sábado, 6 de fevereiro de 2010

O ROMANCE CATÓLICO: JULIEN GREEN - ADRIENNE MESURAT

(Edward Hopper)
Ninguém jamais lhe dissera que era bela, mas Adrienne sabia. E revia agora uma noite, na semana passada, quando estava sozinha no quarto, atormentada por uma crise de melancolia, das que a acometiam muitas vezes sem motivo aparente. Estava sentada na frente da penteadeira e, com os braços sobre o mármore, olhava-se ao espelho à luz do lampião. O cabelo negro emoldurava o rosto e tocava os ombros, emprestando à sua imagem algo de majestoso e triste. No entanto, os olhos brilhavam e o sangue circulava rápido sob a pele. Olhava longamente, admirando os traços perfeitos que o espelho refletia; as sobrancelhas retas e voluntariosas, as pupilas azuis e os lábios cheios, mas severos. A seriedade da expressão a surpreendeu; tentou sorrir, mas essa alegria forçada fez com que fechasse os olhos, como se tivesse visto algo terrível. Abriu-os depois de alguns segundos, sacudiu a cabeça para a figura amargurada do espelho e, curvada de súbito ao peso de um desespero mudo, deixou cair a cabeça sobre o mármore, os cabelos espalhando-se sobre escovas, frascos e pequenas caixas.
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Após algumas horas, acordou tão subitamente quanto havia dormido. Olhou em volta, mas a escuridão era completa e não conseguia nem ver o travesseiro branco. Lembrou-se então de uma poesia aprendida há muito tempo e as palavras lhe vieram aos lábios. Murmurou:

Foi durante o horror de uma noite profunda.

Jamais pensara no sentido dessas palavras e, agora que a lembrança as trazia do passado, pareciam-lhe revestidas de uma beleza poderosa e terrível. E Adrienne sentiu medo. Há realmente, nas primeiras horas de obscuridade, algo de calmo e seguro, mas, à medida que a noite avança e que todos os ruídos da terra se calam, a sombra e o silêncio adquirem um aspecto diferente. Pesa sobre tudo uma imobilidade sobrenatural, e nada descreve tão bem os momentos que antecedem a aurora como a palavra horror.

Adrienne Mesurat. Ed. Novo Século

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