legendário Jazz Messengers -- Wynton Marsalis apenas seguiu o exemplo do mestre e passou a ser, ele próprio, uma espécie de líder e de exemplo para esses novos músicos que iam surgindo. Essa troupe de jovens, adicionada à quantidade de jovens músicos que as gravadoras passou a revelar, foi chamada de Young Lions. E essa volta do jazz acústico ao mercado fonográfico, proporcionada por uma nova efervescência de músicos e por um novo público, foi chamada de "Renascimento do Jazz". Mas é como diz o ditado: "o que é bom dura pouco". Mesmo sendo considerado uma espécie de força motriz do novo cenário -- lembrando que muitos críticos consideraram aquele "novo som" uma versão um tanto animadora, renovada e até progressista do jazz moderno --, mesmo tendo absoluto sucesso nos holofotes do mundo todo -- tanto através do jazz como dos seus álbuns como intérprete da música erudita -- Wynton Marsalis teria suas primeiras baixas da carreira ainda após sua estadia de cinco anos em New York. Após o lançamento do fantástico Black Codes: From The Underground, em 1985, o pianista Kenny Kirkland e o saxofonista Branford Marsalis anunciaram suas demissões do aclamado quinteto de Wynton para participarem de uma turnê com o ícone da música pop, o cantor Sting. A escolha do irmão -- talvez fundamentada em algum ganho comercial mais considerável -- abalou muito Wynton Marsalis, já que a sua grande missão era, justamente, fazer frente contra a música pop e não aderir-se a ela. Apesar dessa "má escolha", Branford mostrou que, depois de ter colaborado com o irmão durante aqueles 5 anos, seguiria agora seu próprio caminho. Wynton, por sua vez, lançou o último álbum de estúdio dessa primeira fase em 1986, o J Mood, gravado com um quarteto que revelou o grande pianista Marcus Roberts. Em 1987 ele ainda lançaria, com esse mesmo quarteto, o fantástico "Live at Blues Alley", um dos mais vibrantes registros ao vivo da história do jazz. Após esse período de seis anos de grande sucesso, ele começa a mudar seu estilo de trompete e de composição, dando início à uma ousada mudança na sua escrita composicional através do estudo incessante da tradição arcaica do jazz. Nessa fase de transição, Wynton lançou um ciclo de quatro discos ambientados no blues, uma série chamada Blues Cycle, fazendo um estudo do blues contemporâneo de New Orleans e já mostrando que tinha substituído Miles Davis por Louis Armstrong e Duke Ellington entre suas inspirações. Ademais, o saldo de contribuições que Wynton Marsalis estava levando para a década de 90 era grandioso: uma sequência primorosa de discos aclamados, um público jovem, renovado e disposto a deixar o pop de lado para embarcar naquela nova onda revivalista do jazz, bem como uma lista de músicos revelados e/ou impulsionados por ele que incluiam o pianista Kenny Kirkland, o saxtenorista James Carter, o contrabaixista Christian McBride, o baterista Herlin Riley, o pianista Marcus Roberts, dentre tantos outros.
Branford Marsalis Quartet x Wynton Marsalis Septet: direções diferentes.
Wynton Marsalis, segundo a maioria dos críticos e músicos da sua época, foi o grande responsável pelo renascimento do jazz acústico após seu grande ostracismo da década de 70. Mas após sua primeira fase no neo-bop, o trompetista rumaria para uma fase marcada por uma nova banda, um septeto, e por uma nova direção estilística. Para formar seu Wynton Marsalis Septet, o trompetista não quis chamar nenhum músico que não fosse antenado com a tradição pimária do jazz: para tanto, precisou viajar para New Orleans -- o berço do jazz e sua cidade natal --, onde descobriu grandes músicos como o baterista Herlin Riley (um dos preferidos de Ahmad Jamal), o saxofonista Todd Williams e o contrabaixista Reginald Veal. Essa nova fase, marcada por um revival à tradição arcaica e por muita ousadia composicional, foi marcada por grandes obras em torno de elementos primários como o blues, o gospel e o swing , baseando-se em Louis Armstrong, Duke Ellington, Charles Mingus e, por vezes, na Música Erudita (influenciado, por exemplo, por Stravinsky, Gershwin e Bartók). De 1989 à 1999, um período de dez anos, Wynton lançaria, com seu Septeto, obras de grande ousadia como In this House, On this Morning, Citi Movement e Marciac Suite, as quais fizeram do trompetista o maior compositor da sua geração. Não demorou muito, enfim, para que o Wynton Marsalis Septet também fosse considerada uma das maiores e mais uniformes bandas da história do jazz. Além da sua jornada gloriosa com o Septeto, Wynton afirmaria, ainda, sua posição de maior compositor e bandleader do seu tempo atraves das obras lançadas com sua big band, a Lincoln Center Jazz Orchestra: um exemplo é a magnífica obra Blood on The Filds, uma peça para big