sexta-feira, 8 de julho de 2011

FRANÇOIS MAURIAC: O DESERTO DO AMOR II






Quando a presença de um ser humano nos emociona, independente de nós, nós estremecemos ante as possíveis conseqüências, e perspectivas indeterminadas nos perturbam.




A tempestade se afastava, mas ainda não se fora de todo, e o próprio silêncio a revelava. Então Maria Cross sentiu nascer em si uma inspiração, da qual, tinha a certeza , não havia motivo para desconfiar; levantou-se, sentou-se à mesa, escreveu; “Não venha domingo, definitivamente; nem domingo nem nunca. É só por você que consinto nesse sacrifício...” Deveria assinar, nesse ponto, mas um demônio soprou-lhe no ouvido para acrescentar uma página a mais: “...Seria você a alegria única de uma vida atroz e perdida. Nas nossas voltas deste inverno, eu me repousava em você, embora você não o soubesse. Mas aquele rosto que me oferecia era apenas o reflexo de uma alma cuja posse eu desejava; queria não ignorar nada de você, responder às suas inquietações, afastar os galhos que lhe impedissem os passos, tornar-me para você mais que uma mãe, mais que uma amiga... Aqui, você respiraria, mau grado seu, mau grado meu, a atmosfera corrompida onde sufoco...”




Maria se endireitara, os braços lhe pendiam; Raymond não ousava erguer os olhos, mas escutava aquele corpo tremer. Embora comovido, duvidava daquela dor e, mais tarde, em caminho repetia consigo: “Ela se emociona com a própria representação... como explora bem o cadáver... e contudo, as lágrimas...?” Sentia-se perturbado na idéia que fazia da mulher; o adolescente tinha das “mulheres perdidas” uma imagem teológica, como lhe fornecida pelos mestres, embora se imaginasse livre da influência dos padres. Maria Cross o cercava como um exército em ordem de batalha; as argolas de Judit e Dalila lhe tilintavam aos tornozelos; não havia traição ou fingimento de que ele não julgasse capaz aquela cujo olhar os santos temiam tanto quanto a morte.




(François Mauriac. O deserto do amor)

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