quarta-feira, 30 de junho de 2010

ENTREVISTA COM O POETA JORGE ELIAS NETO



1) – Como ocorreu seu contato inicial com a poesia?

É natural e salutar que o leitor se interesse pela trajetória do autor. Entretanto, sempre me questiono sobre a relevância de saber os como e porquês da vida de um autor. Digo isso por considerar que muitos autores buscam, com níveis variados de consciência de o estarem fazendo, promover sua imagem; elevá-la a um patamar acima de seus escritos. Meu olhar de médico me faz ver que nesse nosso tempo de internet e tantas outras mídias corremos o risco de contrair uma “multimidiaíte” (deveras contagiosa). Com isso não concordo, daí tentar monitorar (com a rigidez que me é possível) o SUPER EU dentro de mim. Com essa ressalva, sobre buscar me resguardar de extremos, tento estabelecer um nível apropriado para iniciar a resposta à sua pergunta. A minha infância e, por conseguinte, toda minha vida, foi marcada por duas pessoas que despertaram o poeta que hibernava em mim. Quando tinha aproximadamente 5 anos, minha avó saiu do sertão do Rio Grande do Norte para morar em minha casa. Ela trouxe na bagagem a memória viva do povo sertanejo. Analfabeta, decorou tudo que ouviu de seus antepassados, poemas, versos, músicas e longas histórias. Eu passava horas, diariamente, deitado em seu colo ouvindo-a, apaixonado, cantar e recitar cordéis. Ela era considerada a guardiã das histórias em sua cidade de origem. Somente para complementar, ensinei-a a ler e escrever o nome quando tinha 74 anos. Depois ela buscou, voluntariamente, o Mobral para se alfabetizar e poder saborear, orgulhosa, a leitura dos jornais diários. A outra personagem, digo isso porque existe muito de fantasia de criança em torno dela, foi meu irmão mais velho. Meu irmão foi o primeiro poeta que idolatrei (sem ter lido ao menos um poema de sua autoria). Jornalista, hippie, monge budista, franciscano, sertanista (chegou a morar 4 anos na Amazônia com uma tribo indígena na década de 70), meu irmão alimentou meu imaginário com sua vida riquíssima. Faleceu aos 28 anos. Quando vi, aos 9 anos de idade, estava sentado com um grosso livro de poemas dos parnasianos e românticos, todos os recreios, lendo, copiando e escrevendo meus primeiros sonetos.

2) – Como é seu procedimento ao escrever um poema?

Em 2004, quando voltei, após uma longa pausa de 25 anos, a escrever regularmente, foi como abrir uma comporta. Escrever era uma ebulição, tudo fluía de maneira desesperada. Coube apenas puxar o gatilho, e me desviar do tiro. Escrevia vários poemas por dia. Confesso que era pura inspiração e pouquíssimo trabalho. Devido a correria do trabalho, tive que aprender a não “perder” as palavras. De um local para o outro, dirigindo, os poemas e as palavras foram chegando, primeiro eu decorava, depois passei a gravar no celular. Cheguei a dirigir 400 Km com um poema quase pronto, repetindo, repetindo, até conseguir registrá-lo. Fui adquirindo um método; hoje registro palavras, faço colagens, trabalho mais os poemas. Retorno depois para rever e refletir. Mas tenho muito que aprender.

3) – O que é poesia para Jorge Elias Neto?

Poesia para mim é pulsão de vida. Quando ganhei uns prêmios com letras de música na infância e adolescência; quando eu lia meus poemas para as diversas musas, eu me via, no olhar dos outros, um diferente, um estranho; não sabia que era um poeta. Hoje, vejo na poesia, minha forma de resgatar o melhor de mim que não soube ser. Por isso essa necessidade de produzir uma poesia compreensível e que tenha um tipo de visgo que cole no leitor – o que trago colado em mim. Poesia é emoção, é grito, é desfrutar do dom de transformá-la em poema, de ser uma barriga de aluguel. Como eu disse em uma entrevista para o site SOPA DE POESIA: “optei pela vida e tento levá-la da forma mais intensa possível – tento insistentemente entende-la. Rolo as pedras, e coloco nos poemas meu processo de aprendizado.”

