quinta-feira, 5 de abril de 2012

FELIPE STEFANI: POEMA


(Piero Dorazio)


Paisagem Marítima

Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular..."

T. S. Elliot



I


Os sudários do Sol eunuco
fertilizam as águas
das sombras profanadas
pela luz do imenso declínio.

O esplendido teatro interior
nos saltos transparentes da paisagem.

O grito agônico da treva
no instante do enigma,
cortado pelo canto infinito de uma gaivota.

No cais,
o baile emaranhado de redes e pescados
sacraliza a idade incongruente do esquecimento.
Mesmo que os Salmos da manhã
desvelem a dobra do inferno
nos cabelos das mulheres loucas.

Enquanto a areia movediça da visão
joga seus dardos
ao redor do arco das cotovias.

No vagar arcaico das crianças na areia,
no tombo algébrico e eterno dos peixes,
o mais perverso sacrilégio,
enraizado no vento,
torna-se música
tocada pelos dedos
de infindáveis labirintos.

Um entre-
ato de ressacas
no nascimento continuo do mundo.

Parte a caravela
rente ao sono profundo.




II


O mar tem o sexo lançado
contra o ar zodíaco dos marinheiros.

As cabeças,
nas línguas das marés,
batem nas metades
remendadas pela treva,
pelo anjo infecundo do sono.

O anzol faísca a esfinge solar
no seio do vento.

Os sepulcros do céu
pendem cegamente
sobre as ondas infindáveis,
suplicantes.

Só a morte escala,
com mãos ensurdecidas,
a criança inaugural,
o assombro maculado.

Mergulhado nessa treva inominável,
o espetáculo sufocante
da meditação marítima.

Diante da lua, diante do vício.
Até as águas se esgotarem em segredo,
na idade inimaginável do silêncio.





Santos inverno 2011

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