sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

ENTREVISTA COM O POETA MAJELA COLARES




1) – Como ocorreu seu contato inicial com a poesia?


Meu contato inicial com a poesia ocorreu através dos Romances de Feira, hoje conhecidos por Cordéis, quando menino. Lia-os intensivamente. Era uma leitura sempre muito emocionante. Romance do Pavão Misterioso, Peleja do Cego Aderaldo e Zé Pretinho, A Batalha de Oliveiros com Ferrabraz, As Aventuras de João Grilo, A Morte dos Doze Pares de França, (uma versão da canção de Rolando em cordel), estes são os que mais marcaram minhas lembranças. Eram leituras que eu fazia às vezes solitariamente e em outros momentos lia, com muita empolgação, em voz alta, para os amigos. Outra forma de poesia que tive contato muito cedo, talvez antes mesmo dos cordéis, foi a Cantoria. O verso improvisado. Mestres do improviso como Antônio Nunes de França, Dimas Batista, Otacílio Batista, Pedro Bandeira, Diniz Vitorino, dentre outros, foram os primeiros que ouvi improvisando um Galope à beira-mar, um Martelo Alagoano, um Mourão voltado, um Quadrão Mineiro, um Desafio. Esse contato inicial foi com a poesia popular nordestina. Com o tempo, misturou-se a essa experiência popular, as leituras dos clássicos. Primeiramente Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Castro Alves, Olavo Bilac, Augusto dos Anjos, Camões...


2) – Como é seu procedimento ao escrever um poema?

Não existe um procedimento padrão. O poema emerge espontaneamente. Não escrevo poemas quando me encontro em estado emotivo, quer proveniente de uma situação agradável ou desagradável, (estado de inspiração), nem tão pouco em momentos puramente racionais (estado cerebral). O poema dá sinais... pisca o olho... sorri... no mais das vezes, de início, apenas capto a idéia. O momento de elaboração de um poema, em mim, acontece quando me aproximo o máximo dele, é uma sensação muito boa. É um estado que vai além da razão e da emoção, um estado que não sei definir... apenas percebo quando atinjo. Aí o poema começa a ganhar forma. Somente o que escrevo nesse estado que a mente alcança, para mim indefinido e imprescindível, é que considero poesia.

3) – O que é poesia para Majela Colares?

Conheço duas definições de poesia que acho maravilhosas. Uma afirma: “a poesia é a arte de dizer apenas com palavras o que apenas palavras não podem dizer”. A outra definição diz: “poesia é tirar de onde não tem e colocar onde não cabe”. São definições inteligentes que podem levar a outras. Eu nunca pensei em definir poesia. Poderia, no rastro das anteriores, afirmar: “poesia é algo que de forma alguma pode ser dito e, de repente, alguém diz”. Penso, no entanto, que poesia é muito mais do que isto. Enfim é algo indefinível.

4) – Como você vê o atual panorama da poesia brasileira contemporânea? Quais poetas você destacaria?

O atual momento da poesia brasileira é muito rico e marcante, no entanto pouco explorado. Existem grandes poetas escrevendo na atualidade. Nomes que merecem muito mais respeito, admiração e divulgação... que deveriam estar em seus verdadeiros e devidos lugares. Existe também muita gente sendo aclamada de poeta, nomes bastante famosos, e tudo o que escrevem ou escreveram de poesia não tem absolutamente nada. São meramente produtos da mídia. Não citarei nomes... com certeza cometeria injustiça. Esta diferenciação de quem é poeta e quem não é, de quem realmente é grande poeta, ou não, o tempo cuidará de fazê-la.

5) – Sendo um representante da poesia nordestina, como você vê a relação entre tradição poética e movimentos de vanguarda?

Escrevo poesia por necessidade existencial. Para responder, às vezes, inconscientemente questionamentos que me surgem até em sonhos. Ou num sinal de transito. A estética do poema, penso ser fundamental e muito tenho trabalhado isso. A tradição poética é, a meu ver, elemento imprescindível para a construção de uma obra poética. Um movimento de vanguarda é importante na medida da qualidade poética, estética e de pensamento que venha apresentar como alternativa para um estilo já existente. Em meu primeiro livro Confissão de Dívida, encontra-se poemas concretos, poemas visuais, sonetos, oitavas camonianas, poemas em versos livres... no segundo livro Outono de Pedra, (que é um poema único, longo) encontra-se tudo isso e mais algumas passagens onde entra a estética do cantador-repentista nordestino. Tudo isso foi resultado de leituras e influencias. Mas com o passar do tempo tomei consciência do que realmente a poesia queria de mim. As influencias das vanguardas passaram e restaram apenas alguns bons experimentos. Hoje ainda adoto estéticas variadas, mas a minha grande preocupação e comprometimento esta com a inovação da linguagem poética, com a fundição do signo, a implosão da sintaxe. Quanto ao fato de ser um representante da poesia nordestina me orgulha muito, mas não enxergo a coisa bem assim. Penso que ao invés de representantes regionais: sulistas, nortistas, mineiros, paulistas, cariocas, nordestinos, existem representantes da poesia brasileira. Trabalho para ser um deles.

