quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

JULIEN GREEN: ADRIENNE MESURAT II

(El Greco)

Adrienne assistia a esses concertos há tanto tempo que já não sentia nenhum prazer especial. Tinha bom ouvido, o bastante para saber que os músicos eram medíocres, que nem sempre observavam o ritmo e que a qualidade dos instrumentos não fazia justiça ao virtuosismo dos compositores. Nesse dia, porém, desde os primeiros acordes sentiu uma estranha emoção. Sem dúvida os últimos acontecimentos de sua vida a tinham deixado mais sensível. Ouviu uma longa frase musical que se elevava lenta e preguiçosamente e, de súbito, passava a um ritmo cada vez mais acelerado. Sentiu-se atingida por uma voz que se dirigia a ela, numa linguagem que compreendia, e entre seu espírito e a orquestra estabeleceu-se essa comunicação misteriosa, essa espécie de diálogo secreto que é o mais poderoso encanto da música e que explica a sua influência sobre o coração humano. Adrienne escutava. Toda a alegria e toda a tristeza que se sucediam nos temas musicais, comunicando-se entre si, cortavam-lhe o coração e, ao mesmo tempo, traziam-lhe aos olhos lágrimas de prazer. Reconhecia-se nos ritmos diversos que eram como as batidas do seu coração. Lembrava-se da dor, da solidão e, na estrada nacional, do riso mais triste do que um soluço. Teve uma sensação de abafamento. Era como se num minuto estivesse revivendo todo o sofrimento dos últimos meses e a dor, expressa numa voz que não era a sua, parecia mais viva e mais real. Pela primeira vez ouvia a história da sua infelicidade e ela lhe pareceu apavorante. Talvez tivesse se habituado ao sofrimento, como a uma ferida incurável, e a música explicava tudo, todas as razões pelas quais devia continuar suportando.

Adrienne Mesurat. Ed. Novo Século

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