quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

ENTREVISTA COM A POETA EUNICE ARRUDA


1) Como ocorreu seu contato inicial com a poesia?


Meu contato inicial com a poesia ocorreu quando eu tinha aproximadamente uns treze anos, na minha cidade natal, ou seja, Santa Rita do Passa Quatro (SP). Um jovem amigo me mostrou um poema, rimado e metrificado. Fiquei impressionada com a linguagem: artificial, com um ar estrangeiro. A partir de então passei a escrever compulsivamente. Compreendi, já naquele momento, que esta seria a forma de me comunicar. Se não a única, mas, a mais eficaz. E acho que não estava equivocada. Após anos de exercício abandonei a métrica, a rima, os pontos, as vírgulas, mas não o rigor.

2) Como é seu procedimento ao escrever um poema?

Há dois procedimentos básicos que se alternam: ou o texto chega repentinamente como eu coloco no poema “Um visitante”:


Quem escreve
é
um visitante

Chega nas horas da noite
e toma o lugar do
sono
Chega à mesa do almoço
come a minha fome

Escreve
o que eu nem supunha
Assina o meu nome

Ou chega aos poucos, pedaço por pedaço, como coloco no poema “Ampliação”:

Construo o poema

peda-
ço por
pedaço

Construo um
pedaço de
mim
em cada poema

3) O que é poesia para Eunice de Arruda?


Escrevo e reescrevo sempre. Sem nenhum descanso no algodão das nuvens. É um caminho, quase invisível. Uma necessidade de captar as emoções, os pensamento e devolvê-los depois ao mundo transformados em outra linguagem: a da poesia. Mas, muitas vezes, durante a minha vida, por questões alheias, abandonei este caminho para visitar a cor de outras ramagens. Poesia para mim é uma das formas de viver. Está incorporada em meus dias.

4) Comente sobre seu novo livro.

Meu novo livro “Dias contados” é, na realidade, uma reunião de contos que já vinham sendo escritos e reescritos há muito tempo. Uma linguagem que eu não ousava ainda revelar. Mas, o ótimo contista Caio Porfírio Carneiro considerou que eles tinham o valor necessário para serem publicados. Acabou fazendo a apresentação e eu aceitei a publicação do livro.

5) Como você vê o atual panorama da poesia brasileira contemporânea? Quais poetas você destacaria?


Considero que estamos presenciando um momento privilegiado na poesia contemporânea. Parece que os poetas atuais incorporaram a tradição à própria linguagem. A Internet, as oficinas literárias e leituras poéticas são instrumentos de comunicação e aprendizagem. Cada vez mais os poetas têm condições de conhecer os textos alheios, ampliar as experiências e os conhecimentos. Destacaria, entre outros: Álvaro Alves de Faria, Cláudio Willer, Celso de Alencar, Frederico Barbosa, Orides Fontela e Adélia Prado.

6) Por que a crítica literária tem se mostrado tão alheia ao que se tem feito em termos de poesia contemporânea? Como formar novos leitores de poesia ante a persistência da academia em ignorar a poesia brasileira que é escrita em nosso tempo?

A poesia é uma linguagem sutil, muitas vezes difícil de ser compreendida. Então necessita de muito tempo para está incorporada no cotidiano das pessoas. Mas ela sempre esteve em todos os lugares. Como se estivesse aguardando o momento propício para revelar o rosto. É necessário que as pessoas estejam abertas para este chamado.



POEMAS DE EUNICE ARRUDA


ENGANO

afinal
construímos prédios
casas jardins rosas
desabrocharam
trêmulas, afinal fomos
submissos às ocupações do dia
às estações do ano
à rotação da terra

Pensávamos ser esta a nossa pátria


TÃO TRANQUILA

Tão tranqüila a sala
A tarde caminha lenta impune
Portas fechadas
ressoam vozes
lá fora
um telefone jamais chama

Talvez chova ainda hoje
mas agora
nenhum risco ou relâmpago
Posso dormir neste barco
há arvores à margem sombreando o rio

É tão tranqüila a sala
na tarde seguindo lenta
E vibra
ardente
como uma palma de mão
Aqui descanso do sim e do não


SIM

Não ser o coração
uma ferida

Não ouvir
no ruído da chuva
presságios de um retorno
Não confundir ramagens com raiz

E saber
Tudo já foi encontrado
apenas é o que já existe
São nossas verdades as estações do ano


LENDAS

Naquele verão
o amor brilhou
como um sol
coloriu minha pele
e meu corpo
ágil pássaro
redimido
averiguou o que foi plantado
o que foi colhido

O amor mostrou a face
em sua face
naquele verão
fortes chuvas molharam a terra
e a colheita se fez farta exata
harmonia
entre o que é fome e o que sacia

Naquele verão
o amor apertou minhas mãos
suavemente
o amor apertou minhas mãos
com as suas mãos
fortemente
me revelou a vida. Profundo
foi o encontro. Na despedida

Poemas do livro Risco. Ed. Nankin




3 comentários:

  1. Achei bárbara esta visão sobre os dois procedimentos do fazer poético. O poema que chega quase pronto e se impõe. E o poema suado, construído e que acaba por nos construir. De qualquer maneira, a poesia de Eunice é magnífica.

    Abraços!

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  2. Sem dúvida, a Eunice é uma grande poeta. Fiquei feliz com sua entrevista. É um aprendizado. Um abraço, Nydia.

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  3. Eunice,
    Parabens pelo seu ato de criação.
    A arte acontece em belos poemas.
    Beijos,
    Regina

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