domingo, 13 de março de 2011

A LÍRICA MÍSTICA DE SILVÉRIO DUQUE II




Que sabes tu dos frutos, das sementes,
da dureza das flores contra o vento?
A aurora vem tragar a noite espessa
de onde brotou, sem dores, o teu grito.

Se a afirmação do amor nos aborrece,
morrer é mera vocação dos vivos,
pois, no morrer de tudo, há um recomeço.
Não queiras mal ao tempo ou ao espanto;

não queiras mal ao grão, à terra escura...
Que sabes tu das trevas ou da carne?
Que sabes tu das noites, dos princípios?

Hoje, é chegado o tempo dos retornos
e toda forma espera o seu ofício
como o vaso existente em todo barro.



Amanhã, nasceremos para o novo:
Deus nos trará o Céu e toda a espera,
separará do joio o incauto trigo,
reinventará, no fogo, estranhas feras.

Amanhã, nasceremos como os lírios,
entre o húmus do tempo e seus odores;
entre a ausência, a saudade, o esquecimento;
entre a sombra de tudo e estranhas flores.

Renascidos da dor que nos liberta,
amanhã, rogaremos outras carnes;
amanhã, pediremos novos rostos.

Mas, hoje, desejamos Teu silêncio;
hoje, Senhor, só a morte desejamos...
somente a Tua face, enfim, rogamos.



Contemplo, em tuas chagas, a beleza
e a memória de tudo o quanto é vivo.
A dor, inda presente, sente a carne;
o amor nos oferece um gesto antigo.

As tuas mãos deslizam sobre as noites
mais escuras e a sombra de teus gestos
desenham novos rumos. Eu reclamo,
em vão, a tua morte e a minha vida;

eu permaneço esquivo em meio as cinzas
e o que vejo me traz teu abandono –
recomeço das coisas esquecidas.

Uma palavra, só, e eu me refaço...
A fome, a sede, a espera... o desespero:
teu corpo vive em mim como uma praga.



Não recordemos rotas nem retornos:
que o verso nos refaça em seus silêncios,
e que as águas nos confundam como as brisas,
e tudo nos dê frutos como o fogo.

Não busquemos a paz da tarde escura,
nem a manhã remida em meio às frestas.
– Teu corpo me é louvor e desengano
e eu sou como que um sopro em teus anseios.

Não aguardemos estas nuvens calmas
perdidas entre o Céu e suas formas,
nem, tampouco, busquemos outros fossos,

outros abismos. Mesmo no abandono
Deus nos concederá o amor e a guerra...
Deus nos trará ( de novo ) a nossa fome.







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