6) – A inovação em termos de poesia é sempre necessária? Existe uma tradição perene em regiões especificas do nosso país, como o Grande Nordeste?

Se a inovação for pra melhor é necessária. Sempre será. Se analisarmos Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Joaquim Cardozo e João Cabral de Melo Neto, (nordestinos), Mario Quintana, (gaucho) e Carlos Drummond Andrade, (mineiro), verificaremos que existem diferenças estéticas e temáticas, mas nenhuma se identifica mais com esta ou com aquela região. (Com exceção à temática de João Cabral). Penso não existir uma tradição perene em regiões específicas do nosso país.

7) – O que você diria como forma de conselho para aqueles que estão se iniciando na prática da poesia?

Que leiam muito, principalmente poesia... que o ato de leitura seja dez, vinte, cem vezes mais frequente do que o ato de escrever.


POEMAS DE MAJELA CORALES

O PASTOR E SUA ALDEIA

A Altino Caixeta de Castro

Eu creio que a eternidade nasceu na aldeia
Lucian Blaga

o ladrido infinito de um cão morto
nas vozes de outros cães é repetido

muito além, incessante ao nosso ouvido
mais além, muito além da voz de um cão

trago a lua no bolso e o sol na mão
e um rebanho de cabras e de estrelas

no desejo incomum de sempre tê-las
na distante lembrança de uma aldeia

pervagando a memória das areias
onde estrelas e cabras pastam sonhos

trago à sombra de alpendres breve sono
pressentindo o rangido da tramela

despertado ao contorno da janela
no silêncio imortal da noite fria

canta o galo, outra vez, e denuncia
(seu cantar tem a cor da lua cheia)

o prenúncio de um dia em outro dia
da eterna solidão – eterna aldeia


UM POEMA DE PASSAGEM

tinha a voz da palavra em seu silêncio
e a presença... tinha imagem
eram sombras – um poema de passagem

tinha formas rondando o pensamento
no semblante uma miragem
eram rastros – um poema de passagem

tinha um gesto pousado sobre a fronte
neste gesto uma linguagem
eram versos – um poema de passagem

______________________

Alumbrado na tarde derradeira
que se fez infinita por um gesto
na lapela guardou a tarde inteira

e se foi pelas sombras, rumo incerto
só ficou no momento a voz poente
um sublime momento que foi resto

de vozes inconclusas quando ausente
o sensato limite do restrito
e no extremo da linha congruente

as mãos postas continham o infinito


MOTIVOS PARA UM POEMA

na frieza do papel nasce o poema
que há muito contornava minha mão

na incerteza dos dedos, o dilema

em fazer um poema sem razão
mas o verso não surge por acaso

sempre tem um segredo, um senão

desenhado na face, no sorriso
que sorri outra face com ternura

- o rosto imaginado – só por isso
a razão do poema é razão pura


SALMO PARA ENCANTAR A VIDA

Para Elisa, minha mãe

um mistério, o terço, um escapulário
nos olhos murmúrios, reza e segredos

cantos e salmos – um Santo Sudário

tecido de fé, tingido entre os dedos
palavras e ritos, gestos e encantos

a vida e a morte: os mesmos enredos

o instante sagrado, inerte e sereno
repousa entre as mãos, o instante mais calmo

o Céu vem dos céus – o mundo é pequeno
sublime é o canto, os gestos e o salmo


A COR DO SONHO POR DENTRO

nada mais ao tormento me antecipa
- o silêncio, a palavra, a dor, o riso

o medo a cada instante se dissipa

rompendo a insensatez do tempo omisso
vai além dos tormentos sem princípios

o silêncio inundando o som conciso

preso ao rosto – meu rosto entediado
de palavras, de dor, de riso e tudo

mas das sombras emerge do meu lado
a beleza invadindo o corpo mudo


O HOMEM PELO HOMEM

naquela noite eu não podia, pense
deixar meu gesto preso no sapato

fingir que flores surgem do cimento

depois voltar imune pro meu quarto
pensar talvez, um tanto inconseqüente

que no futuro só serei retrato

naquela noite eu não podia apenas
deixar que um susto fosse meu receio

tinha que ter em meu semblante, pense
meio sorriso laminado ao meio


MINHA ALDEIA E MEUS CHINELOS

em meus chinelos trago a minha aldeia
sob meu rastro tatuada e eterna

meu trisavô pulsando em minhas veias

minha palavra é sua voz interna
o seu olhar em meu sorriso sonha

em meu sorriso, seu olhar hiberna

a minha aldeia segue o meu destino
meu trisavô em mim refaz seus elos

se no universo penso e me confino
é que meu mundo trago em meus chinelos

Poemas do livro As cores do tempo. Ed. Calibán

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