sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

A COMPREENSÃO POÉTICA



Há diversas maneiras de compreender a cultura desenvolvida por um povo ou civilização e sua tradição específica, mas nenhuma se compara a compreensão adquirida através do estudo da poesia produzida pelos seus poetas, independentemente do grau de complexidade, estilo e gênero poético (maior ou menor, erudito ou popular) que possam receber ou ter recebido da crítica especializada. Também se enquadram nessa concepção as denominadas culturas locais, ou seja, as que se desenvolvem em determinadas regiões representativas do mesmo país e etnia, mas que se diferenciam do todo pelas suas peculiaridades. O que apenas evidencia a dimensão heterogênea e dinâmica constitutiva de toda cultura.

Compreender o universo poético de um povo pode ser a chave para um entendimento mais aprofundado das razões que justificaram a unidade de sentido que marcou e configurou a época desse mesmo povo como obra de cultura. Visto que a linguagem é a revelação do humano por excelência e também o limite de suas possibilidades expressivas, segundo o filósofo Ludwig Wittgenstein, esse processo de compreensão pode ocorrer devido ao fato de que, ao contrário de obras escritas em prosa, a criação poética faz uso da especificidade lingüística inerente em cada povo e sua estrutura gramatical correspondente, o que, por sinal, delimita sua mensagem ao mecanismo da linguagem em questão. Esse fato foi também o motivo principal e mesmo determinante das inúmeras discussões e debates de ordem teórica que surgiram em torno da possibilidade ou não da tradução poética e de sua validade epistemológica. Penso que, apesar da relevância dessa problemática, o simples fato de se poder compreender as “leis” de uma língua possibilita o acesso a sua estrutura semântica e torna possível a compreensão das intenções do autor.

Sendo um artefato do espírito, a poesia promove a interação do indivíduo com o universal e sua efetiva integração na medida em que o poeta, em sua singularidade e subjetividade, pode representar todas as características formativas do gênero ao qual pertence: a humanidade. Em outras palavras, o poeta pode vivenciar o “sentimento do mundo”, como se expressou de forma memorável o grande poeta Carlos Drummond de Andrade.

Ao encarnar a compreensão poética de seu tempo, o poeta torna-se porta-voz do universal. No âmbito das apreensões imediatas, sua visão é sempre transfiguradora da realidade circundante ao qual se encontra inserido. O óbvio é apenas o resultado da cegueira ocasionada pelo desenraizamento poético do mundo devido ao predomínio de uma perspectiva utilitarista de vida. A tentativa de compreensão desse universo poético, exercida por uma cultura posterior, permite o acesso ao anseio universal presente no ideal humano característico de todo povo e eternizado em suas obras poéticas.

Podemos fazer a seguinte interrogação: o que existe de mais humano em um povo ou civilização? Eu afirmaria, sem dúvida alguma, que é sua poesia e suas múltiplas expressões. Não me refiro apenas ao conceito tradicional de poesia escrita, mas também a dimensão poética presente em seus templos, arquiteturas, músicas, danças, pinturas e ritos religiosos. Assim, a morte eminente de uma cultura poderia ser constatada a partir do momento em que essa mesma cultura se torna incapaz de produzir poesia. A ausência de poetas seria a certeza da desumanização de um povo ou mesmo de uma civilização.


Hilton Valeriano

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