terça-feira, 10 de agosto de 2010

ENTREVISTA COM A POETA NYDIA BONETTI


1) – Como ocorreu seu contado inicial com a poesia?

Não me lembro exatamente qual o primeiro poema ou livro de poesia que li, mas foi ainda bem menina. Lia-se muito em casa e este contato com os livros veio de forma natural. A poesia, no entanto, sempre exerceu sobre mim um estado de encantamento inexplicável, muito além da prosa e então eu fui atrás dela - no início, como leitora e logo em seguida comecei a escrever meus primeiros versos. Escrevi muito na adolescência, depois optei pela área de exatas e passei um longo período sem escrever. Mas a leitora sempre permaneceu fiel.

2) – Quais são suas influências literárias?

Nesta minha busca por poesia, logo elegi meus prediletos: Neruda, Bandeira, Pessoa e Drummond, minha referência maior. Com sua melancolia, o tom amargo, olhar de desencanto diante da vida – e o sentimento absurdo do tempo, me cativou de forma definitiva. Neste mesmo período, conheci a poesia de Álvaro Alves de Faria, que me tocou profundamente. Seus textos eram publicados no Suplemento Cultural do Jornal de Domingo e eu colecionava os recortes de jornal das suas crônicas e poemas. Só mais tarde fui olhar com maior atenção para outros poetas e então vieram novos períodos de descobertas e deslumbramentos, como quando li pela primeira vez Cecília Meireles, Ana Cristina César, Sylvia Plath, Emily Dickinson, os poetas russos e de outras inúmeras vertentes, numa busca incansável por poesia que continua até hoje.

Na prosa, ainda nesta época das descobertas, Graciliano Ramos foi o autor que mais me impressionou. Li todos os seus livros e aqueles cenários de secura, desertos, angustias e carências, calaram fundo e de certa forma se refletem ainda em muitos dos meus poemas.

Com toda certeza carregamos memórias de tudo que lemos e que de alguma forma nos arrebata e extasia, mas influência especifica quanto a estilo, forma, modelo a ser seguido, eu não saberia dizer. Não vejo isso claramente. Sou autodidata, li muito pouco sobre teoria literária e sobre o fazer poético em geral e só muito recentemente tentei dar uma “enxugada” nos meus textos, mas sempre sem modelos como referência e sim como uma busca pessoal.

Hoje, quando tenho necessidade de me reabastecer “de” e “para” a poesia, busco a poesia oriental, “as” poetas russas e alguns poetas minimalistas contemporâneos e claro, leio e releio Drummond, Bandeira e Pessoa.

3) – Como é seu procedimento ao escrever um poema?

Não tenho nenhum padrão, método ou procedimento específico para escrever. Sou inclusive muito displicente e impulsiva. Publico muitas vezes o poema da maneira que ele “me procura”, em estado bruto, sem a necessária lapidação. Mas já consigo agora trabalhar e enxugar mais os textos e eles tomam realmente uma “outra feição”. Muitos dos meus leitores preferem meus textos antigos, mas já não sei mais escrever como antes: poemas longos, reticentes, mais líricos. Continuam dramáticos. Costumo dizer que é herança genética, do meu avô cantor de óperas (risos). Acho que este vai ser sempre o tom da minha poesia.

4) – O que é poesia para Nydia Bonetti?

Gosto muito desta definição de Fernando Pessoa: “Todo poema é um delírio. Um delírio controlado, mas sempre um delírio”. Para mim, a poesia tem muito a ver com a memória que se traduz em linguagem, mas este conceito cabe também à prosa. Então, há algo além disso - o som, o ritmo, o delírio? Volto ao delírio. Talvez a poesia (a minha muito provavelmente) seja uma memória delirante traduzida em linguagem delirante – embora trate do que exista de mais real dentro e fora de nós – nossas angústias, nossas dores e delícias, nossa percepção da vida cotidiana. O que sei é que ela se tornou essencial e imprescindível na minha vida. Costumo dizer que a poesia é ao mesmo tempo, o combustível, a lenha, a chama e a cinza. Nós somos as faíscas, num terno reacender de fogueiras (as nossas e as alheias) que fazem brilhar nossas almas e olhos ávidos.

5) – Sua poesia parece transitar entre uma estrutura minimalista e intimista. Vivências transpostas para a linguagem em figurações mínimas. Fale sobre essa dimensão de sua poesia.

Esta busca pelo mínimo é bem recente. De repente senti necessidade de “secar” meus poemas. Talvez faça parte do mesmo processo da minha eterna busca por simplicidade, que finalmente faço chegar aos meus versos - ou quase. Na verdade, o que eu queria mesmo era só escrever haicais. Mas não consigo ainda (talvez nunca) me conter em três versos com sílabas contadas, mesmo porque, contar as sílabas vai contra tudo que acredito na poesia.

