(Jusepe di Ribera)
A Arte da Guerra
Carta-testamento
para Renato Pacheco (1928-2004)
Preso em Trancoso blues,
Trancado, não pelo repouso contínuo
no pus,
Mas sim pelo descanso eterno no
supercílio:
—
No soco direto da aranha venenosa na trilha do rio
fui a nocaute por medo da cegueira de
Borges e Homero.
Porém não quero ser cego assum negro
Otelo
para assim cantar melhor o que quero:
—
Cantando a meio vapor pelo rio
já sou mais rápido do que a
visão fugidia que a mira
líquida da crítica divisa em meu
exílio.
Morrendo de saudade por bolhas de
varíola
trazidas pelas picadas da aranha em
lugar de olhos,
Prefiro não ficar cego por enquanto
e por enquanto se torna bastando,
Bastante, o bastante.
Basta antes.
Ando tão ocupado vendo,
Que não tenho tido tempo para
envelhecer.
Como você, Renato Pacheco,
Por isso não lhe escrevi antes.
Antes foi o bastante.
A arte da guerra
é a da espera.
Temos de sobreviver por eras
à espera que o inimigo pereça
pelo mal que reside em seu destino e que
o envenena,
Não por nossas mãos, pois em peçonhência
a ele nos igualaríamos.
Tal como a cura psicanalítica,
Garantida em um prazo de duzentos
anos,
Temos de sobreviver a ele
lutando a “guerra sem travá” do
Ticumbi,
Pois na “guerra travada” com as armas
do mal ele seria vencido no segundo
tornando-nos os herdeiros reais do
reino decaído,
Paraíso perdido contra o qual nos
voltamos
em revolta que lançamos contra ele
tudo em volta.
Tudo volta.
Tudo volta em outros
miltons, renatos, vicos:
—
Em nós, seus filhos, em eterno retorno do viço.
Em você, Renato, renasço o re-nato
renascido
por mandinga trazida do berço
Pendragon
étimo, étnico, genético, agônico,
A eles sobrevivendo se transformando
em sabedoria
que vai além da livraria
com que te sepultariam
— se você coubesse dentro de uma
poesia —
e de que você se livraria
com seu sorriso largo sábio aberto
que, anterior ao pensamento, o
entenderia.
Renato renascido pela Palavra
do belo não é o que se mata,
É o que ressurge da assassina faca
da
fênix que vem refazê-lo menino
para que possa cumprir o seu destino:
—
Renascer por autoconcepção
do saber
em moto-perpétuo partenogênese.
A arte da guerra é a da espera.
Temos de saber sobreviver por eras.
Estar no inferno sem desesperar
é o mesmo que estar no céu em espera.
Sabê-lo, eis o segredo
para se manter atualizado no degredo
do lar perpétuo.
A arte da guerra é a da espera.
Você continua ganhando o jogo.
Espere e verá.
Por eras, seguindo seu exemplo, não
terei tempo para envelhecer,
Por eras, a arte da guerra foi e era
a espera.
E a esperança não se desespera.
Espera, neném — ah, veja, olhe lá!
Abre-se a esfera da Terra:
—
A arte da guerra é a da espera!
Não tenho tempo para envelhecer.
A arte da guerra é a da espera.
Espera em paz.
Florianópolis-Trancoso,
11 de janeiro de 2005.
Belo poema em homenagem a Renato Pacheco - historiador, escritor e poeta. "A arte da guerra é a da espera": Às vezes, preferimos urdir palavras em silêncio. As palavras de Oscar guardam muito dos silêncio de fornalhas e dos silêncios passados sobre os frios leitos dos mármores.
ResponderExcluirAna Cristina Costa Siqueira