sábado, 19 de junho de 2010

ENTREVISTA COM O POETA GUSTAVO FELICÍSSIMO


1) – Como ocorreu seu contato inicial com a poesia?

GF – Comigo ocorreu algo singular, pois antes mesmo de travar contato com a obra de algum poeta eu já fazia as minhas anotações. Eu sentia algo poderoso pulsando fortemente dentro de mim. Aquilo me movia. Era a poesia e eu não sabia ao certo. Então, quando li Drummond e Neruda, que foram os meus primeiros poetas, houve um grande deslumbramento, fui arrebatado de vez. A Literatura de Cordel também exerceu grande fascínio sobre mim.

2) – Como é seu procedimento ao escrever um poema?

GF – Acho que não difere muito do procedimento de outros autores. A criação nunca acontece de modo aleatório, ela se dá através de muito empenho, trabalho mesmo, até a exaustão às vezes. Após escrito o poema vai pra gaveta, onde fica por um tempo até passar a euforia que me causa. Quando volto a ele é que acontece geralmente aquele trabalho de polimento. Para mim é aí que começa verdadeiramente o trabalho do poeta.

3) – O que é poesia para Gustavo Felicíssimo?

GF – O conceito de poesia é muito amplo. Há poesia desde o belíssimo pôr-do-sol em Ilhéus, até um assassinato. Transformar a poesia que está aí em um poema é outra coisa, requer muito apuro estético. Já o poema, para mim, é algo material e palpável, um objeto como qualquer outro, muito embora seja um objeto de arte, uma revelação.

4) – Como você vê o atual panorama da poesia brasileira contemporânea?

GF – Em todos os tempos houve bons e maus poetas. Hoje em dia não é diferente. O que difere um de outro é que, como diz Ildásio Tavares, o grande criador esmera-se por sua obra, já o criador pequeno esmera-se pela sua pessoa. Vejo que um está preocupado em dar ao texto um valor de interesse fundamental; o outro proporciona obras de intelecção apenas abstrata.

5) – Mesmo tendo nascido em Marília, interior de São Paulo, como você vê a relação entre tradição poética e movimentos de vanguarda em se tratando da Bahia?

GF - Moro na Bahia desde 1993, primeiramente em Salvador, agora entre Itabuna e Ilhéus, onde acaba de nascer minha filhota. Portanto, quase metade da minha vida. Aliás, após a infância, as melhores coisas da minha vida aconteceram aqui. Por isso a Bahia me é tão cara. Foi convivendo com escritores daqui que vivi todo meu processo de maturidade intelectual. Então é isso. Eu falo oxênte e como Caruru, sacou?
Quanto ao que me pergunta: A Bahia é vanguarda e tradição desde sempre. Nossos grandes vanguardistas, como todo grande vanguardista, desde Gregório de Mattos, são ousados ao mesmo tempo em que possuem um pé na tradição. Certa feita, ao entrevistar rapidamente o Tom Zé, perguntei-lhe sobre essa idéia fixa de desconstrução em sua obra, no que ele respondeu dizendo ser impossível desconstruir o que não se sabe como se constrói. Como diz a canção do Gilberto Gil: Deus entendeu de dar a primazia/ pro bem, pro mal/ primeira mão na Bahia.

6) – A inovação em termos de poesia é sempre necessária? Existe uma tradição perene em regiões especificas do nosso país, como o Grande Nordeste?

GF – Acho que em termos de literatura tudo já foi feito e dito. Mudam-se os suportes, as formas, mas o poema, temas e idéias continuam imutáveis. Sinto que o poeta mais que inovar precisa, em verdade, reinventar seu universo particular. Nisso, todos são iguais.

7) – O que você diria como forma de conselho para aqueles que estão se iniciando na prática da poesia?

GF – Que trabalhem por suas obras não por seus nomes. Alguma reputação e reconhecimento, se acontecer, acontecerá em decorrência da qualidade dos seus poemas. O resto é ufanismo e auto-promoção.

8) – Qual a importância de um poeta como Alberto da Cunha Melo para sua poesia e a poesia brasileira?

GF – Ele foi um autor formidável, refinado e diferenciado, dialoga com as tradições e com a modernidade, é inventivo, lírico e irônico. Qualquer escritor que tenha essas qualidades poderá por certo ser considerado um grande escritor. Creio que sua importância ainda está para ser avaliada, precisa de mais tempo, embora muitos jovens escritores estejam cultuando a Retranca (forma fixa que ele criou) Brasil a fora. Para mim o Alberto, assim como outros grandes poetas, serve como espelho, modelo para uma poesia transcendente. Escrevo Retrancas porque é uma forma que internalizei muito bem, assim como foi também com o Haikai e o chamado Verso Livre, que de livre não tem nada, pois um poema jamais se verá livre da forma, daqueles elementos que nos falam Aristóteles e Ezra Pound. Quais sejam: ritmo, imagens, harmonia e idéia. Geniais são os poetas que trabalham com esses elementos em harmonia. O Alberto da Cunha Melo é um deles.

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