domingo, 30 de setembro de 2012

JORGE ELIAS NETO: POEMA

 
(Marc Chagall)
 
 
Borgiana II
 
 
Repousa o veludo da pele,
        tigre selvagem,
nessa distante gleba
à qual chegaste
por caminhos incertos.
 
Lembranças grisalhas,
        velho tigre ...
Compartilho teus dentes
        nada castos...
 
Restou-nos o passado...
E suas páginas
de bordas marcadas.
Sempre reviradas,
        velho tigre,
para não esquecer os outros dias.
 
(O que nos resta quando o orvalho
            se perde no esquecimento?)
 
Nas catedrais, teu ouro roubado.
Depois raspado dos pilares
para cobrir os dentes.
Como se sorrir dourado
os fizesse arremedo de gente...
 
(Quanto de tua mordedura
            permeia nossos sonhos?)
 
Não se traduz o mistério
de tuas escápulas,
nem a névoa em teus olhos...
Quem sabe a milonga nos taquarais
ou tuas listras obliquas
resistam ao imprevisível fim.
 
           Tardam as horas ...
Cada expectativa tem teu cheiro
e se esforça para caber no poema.
 

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