domingo, 13 de março de 2011

A LÍRICA MÍSTICA DE SILVÉRIO DUQUE





Grande conforto esta visão da noite,
esta noite existente em cada ouvido,
qual o mar encarcerado em cada concha...
Há, em cada sonho, um anjo adormecido,

a despojar, da dor, toda verdade;
a mesma dor que nos revela as faces
que escondemos outrora em meio aos gritos.
E há, em cada despertar, o mesmo sonho,

do íncubo anjo, em seus olhos, revivido,
e, em seus olhos, o mesmo e estranho brilho
desta escada submersa e intermitente

entre as vagas, o Céu e a noite escura:
é a solidez das horas de Esaú –
hirsuto hebreu sem paz e sem lentilhas.



Bendito seja todo esquecimento;
bendita, também, seja toda sede
e tudo mais que nos desperte a carne
ou que nos torne estranhos ante o espelho.

Bendito o nosso instante mais impuro;
o que sobrou de nós e o nosso início –
tanto vazio e cor num só começo –,
tantas mortes das quais nos refazemos.

Que Deus nos abençoe por entre as pedras
com o ressoar cruel do vão destino;
e que eu O veja inteiro ( em cada passo )

– e que possas senti-Lo em meio aos braços
com os quais, na dor, abraças teus joelhos...
Bendita seja a paz destes silêncios.



Navegas meus temores como um barco,
sem adeuses, silêncios, nem presságios
que esperarão por nós em cada porto...
Vestido com a dor de antigas feras

eu vejo, em cada cais, os mesmos arcos
redesenhando o fim de iguais jornadas,
refeitas tantas vezes entre os loucos
que avistam, entre sonhos, outros mares.

Para imitar, do mar, seu renascer
eterno – seu começo tantas vezes
já desfeito –, navegas meus temores

neste barco sem velas e sem leme,
mas com as formas e a cor do teu intento,
neste vagar sem fim entre as procelas.



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