domingo, 11 de abril de 2010

HELENA FIGUEIREDO: A POESIA CONTEMPORÂNEA DE PORTUGAL



APELAÇÃO

Será ali, junto do rio,
que jorrará leite na quadratura de um tempo.

Os animais, enrodilhando a lisura da planície,
esperam afoitos atrás dos juncais.

É chegada a hora das danças,
dos rituais, entranhados nos genes,
desde a criação.

E a lei do mais forte, salta do sangue,
a pulsão animal agita fortemente
a clareza das águas.

Perpetuada a mensagem da velha arca,
"crescei e multiplicai-vos",
uma nuvem de pó, alaga o suor da retirada,
o trote dos vencidos, é já um eco,
batendo no vento,

até que de novo, soe o chamamento,
e os machos regressem, no rasto do cio.


CÓDIGO SECRETO

Terás que seguir os pássaros assustados,
o voo frio do sentido inverso.

O nome surgirá nos arabescos de um tronco,
no cerne de um poema,
no delírio que assola o branco das insónias.

Pronuncia-o devagar junto ao postigo,
e a porta abrir-se-á.

Renega o bastão,
a máscara,
todos os anéis.
.
Encontrarás a escuridão da mesa,
e nada mais.

Poisa aí o teu fardo,
e com o canivete, esventra o silêncio.

Ouvirás o crepitar da chama,
um aroma a vinho maduro,
indicando a direcção do corredor.
................

A PAREDE

A tarde escorria gélida,
aguardando o chamado das primeiras andorinhas.
Voltariam certamente,
para os velhos ninhos,
numa roda negra,
num derradeiro cântico, pregão de primavera.

Encostou-se à parede,
onde tantas vezes o sol batera, cru e férreo,
alongando de dor as sombras,
num movimento a tocar o céu.
.
(Um dia,
talvez assistisse ao desertar das aves,
à paragem súbita das fontes,
ao agonizar do grande carvalho,
à morte da luz.)

Sentiu um relâmpago atravessando os ossos,

e a parede atrás,
sumptuosamente altiva,
apoio das heras,
das roseiras,
das patas viscosas do lagarto,

foi o pano verde que lhe deu força,
a manteve de pé,

até o rebate dos sinos, ecoar na calçada.

3 comentários:

  1. A BELEZA DAS PALAVRAS - Regina Lyra

    Belos poemas.
    Enlevam o espírito,
    contagiam a mente.

    Parabens!
    Regina Lyra

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  2. Estimada Regina, o que seria da vida sem a beleza da poesia? O que seria da vida sem poetas como você e todos que aqui se encontram? Um abraço!

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