terça-feira, 2 de novembro de 2010

O ROMANCE CATÓLICO: FRANÇOIS MAURIAC

(Bosch)




Os seres mais puros ignoram aquilo a que se misturam a cada dia e a cada noite, e o que brota de envenenado sob os seus passos infantis.

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Que lhe contaria? Por que confissão começar? As palavras bastarão para conter esse confuso encadeamento de desejos, de resoluções, de atos imprevisíveis? Como fazem eles, os que conhecem seus crimes?... “Eu por mim não conheço os meus crimes. Não quis cometer o de que me acusam. Não sei o que eu quis. Nunca soube para onde tendia, em mim e fora de mim, esse poder enfurecido: diante do que ele destruía pelo caminho, eu própria ficava horrorizada...”

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Onde fica o começo de nossos atos? Nosso destino, quando o queremos isolar, é semelhante a essas plantas que é impossível arrancar com todas as raízes. Teresa remontará até à infância? Mas a própria infância é um fim, é uma conseqüência.

A infância de Teresa: um pouco de neve na origem do rio mais impuro. No colégio, parecia viver indiferente e mesmo ausente das muitas tragédias que dilaceravam suas companheiras. Muitas vezes, as professoras lhes propunham o exemplo de Teresa Larroque: “Teresa não pede outra recompensa além dessa alegria de realizar em si um tipo de humanidade superior. A consciência é a sua luz única e suficiente. O orgulho de pertencer à elite humana sustenta-a melhor do que o temor do castigo...”. Assim se exprimia uma das professoras. Teresa interroga-se: “Seria eu tão feliz assim? Seria tão cândida? Tudo o que precede meu casamento adquire em minha lembrança esse aspecto de pureza; contraste, sem dúvida, com a nódoa inapagável do casamento. O colégio, para lá do meu tempo de esposa e mãe, surge como um paraíso. Então eu não tinha consciência disso. Como poderia saber que nesses anos preliminares da vida estava eu vivendo a minha verdadeira vida? Era pura; sim, um anjo! Mas um anjo cheio de paixões. Por mais que dissessem as professoras, eu sofria e fazia sofrer. Gozava com o mal que causava e com o que me vinha das amigas. Era um sofrimento puro, que nenhum remorso torturava: alegrias e dores nasciam dos prazeres mais inocentes”.


Thérèse Desqueyrux. Ed. Cosac & Naify
Tradução: Carlos Drummond de Andrade

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