Creio que faço sim, uma poesia intimista, quase confessional, contrariando a “ordem”, que exige a abolição do “eu” nos poemas. Não me preocupo nem um pouco com isso. Faço uso da minha própria voz, que se confunde com outras vozes que não são minhas e faço minha poesia, sem grandes preocupações com a crítica, ou com padrões estéticos que poderiam tornar minha poesia mais aceitável entre determinados grupos. Faço “a minha poesia” dentro dos meus próprios padrões, que hoje exigem os versos mínimos, sempre fragmentados, com cortes onde acaba se impondo o silêncio. Hoje percebo que o resgate da memória é muito forte nos meus versos e descobri também que muitos fazem uma leitura espiritualizada da minha poesia, o que me deixa surpresa, pois grande parte dos meus textos são escritos em momentos de desertos, descrenças, questionamentos existenciais.

6) – Como você vê o atual panorama da poesia brasileira contemporânea? Quais os poetas que você destacaria?

Vejo com muito otimismo, Hilton. A internet tem revelado poetas interessantíssimos. Há uma bela leva de poetas novos, outros se firmando, creio de verdade que vivemos um tempo de renascimento e renovação na poesia contemporânea brasileira. Pena que as editoras ainda não tenham percebido este interesse crescente, que nós como leitores e fazedores de poesia percebemos tão claramente. Há uma nova geração sedenta por poesia e o mercado não percebeu isso ainda.

São tantos os poetas que admiro, de quem sou leitora assídua, outros que descobri recentemente, alguns já consagrados ou bastante conhecidos no meio literário, outros quase anônimos, para mim, todos grandes poetas. Considero arrebatadoras as poesias de Lau Siqueira, Lalo Arias, Julio Rodrigues Correia e Rubens Jardim. Esta semana saí à busca dos poemas de Claudio Daniel – são muito bons! Seu repertório de imagens é fascinante. Dos poetas que conheci recentemente, Wilson Nanini e Mariana Campos, fazem uma poesia que me agrada demais. Também gosto muito dos teus poemas, Hilton, especialmente os pequenos, quase epigramáticos. Mas seria preciso uma lista enorme que não caberia numa folha, para citar todos os poetas contemporâneos que admiro. E com exceção de Lau Siqueira e Rubens Jardim, todos os outros conheci através de seus blogs. Cada um deles com seu estilo, sua personalidade, sua forma absolutamente pessoal de fazer poesia – e é esta multiplicidade de vozes o que torna o panorama atual tão rico, interessante, promissor.

7) – Você é uma poeta ainda inédita em livro. Quais são seus projetos para uma edição impressa?

Como todo poeta (embora muitos digam que não) também sonho com o meu livro impresso, mas ainda não consegui me concentrar nisso efetivamente. Na verdade, acho que preciso mesmo é de uma parceria, de alguém que cuide desta parte prática para mim. Não tenho planos concretos, só projetos utópicos, que vão sendo adiados por conta de outras urgências e o livro fica lá, no baú dos desejos não realizados, à espera.

8) – Como você vê a importância da internet para a divulgação da poesia?

Toda vez que me perguntam isso, me lembro de uma entrevista de Augusto de Campos a Edson Cruz, na TV Cronópios, onde ele diz: “internet - tudo que se abre à poesia, enquanto todo o resto se fechou”. Definitivamente a internet veio para transformar o cenário da poesia e da literatura em geral. Poetas que nunca seriam lidos, como eu, que não faço parte de nenhuma tribo, ou reduto específico, temos todos, o mesmo espaço a ser compartilhado. Ao mesmo tempo, este amplo acesso a textos, teses, ensaios, notícias em tempo real dos fatos importantes sobre a matéria “poesia”, enfim, tudo nos leva a crer que uma nova literatura já deve estar sendo delineada neste momento, graças à internet. Que a poesia em particular ganha espaço crescente, isto me parece muito claro. Basta ver o número de blogs e seus leitores. Então virá o tempo – (ainda ontem li em algum lugar que “o tempo ainda é o melhor crítico de literatura que existe”) que se encarrega do resto: “selecionar o que passa e o que permanece”. Pelo menos agora o processo é bem mais democrático.


Obrigada, Hilton! Abraço grande.

8 comentários:

  1. Ah, Nydia é uma delícia. Sempre um encantamento.
    Beijo pros dois!

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  2. Que beleza ler essa entrevista. Sempre leio a Nydia com grande prazer. E conhecê-la mais um pouco foi uma grande satisfação. Parabéns aos dois!

    Abraços, amigo.

    Jefferson.

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  3. Obrigada, Hilton. Gostei muito mesmo dessa nossa conversa. E é sempre um prazer estar aqui neste espaço que admiro - pela qualidade, pela autonomia e sobretudo pelos teus poemas. Abraço grande! Nydia.

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  4. A Nydia é uma poeta de muita sensibilidade. Fiquei feliz pela entrevista. Um abraço, amigo Jefferson.

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  5. Nydia, sua presença honra esse espaço literário!

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  6. Gostei da entrevista, simpática a Nydia.

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  7. Minha amiga Ana, a Nydia é uma poeta de grande sensibilidade. Um abraço fraterno!

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