4) – Como você vê o atual panorama da poesia brasileira contemporânea? Quais poetas você destacaria?

Como não poderia deixar de ser em um País como o nosso, vejo uma poesia diversa, multifacetada. Costumo dizer que para tudo existe um peso, uma medida e uma visão distorcida. Mas não podia omitir a minha visão. Não creio que se tenha um caminho único a ser trilhado – pelo contrário – mas tenho observado um favorecimento da busca pura e simples da abstração, do uso “despretencioso” das palavras; como se o poeta se sujeitasse aos novos paradigmas impostos pela atual visão caleidoscópica da arte (patrocinada pelo mercado editorial); pela trilha atribulada e veloz da globalização. Quanto a segunda questão, retomei minha leitura de poemas nos últimos 6 anos, naturalmente busquei inicialmente os cânones e, somente com a criação de meu blog, passei a conhecer melhor meus contemporâneos. Digo isso para me redimir da exclusão daqueles que ainda não li mais detalhadamente. Iniciaria com Ferreira Gullar e Manuel de Barros pelos quais tenho grande adoração. Destacaria também Eucanaã Ferraz, Fabiano Calixto, Romério Rômulo, Mariana Ianelli, Ruy Espinheira Filho, Affonso Romano Sant'anna, meu falecido amigo Miguel Marvilla e Fabrício Carpinejar. O portal Cronópios apresenta um grupo de poetas que gosto muito. Sirvo-me das indicações de poetas nordestinos no SOPA DE POESIA. Foi lá que travei conhecimento com a poesia de Gustavo Felicíssimo, Heitor Brasileiro, Silvério Duque e conheci a obra de Alberto da Cunha Melo e Bruno Tolentino.

5)- Fale sobre seu novo livro de poesias e sua diferença em relação ao anterior.

Meu primeiro livro, Verdes versos, propositalmente distribuído em quatro capítulos, que representam os anos que os poemas foram escritos, é fruto do impulso de publicar. Ele vale como registro pessoal. Vários poemas, hoje, teriam ficado guardados, embora estejam lá alguns dos poemas que mais gosto. Representa a fase que me referi como explosiva. Nele é possível vislumbrar uma transição para algo de próprio, no fazer poema. O nome sintetiza o livro: versos verdes, de um iniciante, trabalhando suas memórias e verdes versos – meu profundo amor e preocupação com a Mata Atlântica. Rascunhos do absurdo centra força na minha preocupação enquanto homem, na elaboração do absurdo, ao meu ver, brilhantemente abordado por Camus. Aqui cabe dizer que o livro chamar-se-ia “O estalo da palavra” – que passou a ser o nome do capítulo possivelmente mais polêmico do livro. Creio que nesse livro eu já consiga definir uma linguagem pessoal. Eu tinha um número significativo de poemas e, juntamente com Gustavo Felicíssimo que colaborou com a organização, consegui um livro com poemas fortes e provocantes, como eu intencionava. É um livro que me emociona muito.

6) – Como você vê a importância da internet para a divulgação da poesia contemporânea?

Veja meu caso, sem internet você não saberia de minha poesia, eu não teria a possibilidade de divulgar meu trabalho. Vejo nisso um enorme e inconteste avanço. O mesmo se dá com vários outros poetas. Esse congraçamento é altamente válido. Temos o Portal Cronópios, a revista literária Germina e Zunái, isso é uma maravilha. Temos acesso ao trabalho de aglutinação e resgate realizado pelo Gustavo Felicíssimo no sul da Bahia. Temos Soares Feitosa, a revista Agulha (infelizmente com edições interrompidas). Como último exemplo, lembro a recente publicação pela Dulcineia catadora do livro-dvd H2HORAS capitaneado pelo Pipol do CRONÓPIOS, com a participação de autores de todo País – sem a internet isso seria quase impossível de ocorrer. A internet possibilita uma maior democratização, uma maior abertura e equalização; é possível “dar a partida”. O que me preocupa é a postura do poeta, a falta de questionamento da importância que ele pode dar aos elogios, aos aplausos, a um certo corporativismo que a internet proporciona. Não que isso já não seja uma características das relações humanas... Foi o que já pontuei em minha primeira resposta. A internet é apenas um grande instrumento, é o homem que pode ou não gerar um viés de uso.

