quinta-feira, 7 de julho de 2011

FRANÇOIS MAURIAC: O DESERTO DO AMOR






(...) o rosto de certas mulheres continua banhado de infância até mesmo em plena maturidade; e é talvez a infância eterna delas que fixa o nosso amor e o liberta do tempo.


“Esse rosto vai me consolar dos minutos miseráveis que é mister enfrentar num transporte público; posso suprimir o mundo em redor desse rosto sombrio e angélico. Nada me pode ofender: a contemplação liberta; ele está a minha frente como um país desconhecido; suas pálpebras são as praias devastadas de um mar; dois lagos confusos dormem às margens dos cílios. A tinta que ele tem nos dedos, o colarinho e os punhos encardidos, e o botão que falta – tudo isso é apenas um pouco de terra a sujar o fruto intato, subitamente caído do ramo e que, com mão cuidadosa, tu apanhas.”


Quem de nós possui a ciência de resumir a algumas palavras todo um mundo interior? Como destacar, daquele rio a correr, esta sensação e não aquela? Nada se pode dizer, quando não se pode dizer tudo.


Não há um amor, não há amizade que atravesse o nosso destino sem colaborar com ele pela eternidade.


Mas qual raciocínio pode nos defender dessa dor insuportável, quando a criatura adorada, cuja proximidade é necessária à nossa vida, mesmo física, se resigna, com o coração indiferente (e talvez satisfeito), à nossa eterna ausência?




(François Mauriac. O deserto do amor.)

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