sábado, 5 de dezembro de 2009

JORGE DE LIMA: A ESSÊNCIA CRISTÃ DA POESIA III


33

Vim para dar-te notícias deste mundo, sombra amiga, e eis que meus companheiros se deitam e se levantam ensangüentados como o sol. Já não acertam chamar-te com teu nome terrestre, pois seus lábios estão mais lívidos que o sangue dos mortos.
Corre entre o ar e o homem uma cantiga urdida de sortilégios: em cada coisa vivente a destruição começou.
Vim pára dar-te notícias, e eis que minha voz reboa com tais dimensões desconhecidas que me parece um pássaro de espanto.
Murmuro tua alegria, nesta aba de deserto: mas o eco total do mundo me estremece.
Pende teu ouvido para que eu nele me infunda e te diga: “Intercede para que renasçam as memórias abolidas dos itinerários de ascensão.”
Não há maior castigo do que a dúvida de possuir-se um coração mortal em holocausto à sanha dos irmãos.
Nem pena mais funda que esta de nos sentirmos mais travosos que as raízes.
Pende mais o ouvido: “Estamos confundindo o medo com a humildade ou mesmo com o frio deste inverno perene.”
Quero chamar-te por teu nome terrestre, e o esqueci.
As poderosas nações trituram o hálito entre os dentes.
Vozes vindas de rasgados confins começaram a imprecar desde ontem.
Quero chamar-te por teu nome terrestre, e o esqueci.

35

Estes cinco pães e estes cinco peixes
são semelhantes a todos os pães e a todos os peixes deste mundo.
Distribuo-os a cinco fomes semelhantes;
a todas as fomes absolutamente semelhantes no mundo.
Às fomes dos cinco continentes, às fomes dos cinco mundos espoliados
pelos cinco demônios ladrões de peixes e de pães.
Em minhas mãos estes cinco peixes representam
um oceano salgado de lágrimas.
E estes cinco pães são como cinco trigais devastados pelo fogo das guerras.
Há um momento em que das hastes do trigo
brotam pães semelhantes a peixes;
e os trigais oscilam,
como vagas de mãos acenando para os céus.
Desce dos céus trigo para as almas famintas de peixes
que voam como peixes-voadores sobre os mares encapelados
– mares encapelados, semelhantes
a trigais ondulantes em que voam pombas,
– pombas semelhantes ao Paráclito,
ao Peixe Voador,
ao Cristo,
ao Cristo multiplicado e distribuído em mim.

Jorge de Lima, Anunciação e Encontro de Mira-Celi. Ed. Nova Aguilar

2 comentários:

  1. Hilton,


    Gostei muito de conhecer o seu espaço, muitíssimo diga-se! Estarei por aqui com frequência para minha leitura ser inteira. E com gosto lhe enviarei poemas meus.

    Grande abraço, Gisela Ramos Rosa

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  2. Gisela, seja bem vinda! Obrigado pela visita. Um abraço fraterno!

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