quarta-feira, 13 de julho de 2011

ENTREVISTA COM O POETA MOACIR EDUÃO










1 – Como ocorreu seu contato inicial com a literatura?





A literatura foi sempre um campo fértil na minha família. De início, não exatamente a literatura acadêmica. Os grandes poetas dos bares, através da música de Orlando Silva, Vicente Celestino, Nelson Gonçalves, entre outros, tocaram o poeta em pai, fazendo-o aprender a tocar violão. Canhoto, apenas virava o instrumento, sem mudar a ordem das cordas. Ainda hoje, do alto de seus 80 anos, relembra-se de A Normalista, O Ébrio e outros tantos sucessos do rádio. Agricultor, sempre acorda cedo. E como os provérbios estão presentes em seu vocabulário, já diz, ao acordar: “deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer”. E completa, sobre o café: “Café e mulher, só presta quente!”. Semi-analfabeto, teve um bom preceptor - figura que faz muita falta hoje em dia, nem de longe comparado ao professor de banca. O preceptor era responsável pela formação completa, do primeiro ao quarto livro. Essa formação foi responsável por, mais tarde, permitir que ele fosse professor do antigo Mobral.



Dali, da cabecinha hoje toda branca, de meu velho, foi que tive contato inicial com a literatura. Tenho lembranças de sua vinda, sob o efeito da branquinha – quando ainda bebia, recitando o descobrimento do Brasil, em versos. Não foi culpa dele acreditar que “O descobrimento do Brasil foi um efeito do acaso...”. Em outra, voltava cantando: “Felicidade foi embora e a saudade no meu peito...”. Todas essas canções substituíram as canções de ninar que eu nunca tive. Mas a poesia ali, de textos pouquíssimos rebuscados, fazia eu gostar das rimas, das rimas que fui deixando, quanto mais encontrava as palavras. Certa feita, um colega de trabalho de meu pai o presenteara com o livro responsável pelo encontro. Era uma antologia de Castro Alves, Poesias Completas, das Edições Ediouro. Lembro-me da dedicatória: um livro não é um presente, é um amigo. Foi o necessário para que eu roubasse aquele conjunto de genialidade do bardo baiano, minha inspiração de sempre, lugar em que moro, literalmente. Ahasverus e o Gênio, Adormecida, O Navio Negreiro, Laço de Fita, e tantas poesias arrebatadoras me balançaram o cérebro juvenil como em “doudas espirais” das correntes entre os braços nos porões daqueles barcos de escravos. Hoje, moro na rua Castro Alves, no bairro Boa Vista. É como se estivesse marcado pela poesia.



Meu irmão, também poeta, me presenteava com instrumentos musicais. Apresentava-me Xangai, Elomar, e a leitura. Uma vez, conheci Richard Bach com a linda Águia de sua obra “Longe É um Lugar Que não Existe”. “007 Contra o Foguete da Morte” não me saiu da lembrança, mas só o título. Talvez se eu o lesse, iria imaginar que longe é lugar que existe.



E foi assim, sem muito me esforçar, que a literatura me encontrou, para que depois eu mesmo a buscasse, em Gibran Khalil Gibran; em Lao Tse; em Nietzsche. Depois, na Universidade Estadual de Feira de Santana, conheci métodos, novos autores, poetas magníficos vivos, arte, cultura, crítica literária, literatura comparada. Muitas coisas que foram aprendidas na Universidade precisam ser esquecidas. Quando me ingressei no curso de Letras da UEFS, já estava com dois livros prontos. Dois de meus padrinhos, na escrita, foram os professores Pedro Correia de Souza e Jorge Portugal.



Lancei o primeiro livro em 1998, Poesia e Tempestade. Em 2000, Bahia Poesia. Em 2003, Ao Tempo (in memoriam). E, por último, em 2005, desespaços. Foi na UEFS que tive contato com o Grupo de Recital Os Bocas Do Inferno, do qual fazia parte Silvério Duque, Nívia Maria, Lucifrance Castro, Tito Marcos, Eva e Ione. Encontrar essa equipe foi um momento mágico para o poeta romântico que eu era. Ouvir um recital de Navio Negreiro tão belamente apresentado só fez com que eu me apaixonasse, pela arte, pela musa, pela essência e alma ali expostas.



Outros tantos encontros importantes, como Gabriel Ferreira, magnífico artista plástico, então aluno de Economia. Cleberton Santos e os professores Aleílton Fonseca, Ana Rita Sulz, Roberval Pereyr, Antonio Brasileiro, entre tantos encontros foram marcantes nesta caminhada. O professor Nigel Hunter foi um norte na literatura Anglo-Americana. E para cometer o pecado de não citar outros tantos, devo parar com a lista, que é enorme. Participei de várias edições de antologias, concursos, entre outras coletâneas nacionais.





2 – O que é poesia para Moacir Eduão?





O que é.



