segunda-feira, 25 de julho de 2011

JORGE ELIAS NETO: POEMAS

(Arthur Fischer)





Sobre anjos e blasfêmias


Existe uma parte que se quebra.
E sem ela,
receia-se
pelo fim do todo.
(Dizem-no: extinto.)
Reluzem desejos na convexidade
da grande esfera.
Por isso videntes
não a deixam tocar.
E a iluminam com a castidade
de seus olhos puros e atentos.
Deixam cair sobre ela
o que há de imaterial
nos anjos e estrelas.
(A ausência de peso não trinca
— não lasca — não faz perecer
a perfeição do que se enseja)
Só que um toque atrevido,
o quão delicado seja,
faz desabar o enigma
(Chamam a isso: pecado)



Portal dos anjos


Anjos...
Dou-lhes de presente
minha sanidade.
Sei o que me custará
rolar a cabeça no acaso ...

Anjos de poeta não implodem,
esvaem-se da cabeceira
da cama do menino.
Retornam para a dimensão do sonho
que se teve
e se dispersou com a razão.

Anjos ...
Retribuo com o poema a vigília
e peço que devolvam a Paulo
o Patibulum e a culpa.



Da construção de cidades e sentenças


Gélidos desfiladeiros
ladeando avenidas...
Estruturas metálicas — andaimes —
espinha dorsal de enormes geleiras
que sentenciam à morte
os que ignoram a cronologia
do desespero.

Um comentário:

  1. Pelo muito pouco que sei, há apenas um caminho para se alcançar a verdadeira poesia; este caminho consiste na busca incessante pela forma, adequando-se à idéia que a precede e a exige, e no preceito de que nada deve ficar além o necessário. Na poesia não a lugar para o supérfluo ou para substituível. Jorge Elias Neto, pelo que tenho apreciado em seus poemas desde seu Verdes Verso, ao seu mais recente trabalho, Rascunhos do Absurdo, com o qual, não faz muito tempo, gentilmente me presenteou, entende muito bem este preceito e, pelo visto, tem seguido e vencido este caminho.

    Silvério Duque

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