domingo, 12 de agosto de 2012

OSCAR GAMA FILHO: POEMA


(W.J.Solha)



TEMPO DE MORTOS

Escute, Oscar, com calma me ouça.
Não se emocione sempre e tanto assim.
Este não é um tempo de poetas,
Este não é um tempo de rimas,
Este é um tempo de mortos:
Todos estão empenhados em matar os outros
e em matar a si mesmos,
O amor se tornou um tipo especial de bolsa de valores
a que apenas os ingênuos se dedicam,
Teóricos se empenham em provar que a arte está morta
e que todas as relações, possibilidades e esperanças morreram.

A você, que um dia se mata
mas em outro ressurge,
Cabe a tarefa necessária mas impossível
de ressuscitar os mortos.

Não se assuste com a responsabilidade.
Principalmente, não a leve tão a sério,
Ou correrá o risco de matar e de ser morto.

 Arme-se todo de doçura, de ingenuidade, de pureza
e de crença nos homens.

Olhe-os nos olhos, como você faz, e eles tremerão.
Verdade, aquilo que você oferece de melhor
e do modo mais amoroso
será alvo de deboche.
Seu nome será arrastado pelas bocas
e seu corpo será esticado nas masmorras
em tom de escárnio.

Palavras duras como pedras serão atiradas.
O alvo, você bem sabe, será sua cabeça
e, principalmente, sua alma
e este seu estranho sentimento do mundo.

Ofereça sua alma e sua emoção aos homens de pedra.
Não tente se desviar dos projéteis.
São mísseis infalíveis teleguiados
atraídos pelo calor da vida que destroem.
Messiânicos e dogmáticos, eles têm uma missão a cumprir.
A única coisa que poderá detê-los é seu sangue.
Com amor, ofereça-lhes o peito, dê-lhes de beber.
É justo: têm sede e são insaciáveis.
E você, Oscaro, é inesgotável.
Pelo menos até um dia se esgotar.
A música em verso do seu sangue
acalmará até mesmo os animais
e lhes restituirá a vitalidade perdida.

Sim, são mortos-vivos, mas o sangue dos poetas
é libertador, delicioso e ressuscita.

Sei, bem sei que seu sonho é não mais escrever,
É abandonar a pena dos outros
e, como os outros, morrer
para o que realmente se vive.

Por que você escreve tanto, então?

Calma, amigo insone, recupera a paz
e não deixa de fazer o que te faz.
Só assim, tranqüilo e sempre-vivo,
Um dia — profundamente — dormirás.

Um comentário:

  1. Oscar Gama Filho é um grande poeta. "Tempo de mortos" é uma poesia que inspira, recheada de inquietude e, paradoxalmente, de desepero e esperança. Oscar é um poeta versátil, desses que se bebe como água e se toma como vinho.

    Ana Cristina Costa Siqueira

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