Poesia é mais do que se pode escrever. Lembrando Seamus Heaney, Prêmio Nobel da literatura, poesia para mim é cavar, como quem cava covas de batatas. Poesia precisa sujar os dedos, a mão toda, a alma. Poesia é um teclado quebrado, do qual uso as teclas pregadas num caderno, apenas pelo efeito visual de digitar sobre o papel. Isto são coisas do poeta Adherrio-Lais, meu conterrâneo. Poesia é juntar unhas em quatro estrofes, com o título: Zé do Caixão Soneto. Poesia é uma rima. Um verso branco. Outra rima. Outro verso branco. É métrica, é fita métrica. Poesia é o que se causa com ela. É um pedaço do muro de Berlim. A muralha da China. Renoir. Ninguém. Poesia é uma conta: humano x humano. Poesia é o que se faz prosa, sem que se perca o poético. É a poesia, um conto sem que se conte nada. Ela não serve para nada e serve para tudo. Não serve para pagar a feira. Não serve para o sexo. Não serve para a calma. Mas serve para a flor, para o perfume e para a alma. Poesia é o que é. Nada além do que é. Não é o que parece. Poesia não se parece com nada. Pelo menos até eu terminar esta linha. Poesia é líquida e se lapida. Berço e lápide.



3 – Como você vê a cena poética em sua região, o grande Nordeste?





O Nordeste, como você afirma, é enorme. Essa dimensão, hoje em dia, é multiplicada, também, pelas novidades tecnológicas que quebram divisas, que renovam a ideia de publicação impressa, a forma e o meio de divulgação de textos. Tenho acompanhado a internet e percebendo o quanto os contatos vão acontecendo. O Nordeste não é rural, não é regional, não é bairrista, na literatura. O romantismo acabou. Nosso artista mais representativo, o cordelista, está cada vez mais antenado às novas tecnologias, temáticas, formas de propagação. Faz sua “xilogravura” on line. Fala de e-mail, de literatura universal, marginal, etc. Há poetas multifacetários, indo e vindo na dança das formas que aprenderam a apreciar. Lembrei do Gustavo Felicíssimo, grande poeta e estudioso, residente em Ilhéus. Do cordel ao haikai, ele faz seu caminho de poeta e crítico, só para citar um exemplo. Hoje, vejo a cena poética, no Nordeste, como em qualquer lugar do Brasil. Não há mais distinção, setorização, marca regional. Há, sim, uma marca: a marca musical que o poeta nordestino traz consigo. Os poemas vêm marcados intensamente com o sotaque singular dessa alma forte, consignado seu sangue à vida. O poeta Nordestino não é um poeta nordestino. É um poeta. E poeta não tem endereço físico. Com certeza, os sites de relacionamento tomaram conta dos poetas do mundo. A cena poética aqui é essa: escreve-se, compartilha, envia-se por e-mail. E isso é para quem quer, inclusive, enviar mandacaru, cuscuz, maxixe, folha de palma e um chá de umburana. Ou chips, bytes, bits, wireless, iphone, ipod and tablets.




4 – Fale sobre sua experiência como coordenador do Ponto de leitura Solar da Boa Vista Castro Alves.





O Solar da Boa Vista Castro Alves, premiado pelo Ministério da Cultura, em 2008, por empréstimar livros e periódicos a comunidade de quatro bairros da periferia de Irecê, registrando, de julho/2009 a julho/2010, mais de 4000 empréstimos, principalmente ao público infanto-juvenil. A compreensão da importância de dar acesso gratuito ao livro e à leitura, na periferia de uma cidade sem teatro, cinema ou centros de cultura, fomentando as artes literárias e a pesquisa, através de empréstimos, rodas e oficinas de leitura, pintura e escrita. Outro aspecto motivador foi perceber que, nas escolas estaduais, as bibliotecas continuam fechadas, sem funcionários, e ver aqueles livros magníficos fechados me fazia frustrado frente a minha função de educador. Então, resolvi buscar parceiros para abrir o Ponto de Leitura fora da escola, completando, de certa forma, uma lacuna terrível que contribui para os críticos índices de leitura em nosso país.



Fomentar a leitura prazerosa, dando acesso ao livro e à leitura; A importância se dá pela emergência na melhora dos índices de leitura, dado o ínfimo número de 1,9 livros por ano, segundo estatísticas oficiais (PNLL); Preencher uma lacuna, em nossa comunidade, no sentido de ampliar ações que contemplem o livro como propulsor da cultura, memória e tradição oral, no bairro carente da Boa Vista e vizinhança.



Até início do ano, 350 inscrições, significando mais de 350 famílias com carteirinha. O atendimento diário chega a uma média de 15 empréstimos diários, sendo que o acesso sem registro pode ter chegado a mais de 1000 pessoas. Em relação à quantidade de empréstimos, registramos mais de 4500, no período de um ano. Dezenas de rodas e oficinas de leitura, pintura, escrita, confecções de fantoches, cursos de música, flauta doce, além de empréstimos de periódicos, filmes educativos e documentários, além de sessões de filmes infantis.



