terça-feira, 30 de novembro de 2010

CRUZ E SOUSA: POEMA

(Velázquez)



DEUSA SERENA

Espiritualizante Formosura
Gerada nas Estrelas impassíveis,
Deusa de formas bíblicas, flexíveis,
Dos eflúvios da graça e da ternura.

Açucena dos vales da Escritura,
Da alvura das magnólias marcessíveis,
Branca Via-Láctea das indefiníveis
Brancuras, fonte da imortal brancura.

Não veio, é certo, dos pauis da terra
Tanta beleza que o teu corpo encerra,
Tanta luz de luar e paz saudosa...

Vem das constelações, do Azul do Oriente,
Para triunfar maravilhosamente
Da beleza mortal e dolorosa!

domingo, 28 de novembro de 2010

ROMMEL WERNECK: POEMA

(Rafael Sanzio)



COMO TE CONTEMPLO!

Ah! Como eu te admiro! Como te contemplo!
Tu disseste sim ao nosso Deus Senhor.
Foste tu o belíssimo e sublime templo,
Em que foi gerado o Filho Salvador!

Quero seguir tuas frases e teu exemplo!
Eis aqui o menor servo do Redentor...
Ah! Como eu te admiro! Como te contemplo!
Minha alma engrandece ao Deus do grande amor...

Eu, que nem o amor de meus próximos tive,
Descobri um amável pai chamado Deus
E que minha Mãe Santíssima em mim vive...

Jesus, seguirei pra sempre os passos teus,
Pela obediência, pobreza e pureza,
Pra viver na mais triunfante nobreza!

MARCILIO MEDEIROS: POEMAS

(Jackson Pollock)



A MORTA


seca
a porta
despida
fibra ante fibra
ocultando-se

cadáver
posto até quando
destroçar os veios
enxame de abelhas
descompactando-se

CAVALGADURA


sim,
olhos de marfim
órbitas de sodalita
perfuram, insólitos

o mole centro
do abdômen
dentro do homem
saturam

sala vazia de órgãos
vãos órfãos azia
amálgama
escura

cavalo
que cavalga
a alma
dura

MORTE TERMO TEMOR

Aguarda: tom de neve.
Água parda proscreve
a rapidez. Agora tarda

Afeito: bom para sumir,
de terra desfeito, vai surtir
único e último efeito.

Fira: dom da faísca.
Fogo de pira confisca
quem só se reproduziu na lira.

Alarde: som de alaúde,
ar de notas arde sobre o ataúde,
antes que chegue a tarde.

PÉS

Escassez de nuvens
sobre o piso.
Tez inchada de pés sem
o alarido
dos passos.
Descalços
todavia presos
Crassos
mas não tesos

Em vão
será suficiente
supor
que movimentos
de dedos
sustarão
termo, memória, medo
do rumor.


sábado, 27 de novembro de 2010

MÁXIMAS OU AFORISMOS SOBRE O AMOR

(Klimt)



2

É possível que ao findar o dia possamos olhar para nós mesmos e percebermos que realizamos o ato primordial pelo qual nos tornamos humanos: Amar. Mas se somos humanos quando amamos, o que somos quando odiamos?

3

Amamos pouco quando satisfazemos nossos desejos, pois o amor não reside na posse e sim no desprendimento.

4

Amamos quando outorgamos ao outro o direito de ser si mesmo; portanto, de não ser apropriado.

5

Todo objeto de desejo é uma reclusão ao amor.

21

Para todas as formas de amor há sempre uma maneira de se compartilhar a solidão.

49

Nunca amamos o suficiente quando amamos o que desejamos.

54

No amor elevamos e rebaixamos o que desejamos.

61

Não saberemos do amor sua verdade. Somente sua condição.

63

Porque amamos também odiamos.

64

Amor e ódio: sentimentos recíprocos?

66

Nunca amamos o suficiente para não precisarmos odiar.


101

A fronteira entre o amor e o ódio é sempre dúbia.

120

As ocasiões para o amor são sempre repentinas. O que explica a inconstância dos relacionamentos.


140

No amor raramente perdoamos o sentimento de vingança.

142

Também destruímos ao amar.

144

Nem mesmo no amor prescindimos da solidão.

