quarta-feira, 20 de outubro de 2010

ENTREVISTA COM A POETA EDIR PINA DE BARROS

1) – Como ocorreu seu contado inicial com a poesia?


A poesia sempre esteve presente em minha vida desde a mais tenra infância. Tenho pai poeta e sonetista – Antonio Lycério Pompeo de Barros - e cresci ouvindo suas poesias, que ele gosta de declamar, às vezes nas horas menos esperadas. E declamava também sonetos clássicos que retinha na memória. O mesmo fazia seu pai, que morreu quando ele tinha pouco mais de dez anos: declamava poesias para ele. Cresci - como os meus irmãos - ouvindo e lendo poesias, sobretudo os clássicos. Aos nove anos comecei a escrever também. Sempre escrevi, desde então. Em um momento de extrema decepção queimei toda a minha produção desde a infância. Continuei escrevendo apenas textos acadêmicos na área de Antropologia. Somente no final de 2008 – quando entrei para o Recanto das Letras - retomei a escrita da poesia. Cada texto escrito foi postado, como ainda hoje o faço, na net. Assim eu os defendo de mim mesma. Já organizei dois livros para publicação, um contendo sonetos meus e outro em co-autoria com meu pai. Breve serão publicados. Ah! Sim, comecei a escrever sonetos apenas em março de 2009, depois de mais de um ano dedicado ao seu estudo.


2) – Quais são suas influências literárias?


Difícil dizer! Que digam os outros! Cresci lendo e ouvindo os clássicos e os sonetos de meu pai. Creio que cada poeta é uma síntese única de todos os poetas que o precederam e que teve oportunidade de ler, conhecer... Cresci ouvindo e lendo Guilherme de Almeida, Olavo Bilac, Cruz e Souza, Castro Alves, J.J. de Araújo Jorge, Augusto dos Anjos, Machado de Assis, Gregório de Matos, Casemiro de Abreu, Pedro de Alcântara, Shakespeare, Dante, Camões... Mas ocorrem no mundo da poesia fenômenos interessantes. Várias pessoas já afirmaram, em seus comentários aos meus sonetos, que tenho algo de Florbela Espanca e isso me fez buscar conhecê-la recentemente. Jamais a havia lido antes. Creio que devamos ter algo em comum na forma de expressão dos sentimentos e recorrências nas experiências e eventos da vida, além de um olhar feminino sobre o mundo! Sou antropóloga, etnóloga e vivo cruzando fronteiras culturais. Sou culturalmente multireferenciada. Creio que isso também tem um peso sobre a minha escrita. Sou uma boa escutadora de mitos indígenas, por exemplo. Os mitos são fontes elementares de poesia. A força da história vivida, que aprendo com tantos “outros”, também tem seu peso na minha forma de ver e sentir o mundo. A violência e o jugo colonial dos povos que estudo me tornam dia a dia mais sensível. Vivo no fio da navalha.


3) – Como é seu procedimento ao escrever um poema?


Cada poeta tem o seu método de escrever... O meu é um exercício de libertação continuada de sentimentos, uma busca incessante de sentidos da vida num esmerado exercício do ser em meio a mais profunda solidão. O poema, em si, é apenas um precipitado desse processo. O texto poético me vem como uma cascata incontida de sentimentos em versos. Mesmo o soneto... Primeiro os escrevo, observando apenas as rimas. Somente depois de escritos os versos é que eu reviso a sonoridade, o ritmo. Isto eu faço declamando alto a poesia e batendo na mesa de trabalho os meus dedinhos, quando não os pés no chão, como se faz com a música. Creio que o fato de haver estudado harmonia e piano se faz presente nesse processo de criação. Sou extremamente sensitiva e vivo à flor da pele.

4) – O que é poesia para Edir de Pina Barros?


