sábado, 21 de abril de 2012

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA: POEMA


(Pieter Brueghel)


DEPOIS DE TER VISTO


Depois de ter visto o voo da águia
e do albatroz
                                    desenhando
sua fúria sobre o azul

depois de ter visto o tigre
o jaguar
                        e o lobo
dominarem as estações
e as armadilhas da forme

e de ver as presas
(posto que abatidas e sangrando)
heroicas renegarem seu destino

a mim me tocou
viver numa época em que miúdos seres
rastejam sem visão no pó do instante.

Apagaram de seus olhos
                                                o horizonte
e não mais desatam asas sem seus flancos.

Não sabem. Nem querem saber
que houve um tempo
em que a vida ia além
do inevitável escombro.

Comprazem-se com o espelho
                                                    estilhaçado
em miríades de miragens.

De nada adianta
se lhes trazeis notícias
de outros mundos e paisagens.
A cera nasceu-lhes nos ouvidos
apenas suas vozes estridentes
em uníssono ouvem.

Banqueteiam suas fezes em alarido
como se ouro fossem
e dançando à borda do abismo
se rejubilam
                     – com a vertigem.


Sísifo desce a montanha. Ed. Rocco.


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