sábado, 18 de setembro de 2010

JOAQUIM BRASIL FONTES: SENTENÇA, MÁXIMA, APOFTEGMA

(Malevich)

Erasmo chama um conjunto de frases lapidares, reunidas em volume, de Adágios; e, não menos elegante no corte rápido das suas, La Rochefoucauld acreditava, entretanto, estar escrevendo Sentenças e máximas, e La Bruyère, Caracteres. Quando, confundidos, nos voltamos para o dicionário – o nosso Aurélio, por excelência um tesouro de boas definições –, evidencia-se, definitivamente, o quanto são porosas as fronteiras que separam, confundindo-as na vertigem da sinonímia, as tradicionais formas linguísticas consideradas, por conta da condensação do pensamento no verbo, breves: “...máxima é uma sentença ou doutrina moral, aforisma ou apoftegma”.

Ora, maxima sententia é um conceito jurídico: um axioma de direito contra o qual não há objeção possível; e aqui já se destaca uma das características fundamentais da sentença ou máxima, no sentido atual do termo: concentrado, rápido e elíptico, o discurso sentencioso avança recusando dialéticas e mediações e impondo a evidência indiscutível da sua lição; não hesita, não conhece a dúvida; é uma espécie de aparelho castrador, observa Barthes, que compara a máxima ao corselete de um inseto encerrando-o na sua proteção: “ela está armada porque fechada”.[1] Essa curiosa comparação aproxima a sentença, aliás, daquilo que os românticos alemães chamavam de fragmento: “Um fragmento”, anota Schelegel em Athenaueum, “tem de ser, igual a uma pequena obra de arte, totalmente separado do mundo circundante e perfeito em si mesmo como um porco-espinho”. “O porco-espinho”, rabiscaria, à margem desse texto, o poeta Novalis: “um ideal”.

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Deixando de lado a tentação de sondar a história da máxima, da Antiguidade aos modernos, passando pela Idade Média, que não a distinguia, aliás, do provérbio, voltemos os olhos para o brilhante duque de La Rochefoucault que inaugura, no século XVII, um sistema pessimista de máximas, de uma arte admirável, epigramática, rápida, sutil e tantas vezes cruel no seu modo de ser cortante. La Rochefoucault é um moraliste, no sentido francês e literário da palavra: um observador implacável do comportamento humano, do alheio e do próximo.

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Moraliste, La Rochefoucault inaugura, também, as características fundamentais, para nós modernos, da máxima: a clareza (que pode, entretanto, encerrar enigmas...) e a concisão, o corte elegante da frase. A clausura do discurso. A recusa das dialéticas. O olhar implacável lançado sobre o homem, seus comportamentos, esperanças vãs e mentiras. A presença, na frase, do Witz ou chiste.


[1] Roland Barthes, “La Rochefoucault: Réflexions ou Sentences et Maximes”, IN: Le Degré Zéro de l’Écriture (Paris, Seuil, 1972; pág. 71).

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