Poesia, para mim, é a essência do sentir humano, a expressão de sentimentos e emoções traduzida em versos, sonoridade e estrutura. Uma linguagem essencialmente metafórica que torna visível algo abstrato como as emoções, em realidades quase palpáveis. O lirismo que não é mais do que a expressão do "eu" que revela seu estado de espírito, que expõe seu universo interior sem pudor e sem limites. Poesia é sentir... Está em tudo, depende do olhar de cada um, da coragem de expor os mais íntimos sentimentos, produtos do “eu lírico” ou da experiência própria vivida. É o produto do espírito, da alma.


5) – Como você vê a relação entre a tradição e os movimentos de vanguarda no âmbito da poesia? Existe uma tradição perene na poesia?


Tradição e modernidade mantêm entre si relações sinérgicas, dialéticas. Seja por relações complementares ou de oposição. Afinal, o que é tradição? Creio que seja o núcleo duro de uma cultura – que tem o peso da historicidade, da densidade humana e histórica – que permanece no tempo em meio ao processo de continuadas mudanças. Não há como pensar tradição e modernidade de forma dualista, estanque, cada qual, em seu espaço/tempo. Poesias de vanguarda coexistem com a continuada produção de sonetos clássicos. Os movimentos de vanguarda, mesmo eles, se realizam afirmando a tradição – perene sim – da poesia. Porque poesia é poesia, independentemente da forma e da estrutura. Essa tradução lírica dos eventos do mundo e da vida é o seu cerne, sua essência perene.


6) – Você pertence ao grupo Poesia Retrô. Fale sobre sua proposta poética e sua perspectiva dentro da poesia contemporânea.


Alimentar a poesia no mundo! Esta é a minha única proposta, além da denúncia social, que por vezes faço em algum poema meu. Voltei a escrever poesia depois de me afirmar no mundo acadêmico. Tenho livros publicados, parte de livros – alguns organizados por mim - artigos em revistas nacionais e internacionais. O meu livro "Filhos do Sol" foi indicado ao Prêmio Jabuti 2004 (melhor livro de Ciências Humanas e melhor capa) pela Editora da Universidade de São Paulo, que o editou. Quando voltei a escrever poesia mudei apenas a forma de me expressar. Quero cantar ao mundo as experiências vividas, sentidas e traduzidas em forma de poesia. Não tenho pretensões literárias em relação à poesia. Apenas necessito escrevê-las! Mas já tenho um soneto premiado com “Chave de Ouro” (primeiro lugar), intitulado Grafismo Indígena.


Grafismo indígena

Essa tua pele mais parece tela
Toda pintada em tons da natureza...
Materializa mito que desvela,
Antiga história, tanta profundeza!

Em delicados traços, com cautela,
Nessas pinturas, feitas com firmeza...
Uma cultura ímpar se revela!
Em seu silêncio encerra grã beleza!

Morena tez, trazendo ao cotidiano,
Sagradas leis do cósmico, do humano,
toda memória, enfim, dos tempos idos!

Em cada traço, prenhe de sentidos!
Uma epopéia! Tempos bem vividos
Em território livre, soberano!


7) – Sua poesia, escrita em moldes clássicos, parece mesclar dimensões românticas com outras estéticas. Comente sobre esse aspecto de sua poesia.


Pouco racionalizo sobre mim, sobre meus escritos. Escrevo apenas! Como disse, a poesia me brota como uma fonte d’água que rompe a terra com força. Eu entro em alfa e perco-me na sua escrita. Escrevo. Sinto que convivem em mim vários “eus líricos” e já pensei em usar heterônimos para dar-lhes mais espaço de vida. O meu lado masculino também vive a me pedir espaço. Creio que eu seja marcadamente romântica, um romantismo quiçá mestiçado com o simbolismo, mais raramente com o com o parnasianismo... Depende de meu momento, do “eu lírico” que se manifesta em mim. Não tenho nenhum controle sobre isso! E nem penso nisso! Apenas dou passagem à poesia que brota em mim.

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