7) – O que você diria como forma de conselho para aqueles que estão se iniciando na prática da poesia?

Talvez meu conselho seja não fazer o que fiz. Pois nascemos poetas e temos que amar e nos orgulhar deste dom. Devemos conservar nosso olhar para a vida (o que me salvou). Ler absurdamente, apaixonadamente, pacientemente os clássicos e nossos contemporâneos. Escrever, guardar as palavras; “deixá-las ao relento” como disse meu amigo Miguel Marvilla. Estabelecer seu método do fazer poético. Não se deixar desviar, acalmar, estagnar por conta dos elogios. Saber receber e julgar as criticas – definir a relevância do que os dizem. Mas, sobretudo, não deixar-se esmorecer; escrever com honestidade e com a consciência da insignificância relativa de tudo que somos e produzimos – aproveitar a força de sua racionalidade e a energia que emana de seu coração de poeta. O poeta é o protótipo do herói absurdo, tal qual Sísifo.

8) – Como você vê a relação entre a tradição e os movimentos de vanguarda no âmbito da poesia? Existe uma tradição perene na poesia?

Como leitor autodidata, sempre evitei externar minhas percepções a este respeito. Assumo que tenho muitas dúvidas e incertezas. Mas tenho observado que ao analisar criticamente, como leitor, o meu em torno, amplio meu entendimento da poesia, e, quem sabe, colaboro com a coletividade. O meio editorial tem sido um tanto restritivo, fazendo com que para aqueles que não navegam na internet e tem acesso aos poemas em livro, tenham uma falsa idéia que atualmente predomina uma poesia com as características que enumerei anteriormente. Já na rede é que podemos observar que existem poetas com uma trajetória diversa. Como tem que ser. Concordo com Antônio Cícero em não ver espaço para vanguardas. O que existe é a singularidade de olhar de cada poeta buscando lidar com as questões primevas e com seu cotidiano. Não concordo quando poetas colocam-se como verdadeiros antípodas defendendo o que acreditam ser a verdadeira linguagem da poesia de seu tempo. Uso um fragmento do prefácio de Sagarana, escrito por Paulo Rónai em 1946. Embora o gênero comentado pelo autor seja a prosa (no caso os contos e novelas), ele cabe bem nesse momento : “Os desesperados esforços de renovação que caracterizam o gênero de algum tempo para cá geram fórmulas mais de uma vez surpreendentes e inéditas, mas dificilmente despertam emoções profundas”.
E é a emoção que busco nos poemas.

Jorge Elias Neto (1964) Natural de Vitória/ES. Médico cardiologista, pesquisador e poeta. Publicou Verdes versos (Vitória: Flor&cultura, 2007) e Rascunhos do absurdo (Vitória: Flor&cultura, 2010). Poemas publicados em diversas antologias poéticas. Participa de vários portais e sites de literatura. Escreve o blogue O Estalo da Palavra.

3 comentários:

  1. Gostei demais da definição do poeta como "herói absurdo" e sobretudo desta visão da singularidade de olhar de cada poeta. Concordo plenamente: a multiplicidade de olhares é que torna extraordinário este território a que chamamamos poesia. Que beleza de entrevista - lucidez e equilíbrio,, de ambas as partes. Parabéns! Abraços.

    ResponderExcluir
  2. Um prazer ler a entrevista, Hilton! Tive acesso ao blog de Jorge Elias por intermédio de seu blog.
    Excelente trabalho dos dois. Há clareza e inteligência. Parabéns!
    Abraços.

    ResponderExcluir
  3. Obrigado meus amigos! É pura satisfação colaborar com a divulgação de grandes poetas!

    ResponderExcluir