sábado, 22 de outubro de 2011

FLORISVALDO MATTOS: POEMA

(Bouguereau)





Passos e acenos


Nada tens de ave. Fera lúcida, olho
felino (pantera de Rilke entre grades)
nunca indefesa, à espreita. Além dos olhos,
bebo teu corpo, teu cabelo (franja
dos dias) — o mais dardeja. Também és
elástica e macia: braços, pernas
de roliça cogitação. Vais, vens.
De pé, agitas os vaporosos membros,
ao calor da voz que atordoa o vento.
Sentada, as formas se acomodam, urdem
rútilo desenho. É quando, pasmo, ouço
o marulho do sexo, ávido. Bem
que mereço essa onda, ronda de garras
que me acenam, me buscam pela tarde.

Um comentário:

  1. Amigo Hilton,

    Não se espera de um poeta que produz versos desta qualidade nada menos que a severa vontade de prover seus melhores meios de execução, e provê-los bem.

    Florisvaldo sabe disso, sabe que o prazer estético é também um prazer da razão e que a lei da mais pura e verdadeira arte é a lei do Ne quid nimis, como afirmara Ortega y Gasset, por isso mesmo, sua lírica se apóia numa distribuição mística, mas sem perder as rédeas da razão e das formas que lhe ajudarão em seu próprio entendimento, de maneiras a que se associam unidades de sentido de natureza extremamente complexas.

    Também não é à toa que seus sonetos são o que de mais forte e verdadeiramente poéticos há em sua obra, garantindo a ele um lugar que se destina a poucos em nossa literatura; lugar onde se encontram também colegas seus de geração, como Ildásio Tavares, João Carlos Teixeira Gomes e Maria da Conceição Paranhos (geração, diga-se de passagem, que sabia o que era poesia, diferentemente a muitos desta atual geração de ditos “poetas” que não sabem – e nem querem saber –, por exemplo, a básica diferença entre éros e porné, “prostituta”, ou pórnos, “prostituído”, “depravado”, e seus derivados, ou seja, daquilo que se refere à prostituição, à obscenidade, às questões sexuais; em suma, de forma chula, baixa, o puramente fescenino, e propositalmente grosseira, muito comuns, como nos alertara Alexei Bueno, ao universo da poesia satírica e burlesca, a qual, aliás, nossos “novos” bardos tanto odeiam) e que se juntam a nomes como Emílio Moura, Carlos Pena Filho, Reynaldo Valinho Alvarez; aproximando-se, conseqüentemente, dos melhores: os excepcionais Jorge de Lima e Bruno Tolentino.

    Como prova disso, eis a beleza impregnada de erotismo, presente no soneto "Passos e acenos", como exemplo, inclusive para nossas novas gerações – à guisa de seu possível aprendizado...

    Um abraço,

    Silvério Duque

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