Com o apoio da Fundação Dorina Nowill, damos acesso a livros em Braile e AudioBooks a deficientes visuais, entre eles, associados da ADEVIR, Associação de Deficientes Visuais de Irecê, promovendo acessibilidade. Mantemos um pequeno Museu do Sertão, com peças ligadas ao cotidiano do sertanejo, como “fogão de lenha, panelas de ferro, ferro de brasa, máquina de forrar botão, moinho manual de milho/café, etc. Por conta de nossas atividades, em 2008, o MINC nos premiou com um computador e acervo de 650 livros, além de prateleiras e pufes (ver carta do MINC anexa). A partir da carta do MINC, parceiros diversos foram conseguidos, para avançar, como o acesso grátis à Internet, doação de aparelhos de vídeo, DVD, Máquina de xérox, prateleiras, revistas, gibis, etc, parceria de voluntários na execução das oficinas, etc.



Eventos em rede foram promovidos, junto aos Pontos de Cultura Cantando a Cidadania e Ciberparque Anísio Teixeira, Ponto de Leitura Mecenas (São Gabriel-Ba), além de instituições como as maçonarias, CDL, ACI, Sindicatos,e Academia de Letras de Irecê, Arquivo Público Municipal, Biblioteca Municipal, Fundação Bradesco, etc, através de doações de acervo e apoio na reforma do espaço emprestado para o desenvolvimento das ações do Ponto de Leitura.



Como a ação se mostra, em tão pouco tempo, tão positiva aos públicos, o professor Moacir Eduão, servidor proponente deste Prêmio Servidor Cidadão, enviou proposta ao Lions Clube de Irecê, a fim de implantar, em todos os bairros e distritos da cidade, um Ponto de Leitura semelhante ao da rua Castro Alves. A proposta foi aceita, e já está sendo executado o programa Um Ponto em Cada Ponto, que é uma parceria com o Lions Clube, e as Associações de Bairro. O próximo Ponto, já em fase de realização, é o do Bairro São Francisco, antes conhecido como “As Malvinas”, devido ao descaso público frente a seus cidadãos, homens de bem sempre discriminados. As ações são comunitárias, não tendo qualquer interesse político para mim, o que me faz sempre repetir que sou um poeta e que poeta deve ser sempre infiliável, incadidatável e inelegível.



5 – Qual a importância da leitura e do livro em um país como o Brasil, onde a educação em uma perspectiva ampla, ou seja, como processo cultural emancipador do ser humano, é sempre renegada a discursos mercadológicos de economistas?



O Brasil é um país carente. Não porque seja pobre. É carente porque se esforça para sê-lo. No campo do livro e da leitura, pode-se ver o quanto estamos há anos-luz de chegarmos a índices satisfatórios para conduzir uma política pública que seja contundente, nessa área. O exercício da literatura, diário, deve perder o termo exercício. Parece coisa da ditadura. Exercitar é um termo nada prazeroso para cuidar da arte. Para os brasileiros, ler poderia se tornar bem menos doloroso. Bem menos tenso. A dificuldade é tão grande que discussões sem lógica colocam em cheque até obras de Monteiro Lobato. A noção de livro e leitura, no Brasil, sempre traz em anexo o arquivo mercadológico, a presença de editoras, a elite de grupos responsáveis pela organização das Feiras Literárias. Ler para se libertar, se emancipar, não é uma meta ainda, dos poderes públicos. Pelo menos, na Bahia, pode-se pesquisar, escola por escola, quais delas, salvo algumas exceções, que mantêm ativas suas bibliotecas. Quando digo ativas não quero dizer apenas abertas, mas com ações de incentivo, com rodas de leitura, com oficinas de fantoches, etc. Quantas cidades recebem livros, através de editais, e também visitas técnicas, ou apenas cobrando relatórios de atividades, como prestação de contas pelo investimento da União ao projeto de transformar esse país numa nação de leitores?
Não adianta enviar livros. É preciso que haja planejamento, manutenção dos espaços de leitura, contatos com redes de bibliotecas, incentivo, inclusive monetário, para ações que comprovem avanço em índices através de projetos literários. Prateleiras cheias é um erro. Devemos confiar nos leitores. Perder um livro é menos prejudicial que perder uma pessoa.



Ler é desenhar na mente o que o autor escrevera em uma folha. É viajar para a mente do autor e tentar imaginar o quanto de cérebro foi gasto, o quanto de loucura veio à tona, o quanto de mentira forjou-se na verdade.



O mercado sabe os segredos desse mistério. E sabe que vender tudo isso é um bom negócio. Vender imagens fantásticas codificadas em letras é como vender espelhos, pagando não pelo vidro, mas pelo reflexo do que não existe nele.

2 comentários:

  1. Moacir Eduão tem uma poesia que já não se encontra mais por ai:
    Forte, sensível, abrangente...

    Maravilhosa entrevista, assim ficamos conhecendo um pouco mais o grande poeta e sua trajetória.
    Parabéns pela iniciativa.

    ResponderExcluir
  2. Valeu pela entrevista Moá, gostei da sinceridade e firmesa que você expôs nessas verdadeiras declarações de sentimentos e conhecimentos da literatura poética.
    Obrigado por ter contribuído para o seu aprendizado.
    Prabéns.

    ResponderExcluir