band e coro de três horas de duração, pela qual foi o primeiro e mais jovem músico da história do jazz a receber um Pulitzer Prize em 1997, entrando para o seleto e estrito rol de gênios compositores americanos como Aaron Copland e Milton Babitt. Esse feito proporcionou para que Wynton Marsalis se tornasse não só o maior compositor de jazz da sua geração, mas uma das novas promessas da composição no âmbito da música erudita americana, já que ele já vinha compondo obras de jazz com uma escrita e um arranjo severamente eruditos, dentre elas obras relacionadas ao balé moderno, tais como Citi Movement (escrita para o Septeto; lançada em 1992) e Sweet Release & Ghost Story (escrita para a Lincoln Center Jazz Orchestra lançada em 1999). Já no início desse século, Wynton Marsalis voltou a trabalhar com um novo quinteto (com Dan Nimmer ao piano, Walter Blanding aos saxofones, Ali Jackson na bateria e Carlos Henriquez no contrabaixo), bem como intensificou sua carreira como compositor erudito. As quatro principais obras desse período são: All Rise (Sinfonia Nº 1, de 2001, com a Lincoln Center Jazz Orchestra e a Filarmônica de Los Angeles), A Love Supreme (releitura da obra original de John Coltrane, arranjada em 2004 para a big band Lincoln Center Jazz Orchestra), From the Plantation to the Penitentiary (com o seu novo quinteto e a cantora Jennifer Sanon; lançado em 2007) e, por fim, a fantástica peça para big band, vozes e percussçao Congo Square (lançada com a LCJO mais a interação do grupo de Gana Odadaa!, um "ensemble" de percussão liderado por Yacub Addy).
Branford Marsalis, por sua vez, continuaria a trabalhar no estilo neo-bop com a mesma modernidade com a qual o seu irmão começara. Se Wynton revolucionara o Jazz e atingira a glória por fazer uma nova abordagem de som inspirada nos discos sessentistas de Miles Davis, agora seria a vez de Branford se consagrar inspirando-se em mestres como John Coltrane e Sonny Rollins. A partir de 1986, quando passou a dar ênfase à sua carreira solo, Branford começou a mostrar uma real evolução e refinamento como solista improvisador e como compositor, gravando alguns dos mais modernos e interessantes álbuns já produzidos por um saxtenorista nas ultimas décadas: dentre eles podemos destacar Random Abstract (1986), Crazy People Music (1990), Contemporary Jazz (2000), Footsteps of Our Fathers (album de 2002 com releituras à peças como "Freedom Suite", de Sonny Rollins, e "A Love Supreme", de John Coltrane), dentre outros. A receita foi a mesma: assim como Wynton partiu de Freddie Hubbard, Woody Shaw e Miles Davis, Branford passou a se inspirar em John Coltrane, Sonny Rollins até na fase inicial de Ornette Coleman, tendo a colaboração dos mesmos músicos que Wynton tinha revelado nos anos anteriores -- o pianista Kenny Kirkland, o contrabaixista Robet Hurst e o baterista Jeff "Tain" Watts --, formando com eles seu legendário e duradouro quarteto, banda com a qual trabalha até os dias de hoje (lembrando o conrabaixista Robert Hurst seria substituído por Eric Revis e o pianista Joey Calderazzo substituíria o grande Kenny Kirkland, falecido em 1998). Mas, paralelamente ao jazz acústico, Branford também passou a explorar outros caminhos além das fronteiras do jazz: além de sua participação com Sting, colaborou com legendas as mais diversas como Grateful Dead, Gangstarr, a English Chamber Orchestra, Bruce Hornsby, B.B. King; trabalhou em produções cinematográficas colaborando com Spike Lee no filme "Mo' Better Blues," e "Sneakers"; foi responsável pela produção musical do programa televiso "Tonight Show"; e ate fundou um grupo legendário de jazz-rap, o Buckshot LeFonque, com o qual gravou o homônimo Buckshot LeFonque (1994) e Music Evolution (1997), dois álbuns legendários do gênero. Contudo, em seus discos acústicos, Branford procurou exaltar, sobretudo, a tradição do jazz moderno através do renovo que o neo-bop trouxera, enriquecendo, cada vez mais, a abordagem do sax tenor e soprano no jazz contemporâneo, imprimindo uma técnica e um refinamento artístico muito a frente de seus contemporâneos da década de 90. Inclusive, em meados da década de 90 Branford já era quase ou tão consagrado quanto seu irmão Wynton: excursionando em todo o EUA e em todo o mundo tanto como lider de banda como solista principal de orquestras sinfônicas, aparecendo na TV, divulgando a tradição jazzística e participando do júri do Instituto Thelonious Monk, instituição que, ano a ano, elege as grandes revelações do Jazz em seus respectivos instrumentos. Quando Joshua Redman foi eleito o maior saxtenorista-revelação (1993) deixando para traz Eric Alexander, Branford estava lá entre os mestres que o elegeram.
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