A distância e as imagens. Será que o gosto pelo mundo de imagens não se alimenta de uma sombria resistência contra o saber? Corro os olhos pela paisagem: o mar está em sua baía, liso como um espelho; bosques sobem até o cume da montanha como massas imóveis e mudas; em cima, ruínas abandonadas de castelo, como se encontram há séculos. É assim que deseja o sonhador. Que esse mar se ergue e se afunda em bilhões, mas bilhões, de ondas; que os bosques estremecem a cada novo instante desde as raízes até a última folha; que, nas pedras das ruínas dos castelos, reinam um desmoronar e um esfarelar contínuos; que, no céu, antes que se formem nuvens, gases fervem em lutas invisíveis – de tudo isso tem de se esquecer para se entregar às imagens. Nelas tem repouso, eternidade. Cada bater de asas de pássaro que o roça, cada rajada de vento que o faz estremecer, cada proximidade que o toca, lhe pune as mentiras. Porém, cada distância reconstrói seu sonho, que fica apoiado em paredes de nuvens, que torna a se inflamar em cada janela iluminada. E o sonho aparece como o mais perfeito, se consegue tomar do movimento o seu ferrão e transformar a rajada de vento num sussurro e a passagem casual dos pássaros na migração dos pássaros. Assim, pôr termo à natureza na moldura de imagens esvanecidas é o prazer do sonhador. Conjurá-lo sob uma nova chamada, o dom do poeta.
Walter Benjamin, Rua de mão única. Ed. Brasiliense
Walter Benjamin, Rua de mão única. Ed. Brasiliense
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