O teatro da última despedida ou apartamento de Cristo, foi o vale de Getsêmani, coberto das sombras da noite, onde tudo aspirava amor, tudo silêncio, tudo tristeza, tudo saudade. Aqui se apartou o amoroso Senhor de seus discípulos, não de todos juntamente, senão de uns primeiro, e depois dos outros. Como o golpe lhe chegava tanto à alma, não se atreveu a levá-lo todo de uma vez; foi dividindo por partes. Assim se apartou o Senhor; mas não digo bem! Avulsus est ab eis, diz S. Lucas (Lc. 22, 41): Não se apartou, arrancou-se. Tão violentamente se apartava Cristo dos homens, que o aparta-se deles era arrancar-se. Tão dentro deles estava, e tão dentro de si os tinha, que não se apartava dos seus olhos, nem se apartava de seus braços: arrancava-se de seus corações, e arrancava-se-lhe o coração: Avulsus est ab eis. Saia agora a morte com algum semelhante encarecimento, se o tem, do muito que fizesse Cristo em padecer, e diga o que dizem dela os evangelistas. Porventura chegou a dizer algum evangelista, que quando Cristo morreu, se lhe arrancou a alma? Não por certo. O evangelista que mais disse foi S. Mateus. E que disse? Emisit spiritum: despediu a alma (Mt. 27, 50). De sorte que quando Cristo morre despede a alma, e quando Cristo se despede, arranca-se dos homens. Tão fácil lhe foi morrer, tão dificultoso o apartar-se. O laço com que a alma de Cristo estava atada ao corpo desatou-se; os laços com que o mesmo Cristo estava atado aos homens não se puderam desatar: romperam-se. Romperam-se, rasgaram-se, arrancou-se: Avulsus est. Quantos eram os homens que havia no mundo, tantas eram as raízes que prendiam o coração de Cristo. Eram raízes de trinta e três anos, eram raízes de uma eternidade inteira, profundadas com tanto amor, regadas com tantas lágrimas, endurecidas com tantos trabalhos; e que todas essas raízes, tantas e tão fortes, se houvessem de arrancar juntas na mesma hora: Sciens quia venit hora ejus? Oh! que dor! Oh! que violência! Oh! que tormento! Cada palavra do evangelista é uma profunda ponderação desta força e desta repugnância. É possível que hão de ficar no mundo os homens, que hão de ficar no mundo os meus: Suos, qui erant in mundo? É possível que eu me hei de apartar para sempre deste mundo, onde os vim buscar: Ut transeat ex hoc mundo? Ex hoc mundo: Oh! que terrível apartamento! Hora ejus: Oh! que terrível hora! In finem: Oh! que terrível fim! Ut transeat: Oh! que terrível transe!
Toda morte é justamente morte e ausência: é morte, porque nos tira a vida; é ausência, porque nos aparta para sempre daqueles que neste mundo amamos.
Sermões. Ed. Edelbra
domingo, 28 de março de 2010
PADRE ANTÔNIO VIEIRA: SERMÃO DO MANDATO
Marcadores:
arte,
El greco,
Padre Antônio Vieira,
poemas
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Ler Vieira é sempre uma grande satisfação. Parabéns pela postagem, Hilton!
ResponderExcluirAbraços, amigo!
Jefferson
Meu amigo Jefferson, amante da poesia! Sem dúvida a Tradição tem muito o que oferecer para o deleite do espírito! A grande poesia é sempre eterna. Um abraço.
ResponderExcluir