quarta-feira, 11 de abril de 2012

W.J.SOLHA: MARCO DO MUNDO EXCERTO VI


(De Chirico)


O silêncio na Torre
é absoluto.

Do provisório território máximo do Marco,
entre o reino dos réus e o dos céus,
vê-se o compulsório Cristo - em ouro, pedra, bronze e nos vitrais -
das catedrais,
vê-se o mau ladrão no rio Tibre, que no italiano -  fiume Tevere -  permite ao Poeta dizer que o bandido faz ali seu thriller,
enquanto o outro faz a oração, entre lírios e constelações de círios
que se vão,
acesos,
em procissão,
das ruas de  Fátima e Lourdes às de Medjugorje e Czestoshowa     ( mesmo que chova ),
passando por Guadalupe e Caravaggio, Loreto e Aparecida,                                                                                                               
até que prospekt passa a ser o nome que Dostoievski dá
pra avenida.

O pão  de uma  famiglia
é simbolicamente apunhalado em Óstia,  
pela máfia da Sicília.

Um arquipélago de mosteiros aflora acima das nuvens,
em Meteora!

                                                     
Graciosas Graças dançam no quadro de Botticelli,
na Itália,
e outras Graças - grandes -, no de Rubens,
em Flandres.


Chega Händel regendo o coro no magnífico oratório Messias, em que britânicos – reis e milordes - aplaudem the King of kings,  Lord of lords!,
que torna o Filho de Deus um dos seus.

                                                        
A escadaria desce da sinagoga
e,
nela,
a ku-klux-klan,
sinistra,
que parte pra caça crística.

   
E lá vêm o sol e a chuva,
feitos alma e viúva!

Lá vem o bambino,
com  mamma e babbino,
na Piazza di San Marco,
Veneza,
e é por eles içado,
levado pela leveza,
e seu gargalhar,
straordinàrio,
provoca aplausos dos pombos,
que partem pro campanário.

  
                                                                                       
Aí,
no penúltimo andar construído,
o Poeta,
distraído,
sente
de repente,
que Deus - invisível como o vento ( mesmo quando violento ) - e o Demônio (contido nos seus neurônios) lhe dão a fala ( ante o  corpo de César ),
que celebrizará Marco Antônio.

Aí,
o Bardo
sente o plano inteiro da peça 
na mente,
larga a pluma,
sopra o lume,
olha, pleno, por um segundo, com certo ciúme, pro céu sempre novo,
por mais velho que esteja o mundo
e,
no alto do Globe,
a bandeira de estreia do novo espetáculo de grandes batalhas (dos bons contra os eternos canalhas) e da retórica histórica,
a plateia histérica, eufórica.      


,
do alçapão que se chama Inferno,
Hell,
no tablado,
surgir o espectro de César,
amortalhado,
e ouve  trovões que vem do teto,
de nome Heavens,
Céu.

Vê,
então,
com estupor,
que ocorre o choque, no palco, entre quem mata e quem morre,
maior, na sua mente, do que o elenco pode compor,
graças às falas que ele cria,
intensas,
que, logo, ali, fazem - tão densas - dos milhares que não vê em cena,
os zeros de uma cifra imensa.


Macbeth aparece acima,
com olhar de fera que à presa espera
e fulmina.    


O estado - alterado - de consciência, que marca o enlutado Príncipe da Dinamarca,
faz com que seu contato imediato de terceiro grau com o provecto espectro do pai se estabeleça
e a tragédia – infernal - aconteça.


O surto psicótico de Lear é tão evidente,
mesmo latente,
quanto um belo  cello no  velho estojo que o traz no bojo.


Otelo leva as mãos ao Cérbero,
no revérbero do ciúme,
e afia – do cutelo - o serrilhado gume.



Aranhas
sabem de teias
e aves,
de rotas e  ninhos.
Mas aves não sabem de redes,
e aranhas
desses caminhos.
Só os homens vão para a cruz,
só os homens matam moinhos,
e têm,
no aberto deserto,
o níveo – daí que raro – cume do Kilimandjaro,
que é o Bardo,
que nos deixou um padrão – tão excessivamente alto -
que é um fardo.



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