146

Há múltiplas formas de amor, mas só um desejo.

151

Amor: raro enleio em meio ao incerto jogo das representações.

155

Não somos culpados por amar e sim por sermos amados.

165

A fidelidade de um homem não se vincula ao seu amor e sim ao seu caráter.

182

No amor pagamos tributo de nossos defeitos assim como de nossos melhores intentos.

202

No amor ou no ódio cedemos aos erros mais primários.

Hilton Valeriano


Obs. Aforismos de minha autoria protegidos por direitos autorais.

RÉGIS BONVICINO: POEMA

(Tàpies)



CANÇÃO ( 4 )

Quantas vezes esfregou
os dedos nas unhas
o sol caindo atrás das paredes
quantas vezes revezou-se

consigo mesmo em silêncio
quantas vezes esteve
no justo oriente de qualquer limo
quantas vezes quis

ser Rimbaud e traficou
aspirina
os dias passaram, severos,
como o vazio

hoje?, ontem?, quantas vezes
as grimpas não giraram
o amor era das palavras, entre elas
fria estrela que irrompe

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

GABRIEL RÜBINGER: POEMA




Lux Aeterna


A Luz Eterna andante invade os lares,
Quasares brilham no céu flutuante.
Um lampião aceso, e os negros mares,
Trissares de estrelas no quadrante.

Espetáculos ébrios de pulsares,
Aos pares, em silêncio causticante.
Um furacão represo invade os ares,
Vulgares beijos, lume irradiante.

Paro-me em meio a três pilares:
Oculares Três Marias, vagante,
O céu gira em turnos regulares,
Hectares tão longes, tão distante!

Tão vívido de paz busco lugares
Que permeiam o infinito semblante
Das estrelas, mães espetaculares!
Tão vívido, e mais, e mais luares!
O céu é incrustado de brilhante,
E as estrelas são gigantes altares!

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A ARTE DOS VITRAIS




A cada entardecer, figuras e luzes sagradas pouco a pouco diluem-se na noite e ressuscitam de manhã, para oferecer a imagem radiante do eterno retorno da Palavra divina. A rosácea, flor que gira como o universo na sua perfeição concêntrica, torna-se um imenso cristal multifacetado que, qual síntese fulgurante da criação, espalha à sua volta a radiância e o sopro da emanação divina.

No mesmo momento (entre 1260 e 1270) em que os mestres vidreiros de Notre-Dame de Paris ajustavam os vitrais da grande rosácea, a alguns passos dali, no Convento dos Dominicanos, na Rua Saint-Jacques, Tomás de Aquino escrevia: “Na emanação das criaturas há como que uma circulação ou uma respiração, devido ao fato de que todos os seres voltam no fim para o lugar de onde procedem, como de seu princípio”.


(Michel Ribon, A arte e a natureza. Ed. Papirus)

A ARTE DOS VITRAIS II




O esplendor dos vitrais da catedral gótica também realiza, por meio do que há de mais brilhante na natureza, a captura da beleza divina, para aí fazê-la presente. Em especial no espaço resplandecente da rosácea, os engastes de chumbo parecem aprisionar uma abundância de figuras emprestadas da natureza e dos relatos das Escrituras. Atravessando-as como um sopro, para iluminá-las e acabar por dissolvê-las num deslumbramento, a luz do sol decompõe-se e se recompõe, para se tornar, transfigurada, a do Deus criador, cuja flamejante difusão no interior do templo capta o fiel, a fim de convidá-lo para a festa próxima de sua própria transfiguração.

(Michel Ribon, A arte e a natureza. Ed. Papirus)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

PAULA CAJATY: POEMA

(Paul Delvaux)



Quiasmas tardios

ainda suspiram razões
desprovidas de sentido
e respiram fuligem
na ausência de qualquer
poeira fixa e imutável
que lhes aplaque a fome

.

são esses quiasmas do nada
bravio
que se entrecruzam
selvagens
num acaso incolor
ao tardio do tempo
que paira fugaz,
verte morto
e esvai gélido
descosendo tramas
miragens e almas.
ainda preferem o tormento
talvez, a lembrança atroz
ao descanso na paz insípida
cama inodora, angustiosa
da inexistência.